Desencontros
Bebi um gole do vinho, observando o prato e a taça vazia a minha frente. Tentei me enganar imaginando que um atraso de 40 minutos era normal, balancei a cabeça negativamente, não havia funcionado. Comecei a apreciar a pizza, talvez, pudesse ser positiva, sorri, olhando para pizza - isso significava que não seria obrigada a dividir. Suspirei, não, isso não era legal, não tive o trabalho de me aprontar para um encontro para dizer o quão bonita era a parede.
Coloquei os dois braços em cima da mesa e afundei minha cabeça, parecia uma criança emburrada, suspirei, espiei a vista de um parque - esse restaurante foi eleito o com a melhor vista de São Paulo.
-Mademoiselle, deseja mais vinho? - indagou um homem de trinta e cinco anos vestindo um traje social, era o garçom.
Sorri, era no mínimo incomum ele se referir a mim na língua francesa, pois esse era um restaurante italiano, resolvi levantar essa questão, apesar de isso não ser muito educado.
-Por que o senhor fala em francês? Se me permite perguntar.
-Fui criado na frança senhorita, passei mais da metade da minha vida lá - sorriu ele, provavelmente tendo boas lembranças.
-França! O país deve ser lindo, eu nunca viajei para o exterior, porém desejo muito fazer isso, o mais rápido possível.
Por que contava esses detalhes pessoais para um desconhecido?
-Se porventura for a França, não irá se arrepender, mas agora lhe darei uma sugestão de francês: não se atenha a rota dos "turistas", o país tem belezas escondidas além da Torre Eiffel.
Assenti, gostaria de explorar os "lugares que os visitantes não conhecem" quando fosse viajar.
Conversamos um pouco mais, debatendo sobre a Europa, até que...
-Jean, estão te chamando - um jovem chegou, um colega de trabalho do garçom.
Suspirei, esse homem com certeza era mais educado do que aquele que havia me deixado jantando sozinha, peguei o celular me atentando para "chamadas perdidas" e "mensagens", o cara do meu encontro nem havia dado "sinal de vida".
Observei a taça de vinho, não tinha mais vontade de beber, encarei a pizza que rejeitava comer, olhei para a porta - sabe quando você quer ir embora, porém tem preguiça? Era isso que sentia, peguei meu celular da bolsa, nada ainda e a bateria já iria acabar, o joguei em cima da mesa. Suspirei, ora, estava suspirando muito ultimamente.
Bem, a única coisa que me restava a fazer - nessa mistura de tédio, preguiça, raiva, frustração e sono - era ouvir a conversa alheia, sim, isso não era bonito... contudo, nunca deixava de ser interessante!
Dirigi meu olhar para um casal de idosos, sorridentes com a notícia que ganhariam um neto, sorri, parecia bom viver um relacionamento de tantos anos, ver os filhos crescerem e depois esses lhe darem um neto. Virei a cabeça e vi o casal a frente, esses eram jovens e envergonhados, o garoto pousava sua mão em cima da mão da garota, os dois obviamente corados, aquele lugar parecia um reduto de casais!
Abaixei a cabeça, não era possível que só eu tinha azar no amor, deve ter alguém aqui que não esteja acompanhado, resolvi subir para o segundo andar, pois no primeiro não havia visto ninguém sozinho, posso dizer para você que só queria um pouquinho de conforto psicológico, saber que alguém estava passando pelo que eu passava me faria um enorme bem, apesar de isso parecer muito egoísta.
Lá em cima haviam enormes janelas mostrando um céu estrelado, comecei a caminhar pelo local, não me importando se alguém achasse estranho a minha "dificuldade de escolher uma mesa" e de novo só casais, me sentei na mesa perto da janela apanhando novamente meu celular "estarei aqui em cima" digitei para o homem que havia me convidado para o encontro, balancei a cabeça, parecia uma pedinte porque já enviei cinco mensagens dos quais ele nem sequer se deu o trabalho de enviar uma resposta, esse Fábio! Podia pelo menos ter avisado que não viria.
Foi aí que vi, um rapaz com rosto de 25 anos sozinho, ele mexia no notebook, seus olhos concentrados por trás das lentes de grau, será que poderia conversar com ele? Dane-se, quero conversar com outro ser humano.
-Olá - disse me aproximando, notando de súbito como era esquisito conversar com um total desconhecido.
-Oi - falou breve - o que deseja?
-Nada, só conversar - dei de ombros.
Ele franziu o cenho.
-Moça, você acha mesmo que trouxe meu notebook para ficar batendo papo com uma completa estranha? Agora se me dá licença tenho trabalho a fazer.
Ainda o encarei por alguns segundos antes de me virar e descer para o primeiro andar, cheguei a minha mesa de origem e bebi um pouco mais de vinho, ele não era nada simpático, poderia ao menos ter me explicado em vez de se referir a mim como uma "completa estranha", afinal antes de fazermos uma amizade não sabemos o nome de nosso futuro amigo.
Suspirei, notando que já deveria ser professora de suspiros, apreciei a porta de saída, só que estava muito cansada para sequer querer ir embora, minutos depois me levantei para retocar a maquiagem no banheiro, por que iria me maquiar? Bem, acho que isso tem haver com o tal do conforto psicológico, afinal, fiquei imaginando se eu era feia e devido a isso aquele cara nem quis falar comigo, claro, isso era besteira, afinal quem traz um maldito computador para um restaurante? Alguém sem ninguém, com certeza traria, e não me admirava ele ser sozinho, com aquela atitude não conseguiria ninguém.
Me sentei novamente, agora com um batom vermelho nos lábios, o restaurante estava mais vazio, as poucas pessoas que estavam lá já iam embora, levantei o pulso as horas no meu relógio mostravam que era quase madrugada! Isso explicava.
Bocejei, tentando reunir forças para sair dali, afinal, de qualquer modo fechariam o restaurante. ele não era 24 horas e não poderia adormecer em uma mesa - se pudesse não tinha dúvidas que dormiria lá, agora só me bastava enrolar, pois até o staff estava se preparando para ir para casa.
-Mademoiselle Olivia- Jean falou, vestido agora com trajes normais - todos já foram embora, espera dormir aqui? - ele riu - afinal, porque ficou aqui por tanto tempo?
-Um cara não apareceu - respondi vagamente.
-Não entendo como rejeitariam uma mulher tão bonita como você.
Corei, por que ele disse isso?
-Restaurante francês, as sete da noite nesse sábado. - sorriu ele - prometo não te deixar esperando!
Sorri, ele era um cara muito bacana!
Nesse momento meu celular tocou e atendi:
-Desculpa ter te deixado esperando amorzinho, é que aconteceu um imprevisto...
-Primeiro não sou seu amorzinho, segundo, ninguém deixa alguém esperando no primeiro encontro, terceiro nada justifica você não ter me ligado, quarta já encontrei outra pessoa - e desliguei enquanto Fábio ainda tentava se explicar.
-E esse restaurante francês Jean, como é? - indaguei.
-Ah, você vai gostar, é de um amigo meu, culinária francesa legitima!
Anos depois
-E foi assim que um desencontro levou a um encontro - ri.
-Então foi desse jeito que você conheceu o papai! - minha filha de cinco anos exclama.
Meu marido sorriu.
-Sim, agora vá dormir. - deu um beijo nela.
Apagamos a luz do quarto e fomos para a sala, além do casamento e dos filhos muita coisa já aconteceu, por exemplo: Já viajei para França, e posso constatar que é um lugar lindo, além de Jean estar muito feliz, pois agora é sócio de um restaurante francês, e gosta de se aventurar na cozinha.
-Aquele cara... Fábio... foi muito burro em atrasar - ele sorriu.
-Bem, pelo menos posso dizer que as vezes um azar se transforma em sorte. - falei filosoficamente.
Jean levantou a sobrancelha.
-Concordo - olhou para mim.
Ele aproximou o rosto colocando gentilmente seus lábios nos meus, beijei-o feliz, daqui a muitos anos quero ser o casal de idosos na pizzaria, com aquele relacionamento duradouro e a notícia de netos. E Isso iria acontecer.