Capítulo XVII
Ga Yeong não sabia bem o que esperar de Seung Ri. Os dois estavam em uma quadra de basquete, o local parecia um pouco abandonado, cercado de prédios comerciais que estavam fechados. Com certeza, não era um local que costumava ser muito visitado, já que o seu acesso parecia bem escondido. Não ficava muito longe de sua casa, tanto que os dois vieram caminhando para o local. O rapaz demonstrava seu talento no basquete, jogando a bola e encestando uma atrás da outra, não importava muito a distância. A garota observava o rapaz um tanto curiosa, afinal, por qual motivo ele havia a chamado naquela hora da noite?
– Você não me chamou para te ver jogando basquete, não é? – Ga Yeong questionou, caminhando em direção ao rapaz.
– É claro que não... – O rapaz respondeu com um sorriso divertido. – Eu precisava de alguém pra segurar minhas coisas, não podia deixar minha cerveja encostar no chão.
– E eu tenho cara de cabideiro, não é mesmo? – A garota acabou por entrar na brincadeira do rapaz.
– Acredito que um cabideiro não conseguiria ser tão bonito. – O comentário do rapaz a fez corar.
Seung Ri lançou novamente a bola, acertando o centro do aro com uma cesta limpa. Correu para buscar a bola, quicando a mesma ao se aproximar da menina.
– Eu vou viajar amanhã de manhã, por isso queria te ver hoje. – Seung Ri falou, lançando a bola novamente. – Decidimos abrir uma filial nos Estados Unidos, mas como parece que a situação por lá está um pouco mais caótica do que esperávamos, eu vou ir lá pra resolver alguns assuntos.
– Ah, entendo... Isso quer dizer que você não vai conseguir acompanhar a filmagem de amanhã do comercial, não é? Você parecia realmente envolvido com esse projeto. –Disse Ga Yeong, lembrando-se que também não havia o visto naquele dia no set de filmagens. Apesar de muitos clientes não acompanharem todas as etapas da produção de um comercial, Seung Ri parecia ser o tipo de pessoa que queria participar ativamente de todos os estágios. O rapaz apenas afirmou com a cabeça.
– Eu confesso que me sinto ansioso sobre esse comercial. – Seung Ri foi sincero. – Na verdade, o produto dessa propaganda era um projeto do meu pai. Levou muito tempo para que a gente conseguisse colocar em prática esse plano dele. Ele era genial, por isso que eu tive dificuldades pra tirar esse projeto do papel.
Isso explicava muita coisa sobre essa dedicação do rapaz, como se dedicava a estar por dentro de tudo o que envolvia aquela tecnologia.
– Agora eu entendo o quanto esse projeto é importante pra você... Na verdade, eu já esperava que fosse porque não é muito comum um CEO de uma empresa se envolver pessoalmente em algum projeto, ainda mais um simples comercial. – Ga Yeong confessou.
– Pra mim não é só um comercial, é o que conecta as pessoas ao desejo do meu pai. – Seung Ri caminhou até a arquibancada um pouco desgastada, tirou dali uma latinha de cerveja e a abriu, oferecendo-a para a garota.
Ga Yeong não gostava de beber, nunca foi fã de álcool e muito menos tinha resistência o suficiente para duas ou três latinhas, mas sua cabeça estava tão cheia sobre seus problemas envolvendo Kyung Soo que se viu tentada a aceitar. Deu um longo gole, fazendo uma careta em seguida. Kyung Soo continuou falando sobre seus sentimentos acerca do projeto que estava realizando.
– Meu pai sempre quis que a tecnologia dele conectasse as pessoas, todas as pessoas, independente de idade e das condições delas. Por isso que quando você sugeriu a ideia de focar a propaganda na família, eu finalmente senti que a mensagem desse projeto estava chegando à alguém. – O rapaz tomou um gole da cerveja sob o olhar atencioso da garota. Por um momento, Ga Yeong não soube dizer por que se sentia tão feliz pelo homem reconhecer sua ideia, ou melhor, porque estava feliz por ajuda-lo a realizar o seu sonho. – E eu tenho certeza que sob o seu cuidado, essa mensagem vai chegar a outras pessoas.
Ga Yeong sorriu, sentia-se quente por dentro com a confiança que era depositada em si. O rapaz ao seu lado sorriu ao olhá-la também. Logo tomou outro gole de sua cerveja, mudando de assunto. Na realidade, Seung Ri havia pensado seriamente sobre convidar a garota para jantar e dizer como se sentia em relação a mesma, mas quando havia a encontrado em seu apartamento, percebeu que a garota não havia tido um bom dia. O rosto estava um pouco inchado e parecia que havia passado algum tempo chorando. Não queria tocar no assunto enquanto a garota não estava bem com seus problemas. Ao mesmo tempo, queria servir de ombro amigo para consolá-la, caso quisesse conversar. Talvez estivesse ultrapassando a linha que a garota havia tracejado entre eles perguntando sobre algo que deveria ser tão íntimo para a mesma, mas durante aquelas últimas semanas haviam compartilhado tanta coisa um sobre o outro que esperava que tivesse a confiança da garota para ouvir seus problemas.
– Mas mudando de assunto... – O rapaz bebericou novamente de sua latinha, percebendo que a bebida começava a esquentar. – Você não parecia muito bem hoje...
Ga Yeong sentiu-se envergonhada.
– Ah, você percebeu? – Não pode deixar de ficar surpresa com a intuição do rapaz.
– Você parece que levou dois socos no olho, quem não perceberia? – O rapaz brincou, o que fez a garota rir com o mesmo.
– É que, enfim... – Ga Yeong não sabia se deveria contar sobre seus problemas ou não para o rapaz, mas por algum motivo se sentia confiante e tentada a falar tudo o que estava lhe causando agonia. – Eu reencontrei uma pessoa do meu passado recentemente. Ele era o filho dos patrões da minha mãe e quando eu vivia com ela, eu era apaixonada por ele... Mas a gente nunca se envolveu de verdade, aparentemente... – A garota brincou com o anel da latinha. – Na verdade, aconteceu uma sequência de maus entendidos entre nós e a gente perdeu contato por um tempo.
Seung Ri se arrependeu de ter perguntado. Vendo como a garota confessava seus problemas sobre um homem pelo qual havia sido apaixonada o fazia questionar se ainda havia algum sentimento forte por parte de Se Young sobre essa pessoa. Mordeu o lábio inferior, ouvindo-a continuar a contar sua história.
– Só que agora que a gente se reencontrou, ele não me reconheceu. Na verdade, eu dei a entender que não era a pessoa que ele conhecia. – Confessou. O olhar de Seung Ri se fixou em si. – Ele confessou os sentimentos dele por mim hoje, disse que gostava de mim...
– Você ainda sente algo por ele? – Seung Ri questionou, ansioso com a resposta.
A pergunta do rapaz havia feito com que a garota se sentisse pensativa. A verdade é que ela não sabia dizer, estava em dúvida sobre os sentimentos que havia criado por Kyung Soo desde a sua adolescência e sobre os seus sentimentos atuais. Depois que havia optado por se vingar da traição do rapaz e convivido na mesma empresa que o mesmo por quase cinco meses, percebeu como era realmente receber afeto do homem, atrair sua atenção e percebeu que todos os sentimentos como esse, antigamente, vinham apenas dela. Ao contrário disso, se sentia desprezada por Kyung Soo de muitas formas, mas sabia que o rapaz havia amadurecido e repensado a maneira como a havia tratado durante a juventude. Ele havia confessado para si, mesmo que achasse que era outra pessoa, que se arrependia de suas ações do passado e que agora queria ser alguém melhor.
Mas será que isso era o suficiente para ainda amar o Kyung Soo?
– Eu não sei. – Foi sincera. – Mas... Eu queria ser honesta com ele, dizer quem eu sou... Ele se abriu comigo e parecia estar sendo honesto, então eu acho que eu devo ser honesta com ele também...
Seung Ri abriu outra cerveja, bebendo o conteúdo em um único gole. Por mais que ela não houvesse confirmado com todas as letras que ainda amava a pessoa por quem passou boa parte da adolescência apaixonada, ainda assim não havia negado que poderia haver o sentimento. Sentia-se frustrado, chateado e a culpa era sua por criar expectativas. Deixou a latinha de lado, tentando se livrar do pensamentos que começavam a tomar sua mente e se levantou da arquibancada. Buscou a bola com a qual estava jogando antes, quicando a mesma pela quadra. A garota o observou, parecia pensativo e distante por um momento, mas logo o rapaz se aproximou e jogou a bola em sua direção. Quase havia deixado a bola escapar, era um pouco mais pesada do que esperava.
– Vamos jogar uma partida. – O rapaz sorriu para Ga Yeong que pareceu confusa com o convite repentino.
– Eu não sei jogar...
– Você nunca jogou basquete na escola?
– Basquete nunca foi o meu forte. – Nem qualquer outro esporte que envolvesse correr, chutar, pular ou se movimentar no geral, pensou consigo mesma.
– Bom, então pode ser um bom momento para aprender... – A garota pareceu um pouco insegura, mas se levantou para tentar. – Bom, você tem uma bola e ali tem uma cesta, tente acertar.
– Assim, do nada? Não tem nenhuma técnica milagrosa pra me ensinar?
– Não, apenas precisa jogar mesmo. – Ga Yeong não pareceu muito convencida, mas mesmo assim tentou.
Imitou a posição de algum jogador famoso que havia visto algum dia na TV, visualizou o alvo e então lançou a bola. Entretanto, como todo castigo pra corno é pouco, a bola ficou presa entre o aro e a tabela. Os dois ficaram surpresos como a péssima pontaria de Ga Yeong podia ter causado tal situação.
– Acho que basquete realmente não é o seu forte... – Ga Yeong o olhou como se dissesse “Você acha? Sério?”. – Me empresta o seu sapato.
– Porque o meu sapato? – A garota franziu o cenho, desconfiada.
– Eu vou arremessar pra tirar a bola dali. Se eu jogar o meu tênis, que é maior, a chance de ficar preso na tela é maior.
Ga Yeong suspirou, contrariada, mas desde que ela havia sido a pessoa que prendeu a bola no aro, não custaria emprestar o seu sapato para o rapaz tentar tirar a bola dali. Tirou o tênis que usava e o entregou a Seung Ri que logo atirou o calçado em direção à bola. O calçado bateu no objeto e caiu dentro do aro, ficando preso na tela.
– Meu sapato! – Ga Yeong protestou.
– Me empresta o outro, eu prometo que dessa vez eu vou tirar a bola e o seu sapato de lá.
Ga Yeong pareceu desconfiada, mas mesmo assim entregou o sapato, ficando apenas de meia no meio do campo. O rapaz jogou o outro pé do sapato que acabou tendo o mesmo fim. Os dois observaram boquiabertos os dois tênis e a bola presos na cesta.
– Seung Ri... – Apesar da maneira informal que a garota havia usado pela primeira vez com o rapaz, o tom de voz não transparecia que estava muito contente. Com um sorriso amarelo o rapaz apenas proferiu a única coisa que poderia dizer naquele momento.
– Foi mal...
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Quando Ji Soo disse para sua chefe no dia anterior que ela deveria mudar um pouco as roupas que usava, não imaginava que a mulher faria de si uma espécie de “consultor de moda” particular. Mal havia colocado os pés na empresa naquela manhã e logo foi chamado para a sala da diretora. Assim que entrou em sua sala, a mesma pediu por um favor um tanto incomum: ajudá-la a escolher um vestido para o evento que participaria.
E até agora se perguntava o porquê havia aceitado.
Seung Ja surgiu de um provador, postando-se em frente ao rapaz. Alisou o vestido azul cobalto de mangas que batia abaixo do joelho. Virou-se por um momento, analisando o vestido no espelho.
– O que achou deste? – Perguntou esperançosa, era o quinto vestido que mostrava ao rapaz.
– Bonito. – A mulher pareceu surpresa com sua reação. – É o tipo de vestido que ficaria perfeito na sua mãe, que tem setenta anos.
A mulher suspirou, frustrada. Começava a pensar que não havia nada para ela naquela loja.
– Está se escondendo e escolhendo roupas que não te valorizam. – Ji Soo respondeu. – Está trocando seis por meia dúzia.
– Eu estou tentando.
– Está com medo... Não confia que é bonita o suficiente para usar um vestido bonito. – As palavras do rapaz lhe acertaram como uma flecha.
Ji Soo se afastou, havia um vestido que havia lhe chamado a atenção desde que entraram na loja. Pediu para a atendente trazer o vestido que estava na vitrine. Em poucos minutos, a atendente trouxe o vestido, deixando Seung Ja surpresa.
– Não posso usar um vestido desses, é...
– Bonito? Eu sei. – Ji Soo respondeu. – E vai ficar bonito em você, acredite. Apenas o experimente...
A mulher pareceu insegura, mas pegou o vestido e voltou para o provador. Alguns minutos depois, a mesma apareceu em frente ao rapaz. Ji Soo apenas perdeu a fala, olhando a mulher de cima abaixo. O vestido longo e vermelho, com mangas compridas caídas nos ombros, valorizava cara curva do corpo feminino, o decote alongado nas costas e o decote na frente a tornavam sensual, assim como a fenda que subia por uma das pernas. Seung Ja se sentia exposta, como se todos pudessem ver suas imperfeições, mas o olhar de Ji Soo sobre si a fez ponderar sobre suas inseguranças. Via desejo nos olhos do rapaz, como se novamente estivesse em frente ao amante da primeira vez em que se envolveram.
– A senhora está incrível, é raro um vestido desse porte cair tão bem em alguém. – A atendente parecia estar sendo honesta. – A senhora deseja levar ou quer tentar outro?
– Ela vai levar. – O olhar de Ji Soo parecia queimar sobre Seung Ja. A todo instante, não havia desviado os olhos da mulher a sua frente uma vez sequer. – Pode preparar a compra.
A atendente pareceu confusa, mas como não ouviu qualquer objeção, retirou-se para ajeitar a compra. Vendo-se sozinho com a chefe nos provadores, o rapaz não resistiu a tentação. Na realidade, quanto mais tempo passava com Seung Ja, menos queria lutar contra o desejo que sentia. Guiou a mulher para dentro da cabine onde se vestia, soltando seus cabelos do coque severo que sempre usava.
– Você fica irresistível assim. – Seung Já ouviu o rapaz proferir antes de atacar seu pescoço. Segurou-se nos ombros do mesmo, sentindo as pernas bambas. Os olhares se cruzaram, como se entrassem num silencioso consenso sobre como gastariam o tempo nos próximos minutos.
Capítulo XVIII
– Você disse que a festa não teria muitas pessoas... – Ga In mirou o rosto de Oh Joon incomodada pela quantidade de gente que parecia não acabar mais saindo da casa do colega de time do rapaz.
– Eu não sabia que ele iria convidar todo esse povo, pra mim ele tinha dito que era uma social com poucas pessoas. – Oh Joon mentiu, sabia muito bem que festas como aquela sempre eram encharcadas de gente.
– Acho melhor eu ir pra casa, não sei se consigo ficar aqui. – Ga In se preparou para dar meia volta, mesmo que não soubesse o caminho exato de volta para sua casa. Somente a ideia de estar em uma social pequena com outras pessoas com quem não tinha uma convivência já a deixava desconfortável, imagine uma festa daquela magnitude.
– Não vai, Ga In... – O rapaz segurou seus ombros com sutileza. – Olha, a gente entra, tenta ficar um pouco e se for muito difícil pra você, eu te levo pra casa, ok?
– Oh Joon...
– Vamos só tentar, eu vou ficar do seu lado o tempo inteiro... – O rapaz tentou convencê-la.
Entraram em um debate sobre o assunto, mas a persistência do rapaz fez com que a garota se desse por vencida, mesmo que não estivesse à vontade com a ideia. Os dois entraram na casa, o som alto logo começou a incomodar a garota. Como se estivessem equilibrando uma cesta de frutas na cabeça, as pessoas – pelo menos as que estavam um pouco mais sóbrias – logo voltaram sua atenção para o casal incomum. O astro e a nerd, era quase como ver um roteiro de filme clichê se tornando realidade. Logo os burburinhos começaram e Oh Joon sabia bem que falavam deles. Com um sorriso falso, Hyun Jin, o anfitrião da festa logo se aproximou vestindo sua melhor máscara de pessoa simpática.
– Olha quem temos aqui, a famosa senhorita Ga In. – O rapaz se aproximou para tocar a mão da garota, mas de uma maneira não tão sutil Oh Joon afastou a mão de Hyun Jin, colocando um braço entre o rapaz e a menina. – Oh, que possessivo, eu só ia dizer um oi.
– Você pode dizer “oi” sem tocar nela. – Oh Joon deu um sorrisinho de escárnio.
O pessoal ao redor começou com os cochichos novamente, surpresos pela atitude protetora do rapaz. Isso apenas fomentava os boatos de que os dois estariam num relacionamento. Para Oh Joon não importava tanto que alguém estivesse dizendo por aí que Ga In era sua namora, por mais que isso fosse surpreendente. Para uma pessoa que era tão preocupada com a própria imagem, era curioso como o rapaz estava colocando uma garota que até então não tinha um grande valor para si acima de sua própria imagem.
Hyun Jin ergueu as mãos como se estivesse se rendendo, mas tinha um sorriso debochado nos lábios.
– Tudo bem, foi mal... Não queremos incomodar o casal... – O rapaz falou dando alguns passos para trás.
O clima tenso entre os dois rapazes parecia chamar a atenção do pessoal que estava por perto. Mesmo que a sala fosse bastante espaçosa, nem todos os convidados conseguiam estar no mesmo espaço onde os rapazes pareciam que logo iriam se atracar por conta do ódio mútuo que nutriam um pelo o outro. Frustrando as expectativas do pessoal, Hyun Jin apenas se afastou, fazendo com que a atmosfera densa se dissipasse. Não demorou muito para que as pessoas ao redor se distraíssem novamente com seus próprios assuntos.
– Até quando as pessoas vão achar que estamos namorando? – Ga In perguntou para o rapaz. Ji Soo apenas suspirou.
– Em breve eu vou ajeitar essa situação, confie em mim. – O rapaz segurou os ombros da menina com uma leve carícia.
Os olhos de Oh Joon se prenderam na figura de um rapaz franzino na base da escada que levava ao segundo andar, como se tivesse acabado de descer. Mun Seo lhe encarou por alguns segundos tão longos que pareciam uma eternidade. Dando-se conta de sua companhia, o rapaz deu meia volta e subiu novamente as escadas para o andar superior. Oh Joon havia dado tempo e espaço para o rapaz, mas naquele momento queria acertar as contas. Virou-se para Ga In, sorrindo de maneira acolhedora.
– Eu vou buscar uma bebida pra gente, já volto. – Antes que a garota pudesse protestar, o rapaz a abandonou na sala, indo atrás do rapaz que lhe deixava perturbado.
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– Como se sente sendo a principal atração da noite? – Ji Soo se aproximou casualmente assim que viu Seung Ja sozinha.
– Desse jeito faz parecer que eu faço parte de espetáculo de circo... – A mulher bebericou um pouco do seu champanhe.
O comentário da mulher fez com que Ji Soo risse disfarçadamente. Como o rapaz esperava, assim que a mulher adentrou o salão com o vestido vermelho que havia escolhido há alguns dias atrás, imediatamente atraiu a atenção de todos. Os cabelos que normalmente viviam presos em um coque severo estavam soltos e desciam como uma cascata pelas costas expostas por conta do profundo decote do vestido. Enquanto conversava com os convidados, o rapaz se mantinha um pouco distante, sempre a observando e estando em seu campo de visão. Apenas a presença de Ji Soo no salão já deixava Seung Ja um pouco mais confiante para socializar com os colaboradores e possíveis investidores da empresa.
E parecia que eles estavam apreciando a sua presença, muito mais do que ela esperava. Quanto mais segurança passava em sua conversas, mais agradável sua companhia era para as pessoas com quem estava dialogando. Havia perdido a conta de com quantas pessoas havia conversado naquela noite, pessoas que pareciam interessadas em si até mais do que em possíveis acordos com a empresa. Somente quando via a mulher sozinha, Ji Soo se aproximava rasteiramente, certificando-a que estava fazendo um bom trabalho.
– Eu... Não estava confiante de que essa noite pudesse ocorrer bem. – Seung Ja confessou. – Sem a sua ajuda, eu teria transformado esse evento num fracasso.
– Concordo. – Ji Soo bebeu um pouco do champanhe, atraindo a atenção da mulher – E aquele vestido de idosa teria sido a sua ruína.
Seung Ja não pode deixar de rir do comentário de seu secretário, apesar de nunca ter sido fã de humor ácido, as brincadeiras do rapaz não deixavam de serem divertidas.
– Tem muita coragem de questionar o meu gosto por moda... – Permitiu-se entrar na brincadeira. – O meu estilo requintado é algo que você não entenderia.
– O seu estilo requintado é bastante duvidoso... – Rebateu.
– Se acha que tem mais capacidade de montar um look melhor que o meu, eu o convido a refazer todo o meu guarda-roupa...
– Eu pensarei no caso se receber alguma bonificação no final do mês. – Ji Soo respondeu com humor, mas ao contrário do que esperava, a mulher não o acompanhou.
Mirou o rosto de Seung Ja que parecia perdida e ansiosa, pensou por um momento que talvez houvesse a ofendido com sua piada, mas ao vê-la morder o lábio inferior percebeu que o motivo de sua distração não era o seu humor ácido. Voltou-se para trás de si, reconhecendo a figura masculina que havia encontrado poucas vezes ao lado de uma mulher jovem e bastante sensual. Se Kyung Joon era alto, bonito e expirava confiança e inteligência ao mesmo tempo em que tinha um jeito sacana demais para o gosto de Ji Soo. Era o tipo de pessoa que tomaria cuidado para que sua filha não se envolvesse quando tivesse idade suficiente para namorar (mesmo que fosse ficar de guarda para qualquer homem que sua filha tivesse interesse quando fosse mais velha). A mulher ao seu lado muito mal deveria ter sua idade, talvez fosse até mais nova. Não se admirava com o quanto a Seung Ja poderia ter se sentido inferior por ter sido trocada por uma mulher mais nova, mesmo que fosse tão bonita quanto (na humilde opinião de Ji Soo, até mais que a nova companheira de seu ex-marido).
– Apenas seja superior, você também o trocou por um modelo mais novo. – Seung Ja viu surgir um pequeno sorriso de lado surgir no rosto do rapaz. Ji Soo se afastou assim que viu o ex-marido de sua chefe finalizar uma conversa com alguns convidados, desconfiava que a próxima parada do casal seria a mesa em que estavam.
Não demorou muito para que Kyung Joon finalmente decidisse se aproximar acompanhado da bela mulher ao seu lado. Avaliou de cima abaixo a ex-companheira com uma expressão neutra, mas Ji Soo sabia que o homem estava impressionado. Ainda assim, independente de quão surpreso estava pela mudança de visual e de atitude da ex-esposa, o homem não parecia disposto a agir de maneira agradável com a mesma. Firmou uma mão no braço de sua atual companheira, apenas com o propósito de provocar Seung Ja, entretanto a mulher apenas esboçou um sorriso dissimulado, não se deixando cair nas provocações do homem. Sabia que caso se deixasse levar pelas afrontas do mesmo, apenas estaria satisfazendo o seu ego. Era um gostinho que não estava disposta a dar ao mesmo.
– Está promovendo um belo evento essa noite. Não é bem do seu feitio, mas aparentemente está fazendo um bom trabalho. – O homem comentou. Apesar de parecer um elogio, havia um tom levemente desdenhoso por trás daquelas palavras.
– É uma característica forte da minha família sempre fazer o quer que seja com qualidade, você sabe bem. – Seung Ja respondeu com uma elegância e confiança que pareciam inéditas ao casal.
– O seu vestido está lindo, querida... – A namorada de Kyung Joon se pronunciou com uma intimidade não cabia às duas.
Hwa Yeong era quase vinte anos mais nova que Seung Ja, provavelmente tinha saído do ensino médio há pouco tempo e tinha a lábia de uma estelionatária. Era a antiga secretária de Kyung Joon, cujo qual nunca havia sido fã e também havia sido o motivo de muitas brigas conjugais quando ainda estava casada com Kyung Joon. Nunca havia se deixado enganar pelo imagem meiga e gentil que a mulher cismava em sustentar. Apesar de ter ficado decepcionada ao descobrir a traição, não estava surpresa. Foi o estopim para a mesma decidir se separar definitivamente do ex-marido.
– Adoraria saber onde comprou, esse modelo cairia bem num corpo como o meu. – A mulher não pode deixar de comentar com o intuito de comparar o corpo de Seung Ja ao seu, como se estivesse a provocando pela diferença de idade. – Acredito que o meu Kyung Joon adoraria me ver em um desses...
– Acho que está sem sorte, a loja onde eu compro costuma fazer modelos para mulheres com bustos mais... Avantajados. – Ouviu uma risada discreta não tão distante de si. Qual não foi sua surpresa ao constar que Ji Soo estava mais afastado ouvindo tudo e se deliciando com as respostas à altura de sua amante? A namorada de seu ex se reiterou, estava mais acostumada a ser venenosa do que Seung Ja, o que significava que se recuperava rápido também.
– Entendo... De qualquer maneira, eu prefiro vestidos que fiquem mais justos nos quadris... – Jogou os cabelos castanhos para trás, relevando o assunto.
– Querida, gostaria de dar um passeio pelo salão? Aposto que tem muitas coisas para ver. – Apesar do olhar protestante da namorada, a mesma se afastou e deixou que o companheiro ficasse à sós com a ex-cônjuge.
– Tenho certeza que não pediu para ficar sozinho comigo apenas para me encher de galanteios. – Foi direta.
– Creio eu que não preciso encher o seu ego como provavelmente a maioria dos homens nessa festa já devem ter feito. – Seung Ja talvez estivesse delirando, mas podia jurar que o tom desdenhoso do homem era para disfarçar algum traço de ciúme sobre si. A mulher quis rir.
– Está com ciúmes, Kyung Joon? – A pergunta direta o fez expressar surpresa por alguns segundos, mas logo o homem voltou com o sarcasmo característico seu.
– Céus, você ganha um pouco de confiança e começa a achar que o mundo gira em seu próprio umbigo.
– Apenas estou perguntando por conta de seu comentário indiscreto. – Viu o ex-companheiro se debruçar sobre a mesa com uma proximidade perigosa.
– Eu não preciso sentir falta de algo que eu mesmo joguei fora. – Seung Ja se sentiu balançada com o comentário cruel do homem, como se apenas aquele fato houvesse quebrado suas duas pernas.
Sentiu um bolo formar-se em sua garganta, dificultando que a mesma pudesse até mesmo respirar. Todas as inseguranças voltavam com força e se perguntava “porque diabos havia achado que podia enfrentar aquele idiota?”. Era como se suas armaduras tivessem virado pó. Como um cavaleiro negro, Ji Soo se postou ao lado da mulher com duas taças de champanhe que havia arranjado com algum garçom. Postou uma das taças em frente a mulher, envolvendo suas costas como sua mão grande e quente, como se dissesse que estava ali apoiando a mesma. Seung Ja sentiu como se suas forças estivessem retornando apenas com a presença do rapaz ao seu lado.
– Desculpe a demora, eu tive que lutar com por essas taças com alguns convidados... – Ji Soo esboçou um sorriso e piscou discretamente para a mesma.
– Não me admira que a bebida não esteja chegando até aqui... – Comentou com humor. – Creio que não preciso apresenta-los...
O rosto de Kyung Joon se fechou ao analisar o rapaz de cima abaixo. A proximidade entre os dois não disfarçava nem um pouco a relação que tinham, coisa que Ji Soo fazia questão de não querer esconder. O desconforto do homem à sua frente era como uma forma de entretenimento para o mesmo: praticamente um show de qualidade. Talvez estivesse se deixando tomar pelo seu ego e não exatamente por querer ajudar Seung Ja a se manter firme perante o ex-companheiro, mas qualquer um dos motivos estava bom para ele. O fato era que Kyung Joon era o tipo de pessoa que mais o incomodava e Ji Soo queria coloca-lo em seu lugar. O homem deu uma risada meio descrente, algo que soara mais como uma bufada frustrada.
– Seu desespero era tão grande pra se envolver com um mero secretário? – Kyung Joon perguntou com certo desprezo. Por mais que Seung Ja não precisasse dar explicações ao ex-marido, se viu tentada a provoca-lo. Com Ji Soo ao seu lado, tinha mais segurança de que seria amparada. O rapaz poderia ser tão ardiloso quanto Kyung Joon era.
– Eu resolvi tentar me abrir a novas experiências. Você sempre disse que eu era tão careta, então pensei em fazer a mesma coisa que você. – Seung Ja olhou o rapaz com cumplicidade e certo desejo. – Não foi uma má escolha.
– Impressionante... A puritana e recatada Lee Seung Ja se envolvendo com seu secretário, isso daria uma boa manchete... – Antes que Seung Ja pudesse responder que era uma mulher solteira e desimpedida, o Kyung Joon continuou. – Ainda mais por seu secretário aparentemente ser casado.
Seung Ja piscou algumas vezes mantendo a máscara de mulher confiante que usava. Casado? Ouvira bem? Olhou discretamente para Ji Soo que parecia um tanto confuso com seu olhar sobre si. Somente então reparou na aliança brilhante no anelar esquerdo do rapaz, coisa que até então não havia feito. Em nenhum momento havia parado para se perguntar sobre a vida do homem com quem havia divido alguns momentos íntimos em seu escritório. A verdade era que Seung Ja não sabia que Ji Soo era casado, e se soubesse, será que teria se relacionado com o mesmo afinal de contas?
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Ga In estava desconfortável, se sentia ansiosa naquele lugar sem Oh Joon por perto. Não havia se passado muito tempo que o rapaz havia saído, uma garota de cabelos longos e tingidos num castanho claro se aproximou. As roupas curtas apenas salientavam seus atributos já bem formados para uma garota de apenas quinze anos. Lee U Jin era considerada uma das beldades de sua escola, era quase impossível que alguém não a conhecesse, principalmente pelo fato de ter namorado Oh Joon por alguns meses antes de descarta-lo. A garota avaliou Ga In de cima abaixo, com um sorriso de escárnio nos lábios pintados de vermelho.
– Um pouco decepcionante... – A garota falou.
Ga In se sentia desconfortável demais para responder. A música alta e o tanto de pessoas deixavam-na nervosa, nem mesmo contar as contas em sua pulseira terapêutica a estavam ajudando a lidar com aquela situação. Sentia que estava as coisas estavam ficando fora de seu controle.
– Os rapazes falavam tanto sobre como você era inalcançável que eu esperava no mínimo uma beleza rara... – Lee U Jin desdenhou, percebendo a garota nervosa com seus comentários.
Ga In não entendia qual era o ponto daquele diálogo, o que a garota queria consigo. Sua cabeça parecia tão lotada que não conseguia raciocinar, sequer ouvir seus próprios pensamentos. Não queria explodir, entrar em surto, mas sentia que era uma bomba relógio prestes a explodir em alguns segundos.
– Mas fazer uma aposta pra ver quem pegava você? – A fala da garota chamou a atenção de Ga In. Piscou algumas vezes tentando interpretar aquelas palavras.
– Aposta? – Repetiu, a voz um tanto arrastada.
– É, uma aposta. – A garota parecia se divertir com a expressão confusa da garota. – Ou você realmente achou que o Oh Joon se aproximaria de uma garota estranha e sem sal como você por que gostava de verdade de ti?
As palavras da garota não faziam sentido para Ga In. Oh Joon havia apostado que ficaria com ela? Por quê? Por qual motivo ele faria aquilo? O que ele ganharia fazendo com que a mesma pagasse um papel de trouxa achando que ele realmente gostava dela? Não queria acreditar que aquela menina pudesse estar dizendo a verdade. Durante todas aquelas semanas que haviam passado juntos, estudando, se conhecendo, até mesmo saindo daquela rotina tão fechada que Ga In nunca abria mão para tentar coisas novas e divertidas, não tinha como acreditar que tudo aquilo não tinha um significado tão profundo para o rapaz quanto tinham si. Depois de ter dito para o mesmo que confiava nele...
– Não é verdade... Você é uma mentirosa... – Sua cabeça doía, não conseguia ouvir a própria voz, era como se a música alta abafasse seus sentidos.
– Se você diz... Porque você mesma não pergunta pra ele? – U Jin não poupou a garota de seu veneno. – Ele foi lá pra cima...
Ga In nunca foi boa em interpretar as expressões faciais das outras pessoas, assim também como nunca foi muito boa em aprender algumas expressões de fala. Sempre interpretava algo no seu sentido literal, a menos, é claro, que já conhecesse o sentido da fala antes. Mesmo assim, Ga In soube identificar bem o olhar vitorioso e desafiador da garota à sua frente. Seu maior temor era que a mesma estivesse com a razão. Não queria acreditar que a primeira pessoa por quem havia desenvolvido sentimentos tão fortes e tão inéditos para si pudesse estar traindo sua confiança por conta de uma brincadeira sem fundamentos entre seus colegas. Mesmo que não quisesse acreditar nas palavras daquela estranha, ainda seguiu para o andar superior.
O segundo andar tinha apenas algumas portas fechadas. Na verdade haviam quatro portas que levavam a alguns cômodos. Podia chutar que deveriam ser três quartos e um banheiro, visto que o do térreo era apenas um lavabo. O som ali era mais abafado e não haviam pessoas no corredor superior. Tocou a maçaneta da primeira porta, girando a mesma. A porta se abriu, revelando um quarto com uma cama espaçosa, mas que não parecia estar sendo utilizada há um bom tempo. Provavelmente era um quarto de hóspedes. Apenas seguiu o caminho, tentada a voltar para baixo e esperar que tudo o que a garota houvesse dito fosse apenas uma brincadeira de mau gosto. Lembrou-se de quando estava no fundamental e algumas crianças faziam brincadeiras do tipo com ela. Havia demorado a aprender a identificar quando alguém apenas a estava fazendo de trouxa ou quando era verdade sobre manda-la ir para algum lugar apenas por maldade. Ainda assim, porque parecia que era verdade as palavras dela?
Tocou outra maçaneta, revelando um quarto de adolescente, com pôsteres e alguns artigos esportivos. Imaginou que pudesse ser o quarto do rapaz que havia conhecido mais cedo, o anfitrião da festa. Seguiu para a penúltima porta, respirando fundo antes de abrir a mesma. Ga In sentiu as pernas vacilarem, mas se manteve de pé. Seus pensamentos pareciam estar em um mar revolto assim que se deparou com a cena. A música alta não a ajudava a organizar os pensamentos e seus sentimentos pareciam entrar em erupção, como um vulcão expelindo seus sentimentos para fora de si. Tentou tapar seus ouvidos, correndo em direção à saída sem olhar para trás.
Capítulo XIX
Seung Ri olhou com curiosidade para o memorial que havia em frente ao colégio que ficava do outro lado da rua. As fotos de dois adolescentes, uma garota que julgaria ser latina e um rapaz negro estavam espalhadas entre várias flores, pelúcias, cartazes e velas, a maioria delas apagadas por conta do vento fraco que corria pelas ruas de Manhattan. Mesmo em inglês, o rapaz conseguia ler bem o que dizia em cada uma delas. Coisas como “Sempre em nossos corações”, “Vocês fazem falta”, entre outras coisas do tipo eram algumas das mensagens escritas ali.
– Bem trágico o que aconteceu com eles... – Jack Hansen falou enquanto bebia seu café. – Os dois desapareçam em uma viagem escolar ontem. Caíram de uma cachoeira, aparentemente e até agora não tiveram algum sinal deles. – O rapaz explicou – Mas o engraçado é que mesmo sem saberem se estão ou não vivos, já tem pessoas criando memoriais para os dois.
– É como se estivessem os matando antes mesmo de confirmarem suas mortes. – Seung Ri seguiu o raciocínio do rapaz que deu um meio sorriso, concordando com a observação do mesmo. Deu um bocejo, sentindo os efeitos do jet lag pela diferença de horário entre a Coréia e os Estados Unidos.
– E não duvido que devem postar fotos sobre isso o tempo inteiro, como uma competição de quem deve ter ficado mais triste sobre o desaparecimento dos dois. – Jack continuou. – Se bobear, não devem nem ser próximos de algum deles, mas mesmo assim devem falar sobre o quanto a vida é difícil sem os dois por perto.
Jack deu uma risada sem humor, fazendo Seung Ri pensar se o rapaz estava comentando apenas sobre a tragédia em si ou se sua fala se remetia a alguma experiência própria. Normalmente era intuitivo, mas não era um adivinho. Decidiu relevar sobre o assunto. Tomou um gole de seu café, sentindo-se confortável na pequena cafeteria simples onde estavam. Jack mudou de assunto, o sotaque carregado até mesmo para um americano aparecendo volta e meia. Perguntou-se de qual estado o rapaz seria.
– Eu fiquei surpreso por aceitar me acompanhar até essa cafeteria. – O americano respondeu com sinceridade. – Achei que iria preferir aquelas cafeterias cheia de “frufruzinho” que a maioria dos ricos gostam.
– Eu prefiro locais agradáveis e de boa qualidade. – Respondeu, catando um donuts da caixa à sua frente. Era fã de doces, mas normalmente gostava dos bolos em seu país. A pasta americana era muito pesada para o seu paladar e o doce que havia escolhido havia sido o mais perto de agradá-lo. – Não importa muito se eles são populares ou não, desde que a comida seja boa e tenha uma higiene agradável.
Jack riu com gosto, deliciando-se com seu café.
– Com certeza, você é bem diferente da maioria dos ricos. – O sotaque forte ficou novamente em evidencia, era como se o rapaz estivesse relaxado com a presença do outro.
– Afinal, porque escolheu essa cafeteria? – Seung Ri perguntou – Parece que você não escolheu esse lugar por conta do café.
O rapaz ficou surpreso pelo olhar afiado do CEO. Não se admirava que o homem a sua frente tinha um bom potencial para os negócios, ele era bom em ler as pessoas.
– Meu irmão trabalha naquela escola. – Jack confessou. – Faz um bom tempo que não o vejo, então eu decidi surpreendê-lo com a minha ilustre presença. Imagino a festa que será quando estivermos juntos novamente.
– Você estava trabalhando para a sede da minha empresa antes, certo? Quantos anos ficou lá?
– Dois. Mas antes disso eu estava em muitos lugares por aqui nos Estados Unidos. – O rapaz falou. – Estive na Califórnia, depois na Flórida, Geórgia, Kansas... Eu viajei bastante por uns bons seis anos pela sua empresa, mas curiosamente nunca viajei para o Texas, onde eu nasci. – Isso explicava o sotaque forte do rapaz, as vezes até meio difícil de entender para Seung Ri. Os nativos daquela região costumavam ter um dialeto bem enrolado até mesmo para os nativos do resto do país. – Essa é a segunda vez que eu sou mandado para Nova York, mas até que estou satisfeito por estar aqui.
– Você deve estar bem ansioso para reencontrar seu irmão, parece falar dele com bastante afeição. – Novamente a intuição do rapaz não falhava. Apesar da conversa informal com o chefe, não se intimidou a falar sobre sua vida particular.
– De certa maneira, sim... Precisamos colocar muita coisa em dia. – Jack falou dando um leve suspiro. – E também, existe muitas coisas que eu queria conversar com ele, coisas que sempre guardei para mim. – Revelou. – Talvez pareça um pouco macabro da forma como eu vou dizer, mas é algo que eu desejo revelar antes de morrer, pra que eu possa viver sem arrependimentos. Eu não posso adivinhar o dia de amanhã e talvez eu não tenha mais a oportunidade de estar frente a frente com o meu irmão tão cedo.
Seung Ri sentiu como se aquilo valesse para ele também. Era como se caísse como uma luva sobre os seus sentimentos em relação à Se Young. Por mais que a garota parecesse estar apaixonada por outra pessoa, ele precisava dizer como se sentia sobre a mesma. Se ela o rejeitasse, bom, paciência. Não havia nada que pudesse fazer sobre isso, mas pelo menos não se arrependeria por não ter tentado. O rapaz olhou para o último donut na caixa, decido sobre que rumo tomar. Quando retornasse à Coréia, iria se declarar para a mulher que havia o cativado desde a primeira vez em que haviam se encontrado.
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Seung Ja estava em frente ao elevador do hotel onde havia sido realizado o evento. Havia ficado no local do início ao fim da festa, entretendo seus convidados e garantindo que tudo ocorre conforme o planejado. Ainda assim, sua mente parecia dispersa depois da conversa um tanto acalorada com seu ex-parceiro que havia dado o ar de sua graça no evento. A mulher se sentia um pouco estranha ao se dar conta de que durante todo o tempo que havia passado ao lado de Ji Soo, apenas ela havia revelado tantas coisas sobre sua vida e o rapaz nunca havia dito nada. Aliás, duvidava que seu secretário alguma vez tivesse tentado esconder o fato de que era casado, uma vez que o mesmo não reagiu como se tivesse sido pego em flagrante sob o olhar da mulher quando a mesma se mostrou surpresa sobre seu estado civil. Ji Soo nunca havia escondido sua aliança quando estava próximo dela, então porque ela nunca percebeu aquele objeto em seu dedo?
Enquanto esperava que a grande caixa de metal parasse em seu andar, sentiu uma presença ao seu lado. O rapaz que povoava seus pensamentos manteve uma pequena distância, tendo em vista que estavam em público. A demonstração de intimidade que haviam dado algumas horas mais cedo havia sido um show em particular para seu ex-marido, mas não podia correr o risco de deixar que outras pessoas soubessem sobre aquele relacionamento casual que mantinham. Sua imagem e a imagem de sua empresa poderiam ser manchadas com aquele segredo vindo à tona. Assim que o elevador se abriu, os dois embarcaram. Deixou que Ji Soo selecionasse o andar e apenas se deixou relaxar quando as portas se fecharam.
– Você ficou tensa o resto da noite depois que pediu para eu sair. – Ji Soo pareceu levemente preocupado. – O seu ex... Ele disse alguma coisa que te deixou chateada?
Seung Ja apenas balançou a cabeça negativamente. Permitiu-se se livrar dos saltos e os entregou ao rapaz.
– Não é isso, é apenas... – Suspirou.
– Seung Ja, você sabe que pode contar comigo, então pode me dizer o motivo de estar se sentindo triste. – Encorajou-a.
A mulher apenas o olhou por longos minutos, logo ouvindo as portas se abrirem. Desembarcou do elevador sem se importar de estar sem sapatos.
– Você está descalça...
– Eu sei. – A mulher se direcionou para a porta de seu quarto que não ficava muito distante dali. Retirou um cartão de acesso de sua bolsa, sua suíte. Antes que o rapaz pudesse acompanha-la, a mesma se interviu entre o mesmo e a passagem.
– Seung Ja, o que está acontecendo? – A mulher umedeceu os lábios, sentindo-os repentinamente secos.
– Você é casado... – O rapaz franziu o cenho, dando-se conta finalmente de que a mulher não sabia disso. Não a culpava, em nenhum momento haviam falado sobre isso.
– Vamos entrar, aqui não é o melhor lugar para conversarmos sobre isso. – Sentiu uma desconfiança da mulher que não se moveu de imediato. – Eu juro que apenas vamos conversar...
Mesmo sentindo que não deveria ceder, a mulher deu espaço para que o rapaz entrasse e então fechou a porta. Enquanto o rapaz pegava uma garrafa de água no frigobar, Seung Ja se acomodou aos pés da cama, se livrando as joias que a pinicavam durante toda a noite. O rapaz colocou dois copos sobre a mesinha de centro, enchendo-os de água e puxou uma cadeira para se acomodar de frente para a mulher. Apenas aquele copo de água não iria deixa-los sóbrios, mas precisava da bebida como uma forma de se sentir mais confortável para começar aquele assunto.
– Eu não sabia que não tinha te contado, me desculpe. – O rapaz foi honesto. – Minha intenção nunca foi enganar você...
– Eu só não entendo... Como você pode se sentir bem com isso... – Seung Ja caçou as palavras. – Céus! Você tem uma esposa! E eu sou sua amante, eu tenho cooperado pra destruir a dignidade da sua mulher!
– Seung Ja, não é dessa forma, me deixa te explicar...
– Eu já fui traída, Ji Soo, mais vezes do que eu gostaria de contar... – Sentiu um bolo se formar em sua garganta e ardência característica em seu nariz. A mulher suspirou fundo, sentindo-se tomar pela raiva e pela decepção. – Eu fui trocada... Eu sei como é a dor da traição, eu sei como é doloroso não ser o suficiente pra alguém que você ama... Se culpar por não ser diferente, por não dar conta das necessidades daquela pessoa...
O corpo feminino tremia, ao ponto em que a ansiedade a impossibilitava de ficar no mesmo lugar. Colocou-se de pé, andando de um lado para o outro pelo quarto elegante. Sentiu as lágrimas escorrerem quentes por suas bochechas, apenas assim se dando conta de que já estava chorando.
– E eu simplesmente tomei o papel da pessoa que causa todos esses sentimentos avassaladores na única pessoa inocente nessa história...
– Seung Ja... – O rapaz tentou se aproximar, fazendo a mulher recuar.
– Vamos colocar um ponto final nisso... – A chefe parecia decidida. – Apenas saia...
– Você não é o pivô de nada, Seung Ja... Apenas me deixe explicar... – Ainda assim, a mulher parecia firme em sua decisão.
– Ji Soo, por favor...
– O meu casamento está em crise! – O rapaz deixou que sua voz se sobressaísse, como se estivesse desesperado para colocar para fora aquela questão que tanto o assombrava. – Não é sua culpa, nunca foi... Mas as coisas já estavam difíceis entre mim e a minha esposa.
Seung Ja viu agonia nos olhos do rapaz enquanto o mesmo confessava seus próprios problemas. Pensou consigo mesma o quanto deveria estar sendo difícil para o mesmo, provavelmente o assistente deveria estar guardando aquilo consigo por tempo demais além do que deveria. Sentia raiva e decepção, mas via no rapaz sinceridade, o que a fez vacilar em sua decisão.
– As coisas já estavam difíceis antes de nos envolvermos... Eu tentei, de verdade, não me envolver com você... Mas por algum motivo, como se fosse uma atração mais forte que eu, eu acabava voltando pra você... – O rapaz parecia ofegante, como se lhe faltasse ar. Ela entendia bem o sentimento, ela se sentia da mesma forma. Todas as vezes em que tentara não desejar o rapaz, acabava falhando e voltando a se envolver com o mesmo. – Eu me sentia culpado, é claro. Não está sendo fácil pra mim. Toda vez que eu olho para a minha mulher, eu penso em como fui um canalha me envolvendo com você...
– E você ainda a ama? – Seung Ja perguntou – Você disse que o seu casamento estava em crise... Mas você não me disse se ainda a ama, se existe amor entre vocês...
Ji Soo sequer vacilou em sua resposta, ele não precisa pensar muito a respeito disso.
– Sim, eu amo... – O rapaz suspirou e passou uma mão pelos cabelos agora despenteados. – Mas eu não sei se ela ainda sente o mesmo... Eu acho que a gente só se acostumou com a presença um do outro... Parece que todo o restante se tornou mais importante pra ela, até as coisas triviais. – Brincou com os dedos, perdido em pensamentos. – A minha família é importante pra mim. Minha mulher e minha filha...
– Sua filha... – Seung Ja gravou aquela informação em sua mente. Realmente não conhecia bem a pessoa com quem havia se deitado durante aquele tempo. – Céus, você tem uma filha...
– Eu tenho... Na verdade, eu me tornei pai há pouco tempo... Minha filha nem tem dois meses ainda... – O rapaz confessou. – Mas eu me sinto... Perdido, deslocado... É como se eu não fosse parte família que eu construí...
Apesar da raiva que sentia, uma raiva que era muito mais direcionada a si mesma do que ao rapaz à sua frente, Seung Ja se permitiu ser o ombro que Ji Soo precisava. Pelo pouco tempo que haviam passado juntos, o rapaz sempre se mostrou um ótimo amigo e um excelente ouvinte para suas mágoas. Era hora de retribuir com o mesmo empenho, por mais que não se sentisse tão disposta a isso. O sofrimento que o seu assistente mostrava ali era verdadeiro e por mais que não pudesse se considerar a melhor das conselheiras amorosas, ainda assim poderia dizer com alguma experiência como provavelmente sua esposa poderia estar se sentindo. Uma mãe de primeira viagem, recém-parida, com muitos conflitos sobre a maternidade e sobre si mesma, Seung Ja conhecia bem o sentimento e poderia dizer que era algo bem parecido com o que a mesma havia vivido. Permitiu-se se aproximar do rapaz, tomando suas mãos entre as suas.
– Eu não sou a melhor a pessoa para isso, mas eu me reconheço tanto em você... E você fez tanto por mim que eu não posso simplesmente ignorar seu sofrimento assim. – A mulher começou. – Ji Soo, a maternidade não é fácil pra nenhuma mulher e mesmo que muitas pessoas digam que um filho só une mais um casal, nem sempre isso acontece. Não significa que ter filhos seja um maldição, mas às vezes a chegada de um muda muita coisa, ainda mais quando não estamos preparados para isso...
Seung Ja se lembrou de todos os conflitos que teve com a chegada de seu primogênito. As brigas com Kyung Joon, com sua mãe, até mesmo todos os conflitos internos que havia tido consigo mesma, desde as mudanças externas – seu corpo, suas obrigações – até mesmo as internas – como seus sentimentos e até a sua busca pela realização pessoal. Nada daquilo havia sido fácil e até a fez desenvolver por seu filho um sentimento negativo que só pôde superar depois de muitos anos de terapia.
– A gente se sente em conflito com o que devemos ser e o queremos ser, sem contar toda a pressão do que é ser mãe... Além disso, muitas vezes nos sentimos menos do que realmente somos, nos sentimos insuficientes, nos sentimos indesejáveis e é difícil lidar com esses sentimentos que chegam pra gente. – A mulher apertou a mão do rapaz, fazendo-o olhar para ela. – Ji Soo, converse com a sua esposa... É o melhor conselho que eu te dou. Apenas arrume coragem para isso e não deixe que as coisas acabem ficando pior antes que seja tarde demais...
Naquela noite, Seung Ja não teve a companhia de Ji Soo. Ao contrário do planejado, o rapaz apenas voltou para sua casa, apesar do horário avançado. Para a mulher foi a melhor escolha, queria que parassem com aquele caso por ali. Apesar de pensar que poderia ser difícil simplesmente romper com aquele relacionamento clandestino, havia sido mais fácil do que esperava. O rapaz havia se tornado para si uma pessoa especial, mas não estava apaixonada pelo mesmo, assim como sabia bem que o rapaz também não a amava. Em contrapartida, sentia-se culpada por ter se envolvido com um homem casado, apesar de entender que haviam se relacionado por um estranho impulso que sempre parecia atraí-los um para o outro. Não justificava a traição, é claro, mas ao mesmo tempo não negava o que havia acontecido. Em nenhum momento quiseram se relacionar um com o outro, mas acabaram se envolvendo pelo desejo que sentiam, ou talvez por que precisavam de alguém quem pudessem contar seus problemas, que pudessem falar sobre o que mais os assombrava.
Apenas se permitiu se envolver pelo sono, se sentindo estranhamente mais leve por ter sido, daquela vez, a pessoa que cedeu seu ombro para o rapaz que havia se tornado um amigo peculiar.
Capítulo XX
Ji Soo não esperava chegar em casa e encontrar as luzes acesas. Correu os olhos pela sala, encontrando Mi Nah sentada no sofá em silêncio, parecendo estar pensativa e ansiosa. O rapaz franziu o cenho, tirando os sapatos e se aproximando da esposa que até então não havia o olhado diretamente. O rapaz pressentia que a situação não ficaria muito boa. Conhecia bem demais a mulher com quem havia divido boa parte de sua vida durante sete anos de convivência para saber quando entrariam em uma briga. O que mais assustava o rapaz, entretanto, era se o motivo da briga pudesse ser alguma coisa relacionada à uma separação. Não esperava que tivesse que enfrentar aquele problema tão cedo, ainda mais depois de conversar sobre isso com Seung Ja há algumas poucas horas atrás e ainda estar absorvendo todo o conteúdo do que haviam discutido. Sentiu a garganta secar quando a mulher o olhou, pode ver uma profunda mágoa em seus olhos, o que fez seu coração errar uma batida.
– Precisamos conversar... – Mi Nah anunciou. O rapaz assentiu com a cabeça, deixando o blazer que havia trago em um dos braços sobre a mesinha de centro.
– Sim, nós precisamos...
Mi Nah sentiu o nariz arder e a voz embargar, como um prenúncio de que cairia em lágrimas. Tentou conter as emoções quando mostrou ao rapaz a camisa social com a marca de batom na gola. Ji Soo arregalou os olhos, surpreso. Não esperava que Mi Nah houvesse descoberto sobre seu romance secreto com Seung Ja. Até então, havia pensado que o motivo da conversa fosse sobre o afastamento dos dois. O rapaz ainda estava digerindo sua relação com Seung Ja – ou pelo menos tentando entender o que havia sido o caso dos dois –, não se sentia pronto para falar sobre aquilo com a mesma. Não que quisesse esconder a traição para sempre, mas apenas falar sobre isso quando estivesse realmente pronto e quando a sua relação com a esposa não estivesse tão fragilizada como naquele momento.
– Você está tendo um caso? – Apesar da pergunta, o tom era afirmativo. Ji Soo respirou fundo.
– Eu ia te contar.
– Mentiroso... – A mulher retrucou em um sussurro, sentindo uma lágrima fina escorrer por seu rosto.
– Eu terminei tudo com ela hoje, meu anjo, eu... – Antes que pudesse continuar, o rapaz foi cortado por um grito enfurecido da mulher.
– NÃO ME CHAME DE MEU ANJO! – Mi Nah se levantou, jogando a camisa manchada no rapaz. – Você me traiu, Ji Soo... Você simplesmente foi para a cama de outra mulher como se... Eu não fosse mais... – Cobriu o rosto com as mãos, sentindo as lágrimas rolarem por sua face sem freio. – Céus, o que eu estou fazendo?
– Mi Nah, eu nunca quis as coisas chegassem nesse ponto, eu juro... – Ji Soo tentou se explicar, se aproximando aos poucos da mulher que o rejeitava. – A gente foi se afastando e... Eu estava confuso, com medo... Eu sei que não faz sentido...
– Não, não faz sentido... – Mi Nah respondeu entre soluços, sentindo-se como uma idiota. – Não faz sentido você simplesmente ter sentido medo e ir para a cama com outra mulher... – Tentou limpar as lágrimas sem sucesso. – Ela deve ser como uma deusa, deve ser linda... Por isso você deve ter ficado com ela, enquanto eu aqui pareço... Uma porca horrível...
“Muitas vezes nos sentimos menos do que realmente somos. Nos sentimos insuficientes, nos sentimos indesejáveis e é difícil lidar com esses sentimentos que chegam pra gente.” As palavras de Seung Ja nunca fizeram tanto sentido para Ji Soo quanto naquele momento. Como pôde não perceber todo o sofrimento que sua esposa estava passando? Provavelmente estava tão insegura quanto ao seu desempenho no seu papel como esposa e como mãe serem insuficientes que estava guardando toda aquela angústia para si mesma. Sentiu-se um idiota e um insensível por ter atribuído aquele distanciamento entre os dois a uma rotina de pai de família, como se a rotina fosse culpada por não ter sido mais atencioso com sua mulher como deveria.
– Não, Mi Nah... Você é linda e é a única que eu amo e que eu preciso... – Ji Soo segurou os ombros de sua esposa. Sentiu a mesma se rebater, tentando se livrar do contato do marido. – Mi Nah!
– Me solte! – Ao contrário disso, o rapaz apenas a abraçou e sentiu a mesma amolecer entre seus braços, cedendo.
Deixou que as lágrimas da mulher molhassem sua camisa, sequer se importando com esse detalhe. Apesar de vez ou outra sentir os pequenos punhos lhe baterem com certa fraqueza, apenas deixou que a mulher descontasse toda sua fúria e sua mágoa em si. Ele sabia que estava errado, que havia falhado não apenas quando se envolveu com outra pessoa, mas também quando ignorou todos os sinais de que sua mulher precisava de ajuda, de que precisava de um ombro para desabafar e alguém para lhe acolher para além das suas obrigações como mãe. No período mais sensível em que sua esposa precisava de si, havia sido a pessoa que havia largado sua mão.
– Eu vou ajeitar tudo isso... Me perdoe por não ter sido um bom marido. – O rapaz beijou a testa de Mi Nah que ainda soluçava.
Apenas quando a situação se acalmou, o rapaz explicou sobre tudo, desde o seu primeiro envolvimento com a mulher com quem trabalhava – cujo a qual, apesar de tudo, não revelou o nome – até o seu conselho sobre o seu casamento. Também explicou sobre seus sentimentos, sobre como havia se sentido em relação à situação em que se encontravam. Foi sincero do início ao fim, sem esconder detalhes. Queria mostrar que estava realmente arrependido, que ainda era digno de sua confiança, mesmo que seus atos houvessem sido imperdoáveis.
– Eu acho que também o negligenciei... Não deve ter sido fácil pra você ter ser pai também... – Mi Nah considerou. – Nós deixamos de apoiar um ao outro... As coisas desandaram em algum ponto para nós dois... Mas... Uma traição... Eu nunca esperaria...
– Eu sei. Eu me envergonho e não me reconheço... – Ji Soo confessou. – Mas nós demos um ponto final nisso. Não vai acontecer novamente...
– Eu sei que não vai... Por que eu não quero que você continue se encontrando com ela... – Mi Nah respondeu, encarando o rapaz, decisiva. – Eu quero que você deixe a sua empresa...
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Ga Yeong não esperava que iria se encontrar com Kyung Soo em um restaurante caríssimo. Quando aceitou a sugestão do rapaz, imaginava um restaurante mais reservado e menos chique, mas então se lembrou de que o homem à sua frente não se atraía por coisas simples. Sentia-se um tanto deslocada, não combinava com tal lugar e suas roupas – um vestido florido simples, sem muitos detalhes, num tom escuro com pequenas flores em amarelo e branco – a destoavam dos outros clientes que se vestiam de maneira bem mais elegante. Ainda assim, o rapaz à sua frente não parecia incomodado com suas vestes, na verdade parecia nem reparar que a própria garota se sentia desconfortável em tal lugar. Pediu um vinho e até mesmo escolheu o cardápio da noite, conhecia o lugar como ninguém, visto que era um cliente frequente do restaurante.
– Podíamos ter ido à outro restaurante, aqui parece um pouco caro... – Ga Yeong falou, se sentindo um tanto tímida.
– Não se preocupe sobre isso, eu faço questão de pagar a conta. – Por aquele motivo, se sentia ainda mais desconfortável.
A garota havia proposto aquele jantar para contar ao rapaz sobre sua verdadeira identidade. Queria revelar que era Park Ga Yeong, a filha da empregada que era apaixonada por ele desde a adolescência. Queria explicar sobre as suas motivações para ter se aproximações do mesmo, resolver todos os maus entendidos, ser honesta sobre tudo estando cara a cara com o mesmo, mas até então não sabia como fazê-lo. Temia pela reação do mesmo e não tinha um script certo em sua mente para seguir. Quando havia se decido por fazê-lo, havia se sentido segura de sua escolha, mas agora em frente ao mesmo não sabia se conseguiria ir em frente.
Um garçom se aproximou e colocou duas taças em frente aos mesmos, enchendo-as até certo ponto. Ga Yeong não gostava de vinho, na realidade nunca foi fã de qualquer bebida alcoólica, mas se permitiu provar da bebida por educação. Bebericou um pouco do conteúdo de sua taça e então a colocou novamente no mesmo lugar, sentindo o gosto suave do vinho se espalhar por sua boca.
– Eu vou confessar que fiquei surpreso por ter me convidado para jantar, não esperava que você fosse ter esse tipo de iniciativa. – Kyung Soo confessou. – Na verdade, eu achei que depois da minha explicação, você não iria querer se aproximar de mim novamente.
– Não, eu... Entendi que houve um mal entendido entre você e a So Ra. – A garota foi compreensiva – E também entendi que você se sente mal com muita coisa nessa história, então... Eu não tinha porque vê-lo com maus olhos.
– Você é realmente uma garota incrível... – Kyung Soo a elogiou, dando um leve sorriso. – A maioria das pessoas não reagiriam da mesma forma.
– Eu não consigo entender como você pode me achar tão incrível assim... – Ga Yeong deixou escapar. Até alguns meses atrás, duvidava muito que o rapaz a olhasse com tais olhos. Por mais que tivesse amadurecido depois da morte de seus pais, ainda assim não acreditava que o rapaz cairia de amores por ela por conta de sua antiga aparência.
– Por que eu não acharia? – Kyung Soo a olhou com certa confusão. – Você é tão... Linda. É difícil alguém não reparar em você ou não gostar de você...
– E essa é a única qualidade que você vê em mim? – Ga Yeong questionou com certa mágoa. Por mais que sempre tenha desejado ser bonita, naquele momento percebeu que era quase como uma maldição para si. Sempre quis ter a atenção de Kyung Soo, que ele a percebesse e percebesse o sentimento que nutria pelo mesmo, mas quando finalmente conseguiu o que queria, percebeu que o mesmo só reparava em sua aparência.
– Não, é claro que não... – O rapaz tentou se reiterar, mas parecia um pouco sem jeito.
Na realidade, Kyung Soo não esperava ter dificuldades com a garota. Ela parecia ser mais tímida que a maioria das mulheres com quem já havia se relacionado, mas também parecia estar tão atraída pelo mesmo que não imaginava que a mesma se prenderia a pequenos detalhes. Aparentemente, teria que rebolar um bocado para conquistar a Cha Se Young, algo que definitivamente não estava acostumado a fazer, mas ao mesmo tempo estava disposto a tentar.
– Eu te acho inteligente e gentil, te acho talentosa. Você ser bonita complementa tudo isso. – Ainda assim, a resposta de Kyung Soo não pareceu satisfazer a garota. Se Young tinha um olhar distante, como se pensasse bem sobre aquele encontro. Suspirou, coçando levemente o pescoço. – Acho que comecei com o pé esquerdo com você...
Ga Yeong o olhou, ainda pensativa. A mesma balançou a cabeça, negando que o mesmo estivesse errando com ela. Na realidade, os pensamentos pareciam um pouco conturbados. Pensava consigo mesma que aquele era o melhor momento para revelar as coisas antes que o rapaz pudesse se constranger ainda mais. Ouvir o mesmo elogiá-la sem saber quem era a deixavam incomodada. Era como se estivesse deixando que a mentira se estendesse por mais tempo do que deveria. Suspirou, fechando os olhos por um momento. Era agora ou nunca, precisava falar a verdade.
– Senhor Hwa, eu... – Um toque de telefone a desconcentrou, fazendo com que interrompesse sua fala. A mesma olhou para o seu celular um tanto desconsertada. No visor havia o nome de sua madrinha. Era raro os momentos em que sua família ligava para a mesma e dado o horário avançado, acreditava que era algo importante. – Desculpe... Eu preciso atender...
– Tudo bem... – O rapaz assentiu, vendo a garota abandonar a mesa e se dirigir a um lugar mais reservado para atender a ligação.
Assim que se viu sozinho à mesa, Kyung Soo mordeu o lábio, frustrado. Cha Se Young era uma mulher com quem precisava pisar em ovos. Embora fosse bastante evidente o desejo que a mulher sentir por si, ainda assim a garota era puritana demais para se entregar tão facilmente, e mesmo que tivesse sugerido aquele jantar, ela também não parecia estar disposta a se envolver consigo no papel de amante. Suas motivações eram uma incógnita para o rapaz e ficar no escuro era algo relativamente novo para o mesmo. Queria saber o que exatamente Se Young queria com o mesmo. Um relacionamento? Uma companhia? Um envolvimento de uma única noite? Ele não conseguia deduzir nada a partir de suas atitudes.
Foi arrancado de seus devaneios quando a garota se aproximou novamente. Parecia mais pálida que o normal quando se sentou à mesa. As mãos trêmulas recolheram a bolsa e o sobretudo que havia tirado quando entrara no restaurante. Era evidente que, o que quer tivesse ouvido no telefone, havia a deixado abalada emocionalmente.
– O que aconteceu? – Kyung Soo perguntou.
– Nada, eu só... E-eu... Preciso ir embora... – A voz embargada deixava evidente que a mulher tentava conter as emoções.
– Se Young... – O rapaz segurou suas mãos, sentindo-as frias – Você pode me dizer o que aconteceu.
Ga Yeong o encarou por alguns segundos, sentindo todas as emoções a arrebatarem de uma única vez. Permitiu-se abraçada pelo rapaz e chorar em seu peito.
– Aconteceu... Aconteceu um acidente... Eu preciso ir pra casa... – Revelou entre soluços. – Preciso pegar a última barca pra Jeju...
– Tudo bem, eu te levo no meu carro, vai ser mais rápido. – A tranquilizou. Embora os planos de um jantar a dois tivesse ido por água abaixo, achou por bem acompanhar a garota até o porto e leva-la pessoalmente até a ilha de Jeju. Por mais que não fosse de seu feitio, não queria deixar Se Young sozinha daquela maneira tão fragilizada.
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Ahn Han Na parecia ansiosa enquanto assistia os números no visor do elevador mudarem conforme a grande caixa metálica subia de andar. Batia o scarpin vermelho no chão enquanto esperava chegar ao 5º andar onde ficava o escritório de advocacia de sua amiga. Mesmo fora do horário comercial, Hye Jin havia arranjado algum tempo para se reunir à sós com Han Na, para explicar à mesma sobre o testamento dos pais de seu noivo. Havia tirado algum tempo para estudar o documento, tendo ficado com o mesmo em sua posse por alguns dias em segredo. Não era atoa que Han Na estava tão nervosa, se Kyung Soo descobrisse que o documento havia sumido, ela seria a primeira suspeita do rapaz. Assim que as portas se abriram, a mulher se apressou para chegar ao escritório.
– Você chegou rápido... – Hye Jin abriu a porta de sua sala para que Han Na entrasse. Além dela, havia apenas a sua secretária. Assim que a mulher passou pela porta, a advogada logo a fechou para ter privacidade.
– É claro, eu precisava saber mais sobre esse testamento. O que descobriu? – Han Na perguntou, ansiosa. Sentou-se em uma poltrona acolchoada onde a advogada normalmente conversava com seus clientes.
– Primeiramente, que o conteúdo dele é bem válido, mas ele tem uma brecha. – Hye Jin falou, sentando-se de frente para a amiga, do outro lado da pequena mesa de centro.
– Como assim, uma brecha?
– No testamento, o senhor Hwa Hae Myung diz que o seu herdeiro, Hwa Kyung Soo, tem direito ao seu patrimônio apenas se o mesmo contrair matrimônio com essa moça, Park Ga Yeong, mas... Aí é que entra a questão. Segundo a lei, você não pode obrigar alguém a se casar contra a sua vontade ou através de algum tipo de suborno. Como exemplo, você pode pensar em casamentos falsos para conseguir dupla cidadania, é uma forma de suborno. – A advogada explicou. – Portanto, a maneira como Kyung Soo poderia contrair matrimônio com essa moça poderia ser de maneira bastante duvidosa, o que acaba invalidando, em partes, esse termo no testamento.
– Mas então, quer dizer que ele não precisa se casar pra conseguir a herança dos pais, certo? – Han Na questionou, franzindo o cenho.
– Não exatamente. – A advogada revelou. – Na realidade, ele ainda precisa contrair matrimônio, mas ele tem mais um mês para se casar ou então ele perderá o direito à herança. Muito provavelmente as ações da empresa dos Hwa serão divididas entre os atuais acionistas e os bens, como a casa e os carros da família serão leiloados pelo banco. Seria uma perda de bilhões para o Kyung Soo.
Isso explicava tudo. Era como se as peças do quebra-cabeça finalmente estivessem se encaixando e o plano de Kyung Soo enfim fizesse sentido para si. Ela entendia agora o porquê ela era uma peça tão importante naquele jogo e o quão necessária era para o rapaz. Sem ela, o patrimônio da família Hwa apenas iria pelo ralo e duvidava que o seu noivo conseguiria uma substituta para ela sem que o mesmo precisasse contar todos os seus planos e ter que dividir, pelo menos, uma boa parte de sua grana com quem quer que se casasse com o mesmo. Não só estava sendo usada para limpar a imagem de rebelde inconsequente de Kyung Soo, como também era uma chave para a sua aquisição bilionária.
Han Na sentiu a cabeça girar com aquela informação, ficando tonta por alguns segundos. Hye Jin logo veio para acudi-la, trazendo um pouco de água mesma.
– Você está bem? – Han Na apenas assentiu, bebendo um pouco do líquido e sentindo o mundo se estabilizar novamente.
– Estou... É só um efeito colateral do tratamento. – Tranquilizou a amiga. Hye Jin era a única que sabia sobre o tratamento para a endometriose que a mulher estava fazendo. – Às vezes eu me sinto mal, mas ultimamente eu tenho estado mais abatida.
– Você não acha melhor dar uma pausa no tratamento? – Sugeriu. – Pelo menos, até que esteja melhor para tentar novamente...
– Não, eu preciso de um filho. – Han Na estava decidida – Uma criança é a única maneira de garantir que eu não vou ser jogada fora com uma mão na frente e a outra atrás... Ainda mais depois de saber sobre isso... – A mulher fitou a advogada – Eu vou apostar todas as minhas fichas nisso...
Capítulo XXI
– Seo... – Oh Joon alcançou o rapaz franzino, puxando-o pelo braço. O garoto logo se desvencilhou do aperto do punho do outro, tomando seu caminho pelo curto corredor. – Seo!
– Eu já disse que eu não quero mais falar com você! – O garoto rebateu, olhando diretamente Oh Joon nos olhos pela primeira vez em semanas.
– A gente precisa conversar...
– A gente não precisa de nada, a única coisa que eu quero é que você se afaste de mim. – Ainda que o desejo do rapaz fosse afastar Oh Joon, o capitão do time fez o contrário. Empurrou o garoto para um quarto vazio onde pudessem falar com mais privacidade. – Você deve ter perdido a cabeça!
– Sim, eu perdi! Estou há semanas sem falar com a única pessoa que me entende e me aconselha, que entende as minhas angústias porque eu vacilei. – Oh Joon confessou, sentindo-se ofegante por alguns segundos.
– E no entanto você não parece nem um pouco mal por isso. – Mun Seo cuspiu, enfurecido. – Eu te pedi, eu te implorei pra não seguir com essa aposta. Você teve todas as chances de desistir disso, mas você escolheu se envolver com a Ga In... Quantas pessoas você tem que magoar só por causa dessa fachada que você insiste em sustentar?
– Seo... É complicado, você sabe que eu não posso simplesmente dizer toda a verdade pra todo mundo... – O rapaz suspirou pesadamente.
– Eu não estou te pedindo para contar tudo... Eu só estou te pedindo para parar de usar as pessoas... Parar de usar as pessoas pra se esconder, como se isso fosse motivo de vergonha... – Os nós dos dedos de Mun Seo estavam brancos tamanha a raiva que sentia ao tentar segurar suas emoções – Você... Me machuca quando faz isso... Por que é horrível te ver com outra pessoa. Primeiro foi a Lee U Jin e agora a Park Ga In...
– Seo, eu não me envolvi com ela, tá? É verdade, eu aceitei a aposta e tentei ir em frente com isso, mas... Eu não fiquei com ela. – O rapaz se aproximou alguns passos, cauteloso – A Ga In é uma garota... Diferente... E eu me apeguei um pouco à ela. Ela é uma garota que eu gostaria de ver sempre feliz e protegida, mesmo que ela não precise disso. E ela me fez pensar sobre muita coisa, sobre mim, sobre meu verdadeiro eu... E sobre o que eu estava perdendo me segurando nessa mentira...
Apesar das palavras sinceras de Oh Joon fizeram Mun Seo bambear em suas convicções, mas o rapaz ainda parecia bastante magoado pelas ações do mais alto.
– Mas mesmo se dando conta disso, você ainda trouxe ela aqui... – Oh Joon não pôde se esquivar daquele fato.
Realmente, mesmo com toda a reflexão que a convivência com Ga In havia o proporcionado, ainda assim havia feito o Hyun Jin queria: havia trago a Ga In para aquela festa para exibi-la como um troféu, um comprovante de que havia cumprido a aposta. No final, não havia conseguido de fato se desprender daquela dependência da imagem do machão pegador.
– Você teve a chance, Oh Joon... Só que eu cansei... – Mun Seo suspirou, sentindo todas as emoções à flor da pele. Achou por bem se afastar antes que perdesse o controle.
Apesar de ser um rapaz considerado bastante calmo, Mun Seo estava em seu limite. O rapaz não conseguia simplesmente ficar quieto e perdoar mais uma vez as atitudes egoístas de Oh Joon. Passou uma mão pelos cabelos curtos, sentindo as mãos trêmulas. Entretanto, o mais alto apenas se interpôs em seu caminho, impedindo-o de abandonar o quarto.
– Não vamos começar isso de novo. – Mun Seo pediu em um sussurro.
– Eu vou desistir da aposta, eu digo que nunca fiquei com a Ga In, mas... Por favor, Mun Seo...
– Você não vai dizer, eu conheço bem o homem por quem eu me apaixonei. – O mais baixo deu o assunto por finalizado, desviando-se do mais alto.
Entretanto, antes que alcançasse a porta, sentiu-se ser puxado pelo braço e a mão áspera tomar seu rosto. O toque familiar fez com que o rapaz apenas fechasse os olhos, cedendo pela saudade e pelo sentimento. No instante seguinte, seus lábios foram tomados pelos o de Oh Joon, o braço livre envolvendo a cintura do outro ao mesmo tempo em que se apoiava nos braços do mesmo, ficando inconscientemente na ponta dos pés. Deixou que o rapaz explorasse sua boca, que o dominasse, mesmo que ainda se sentisse magoado.
O som da porta se abrindo interrompeu aquele momento íntimo dos dois rapazes. No portal, a garota que havia sido o pivô de suas brigas os olhava com espanto e um misto de emoções que nenhum deles conseguia interpretar de verdade. As mãos pequeninas tremiam, seus movimentos pareciam repetitivos e estranhos, como se fosse um robô entrando em curto. Oh Joon podia imaginar como a mente de Ga In deveria estar uma bagunça, ainda mais de visualizar a pessoa que havia se declarado para ela beijando outro homem. Qualquer pessoa comum surtaria... Até mesmo ele estava tão confuso quanto ela, como se seus pensamentos vários nós difíceis de desatar. Sobretudo, temia que a garota pudesse dizer à alguém sobre o que tinha visto, mas acima disso, se sentia uma pessoa ruim por causar-lhe sofrimento.
– Ga In... – Antes que pudesse completar sua fala, a garota colocou as mãos sobre os ouvidos, tentando abafar o som alto que a deixava tão confusa e sumindo de sua vista. – Ga In!
Sentiu uma mão agarrar-lhe o pulso quando ameaçou seguir a garota. Mun Seo o olhava com esperança, como se suplicasse.
– Não vai atrás dela...
– Eu não posso deixar ela sozinha, ela pode acabar se machucando. – Oh Joon tentou explicar. Aquilo era diferente de apenas seguir uma aposta idiota. – Seo, a Ga In tem autismo, tá? Ela pode acabar se perdendo, ela não conhece nada por aqui... Não é sobre a aposta, eu juro.
O rapaz pareceu compreender a situação em que se encontravam. Apesar de não saber tanto sobre o que era o autismo, era maduro o suficiente para entender que a preocupação de Oh Joon ia além da questão da aposta. Por mais que ainda não se sentisse seguro sobre as motivações de seu companheiro, decidiu deixá-lo ir atrás da garota.
Oh Joon atravessou o corredor em passos largos e apressados, não sabia exatamente para onde Ga In poderia ter ido. Procurou primeiramente a garota por todo o primeiro andar e só então saiu da casa, procurando-a pelas ruas um tanto desertas da parte mais residencial da ilha. Tentou ligar para a garota, mas foi ignorado, o que apenas aumentou sua preocupação. Decidiu seguir em direção ao centro, talvez a garota se lembrasse do caminho de volta para o ponto de ônibus, pensou consigo mesmo. Era o melhor chute que poderia dar. Seguiu correndo para o ponto de ônibus mais próximo.
O rapaz temia por não encontrar a garota, pensava que aquele era o seu castigo por ter aceitado participar de uma brincadeira de mau gosto, uma piada atroz. Por conta de seus sentimentos e de sua máscara, havia magoado uma garota inocente e que havia o aceitado verdadeiramente, apesar de dificilmente se abrir para outras pessoas. Imaginava se quando conseguisse encontrar a garota, ela seria capaz de perdoá-lo e aceita-lo novamente como amigo. Duvidava muito, nem mesmo ele se perdoaria.
Acabou encontrando a garota cambaleante próximo à um ponto de ônibus, num local mais movimentado, com as mãos sobre os ouvidos enquanto se balançava e andava em círculos pela rua. As pessoas mais próximas olhavam com estranhamento para a garota, imaginando se estava bêbada ou se tinha algum problema. Uma mulher até mesmo se afastou, como se Ga In pudesse ter uma doença contagiosa e mortal. Apesar da raiva que sentiu pela reação das pessoas diante do sofrimento que a garota tentava lidar, o rapaz apenas respirou fundo e tentou se aproximar de maneira mais calma. Não adiantaria explodir naquele momento, era a Ga In quem era mais importante.
– Ga In... – Assim que percebeu a aproximação do rapaz, a garota tampou os ouvidos com mais força tentando abafar os sons que insistiam em atrapalhar seus pensamentos.
– Não... Não se aproxime... Não... – Ga In ordenou, a fala um pouco mais robotizada que o normal. – Você é mentiroso... Você mentiu.
– Eu sei, me desculpe, mas eu não queria te magoar.
– Você não gosta de mim... Você mentiu, você não diz a verdade! – A garota reforçou, os pensamentos tornando-se fixos naquela resposta. – Você mentiu, mentiu pra mim, mentiu sobre gostar de mim, mentiu sobre tudo. Você fez uma aposta, essa é a verdade, você só queria namorar comigo por causa de uma aposta.
O rapaz a olhou com surpresa. Como ela sabia daquilo? Em que momento ela havia descoberto sobre a aposta?
– Você é mentiroso, você não quer ser meu amigo e você não gosta de mim! – A garota repetiu, os movimentos tornando-se mais frenéticos e os pensamentos conturbados.
– Ga In, vamos para um lugar mais quieto, eu espero você se acalmar e então vamos conversar melhor... – O rapaz tentou se aproximar e tocar seus braços, mas assim que o fez, Ga In apenas se esquivou, retrocedendo alguns passos e alcançando o asfalto.
A rua movimentada estava abarrotada de carros em alta velocidade. Oh Joon apenas teve tempo de tentar empurrar a garota para fora do trajeto de um ônibus que se aproximava, entretanto, apesar da reação rápida, o veículo se aproximava com uma rapidez maior do que o rapaz poderia agir, atingindo os dois com uma força mortal.
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Eram quase uma hora da manhã quando Ga Yeong chegou ao hospital da ilha acompanhada por Kyung Soo. A mulher parecia estar com suas emoções à mil quando havia sido avisada do acidente de sua irmã. O coração de Ga Yeong se fechou imediatamente e a única coisa que conseguiu foi cair em prantos. Por sorte, Kyung Soo estivera ao seu lado para lhe prestar apoio, até mesmo a acompanhando até sua cidade natal. Durante todo o trajeto, talvez por querer poupar a afilhada de uma notícia impactante durante a viajem para Jeju, sua madrinha, So Ah, apenas dizia que a garota estava em cirurgia e que não sabia o estado exato de sua saúde. Mesmo com o desespero, a única coisa que Ga Yeong pôde fazer foi esperar até chegar à sua cidade natal, quase três horas depois.
Aproximou-se com pressa à recepção do hospital, trêmula e desesperada. A recepcionista tratou primeiro de tentar acalmar Ga Yeong antes de atendê-la. Era comum que familiares e pessoas relacionados aos pacientes buscassem por informações com as emoções à flor da pele.
– Eu cuido disso pra você. – Kyung Soo se ofereceu. – Qual o nome da sua irmã?
– Ga In... Park Ga In... – O rapaz franziu o cenho, o nome parecendo uma estranha coincidência para o mesmo. Apesar do sobrenome diferente, o homem apenas afastou aquele pensamento de sua cabeça. Era apenas uma estranha coincidência e nada mais. A enfermeira os indicou em qual andar deveriam ir e explicou que a garota ainda estava em cirurgia.
Ga Yeong viu seu mundo cair assim que colocou os pés na sala de espera da ala de emergência. Tão logo havia conseguido chegar no andar indicado pela recepcionista, a mulher avistou sua madrinha em prantos ao ouvir a resposta do médico que acabara de sair da sala de cirurgia. Antes que pudesse se dar conta, seus pés a levaram até os dois, ouvindo com clareza o que o médico dizia. “Nós tentamos tudo o que podíamos”, “a situação dela era complicada”, “sentimos muito pela sua perda”, aquelas frases ecoavam em sua mente, vagando sem um significado profundo. Era como se alguém estivesse falando grego consigo, não conseguia digerir a informação (ou melhor, não queria digerir a informação).
– Madrinha... – Ga Yeong chamou pela mulher que falava com o médico. So Ah se virou nos calcanhares, fitando a mulher estranha que se referia a si com uma conexão que não pertencia às duas. Mas não demorou muito tempo, So Ah apenas arregalou os olhos com um misto de surpresa e tristeza pela atual aparência tão destoante da antiga aparência de sua afilhada e pela recente descoberta da morte de sua sobrinha mais nova que havia criado como uma filha.
– Céus, Ga Yeong! – A garota apenas abraçou e se permitiu chorar nos braços da madrinha. – Como você...
Apesar da surpresa, a mulher não pode deixar de perceber a pessoa que a acompanhava. Kyung Soo estava mais afastado, tão surpreso quanto ela, aparentemente. O rapaz parecia então entender tudo, todas as coincidências. Como se uma parte do quebra-cabeça finalmente tivesse aparecido magicamente e completado a imagem real daquela situação. A garota que havia rejeitado, sua antiga empregada e o obstáculo entre ele e a sua herança era Cha Se Young, a mulher estonteante e inteligente que havia o atraído desde a primeira vez em que se viram. Havia se deixado ser enganado quando a verdade estava bem debaixo de seu nariz. Quase riu de desgosto e incredulidade pela genialidade da garota.
Em contra partida, alheia à clareza súbita dos fatos por Kyung Soo, Ga Yeong apenas vivia o luto de sua perda. Ga In era para si a única herança realmente preciosa que sua mãe havia deixado para si. Apesar de não poder sempre acompanhar a garota e sempre se culpar por não poder ser presente, sempre a tratava como um tesouro do qual deveria cuidar sempre. Em imaginar que a última vez em que ouvira a voz da garota fora em meados do ano passado, alguns meses antes de sua transformação, apenas aumentava a dor por não ter ligado antes ou mesmo visitado sua família no dia de natal, como mandava a tradição. Apenas se martirizava por não ter estado por perto e impedido que sua irmã passasse por aquele acidente e, ainda pior, ter gasto sua única chance de salvar Ga In usando o abyss em um cão de rua ao invés de tê-lo guardado e o usado com sabedoria.
So Ah, entretanto, mantinha os olhos fixos no rapaz que parecia tão transtornado quanto sua afilhada, reconhecendo-o imediatamente. Mesmo com o coração dolorido pela partida precoce de sua sobrinha mais nova, não pôde deixar de se questionar o que Hwa Kyung Soo, filho de Hwa Hae Myung estava fazendo ali, naquele hospital, acompanhado de Ga Yeong. Apenas acompanhou com os olhos o rapaz se afastar até sumir de seu ponto de vista.
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Assim que alcançou seu carro, Kyung Soo apenas se colocou para pensar. Em que momento havia abaixado tanto a guarda e não percebeu que Cha Se Young e Park Ga Yeong eram a mesma pessoa? De certa maneira, ele não poderia se culpar, a garota estava irreconhecível. Da menina estranha e feia que vivia no quartinho dos fundos de sua casa, ela simplesmente havia se transformado em uma mulher magnífica em poucos meses. Nem mesmo um excelente cirurgião plástico poderia fazer um milagre naquele nível, certo? Ao julgar pela mudança absurda em sua aparência, ele nem mesmo podia dizer com total certeza. Além disso, seu nome também havia mudado, não teria como adivinhar, mas ainda assim, como não percebeu as intenções da garota? Como não conseguiu ver aquilo antes?
Um toque de telefone interrompeu seus pensamentos. Suspirou ao ver o nome no visor, aquele momento não era o melhor para lidar com Han Na, mas ainda assim atendeu, revirando os olhos pela pergunta da mulher.
– Onde você está? – A voz feminina o interrogou num tom frio.
– Isso importa? – O homem massageou a têmpora. – Você não está ligando por estar preocupada comigo.
– Você está com aquela praga da estagiária? – Questionou, irritando-se. Não se preocupou em negar o comentário anterior do rapaz.
– Já disse que o papel de namorada ciumenta não lhe cai bem. – Kyung Joon irritou-se, não queria responder ao interrogatório de sua noiva. – Apenas diga o porquê da ligação.
Um silêncio se instalou do outro lado da linha e o som de papel pôde ser ouvido logo em seguida.
– Quem é Park Ga Yeong? – Kyung Soo franziu o cenho com a pergunta, imaginando-se onde a noiva poderia ter ouvido aquele nome.
– Como sabe esse nome?
– Está escrito aqui no testamento do seu pai, esse que você escondeu de mim. – A mulher foi sarcástica. – Não é por isso que me pediu em casamento? Eu pensei que você queria limpar sua imagem, mas conseguiu me enganar direitinho. Por isso que pediu pela separação total de bens?
– Você mexeu nas minhas coisas? – O rapaz foi ríspido.
– Eu precisava saber o que você escondia. Enfim, agora sim colocamos todas as cartas na mesa. – A mulher falou com desdém. – Mas ainda assim fico curiosa sobre essa Park Ga Yeong e o porquê decidiu procurar outra pessoa ao invés de se casar com ela... Ah, e eu já sei sobre o prazo do contrato. Você tem um só um mês, por isso se pensa mesmo em me trocar pela praguinha, sinto te dizer, mas ela parece mais interessada no nosso cliente preferido do que em você.
Han Na foi venenosa, mas não sabia de todos os fatos. Apesar de ter se atentado à última fala da mulher que o deixou bastante incomodado, não pôde deixar de querer devolver as provocações na mesma moeda.
– Não cantaria vitória antes da hora se fosse você. – O rapaz respondeu com o mesmo tom desdenhoso. – Sabe essa Park Ga Yeong que é citada no testamento, a mulher com quem eu deveria me casar? Ela é a Cha Se Young.
Capítulo XXII
O final de semana foi bastante chuvoso, com direito à trovoadas. Para Ga Yeong era como se os céus estivessem manifestando suas emoções. Mesmo fora de condições, a mulher cuidou de todos os preparativos do velório de sua irmã, sentindo o luto ainda muito forte dentro de si. Despedir-se do corpo de Ga In fora um dos momentos mais difíceis para a mais velha e mesmo com o amparo de sua madrinha, o vazio parecia tomá-la por completo. Primeiro havia perdido sua mãe e agora havia perdido sua irmã, era como se o seu destino fosse ficar sozinha e ver todos irem embora antes de si. Seu único apoio agora era sua madrinha So Ah e sua melhor amiga So Ra, cujo qual havia vindo de Seul para Jeju na primeira barca pela manhã logo após saber a notícia.
Kyung Soo não havia aparecido novamente, desconfiava que o homem havia pegado um avião de volta para Seul ou então dormido em algum hotel pelo centro antes de ir embora pela manhã. Por mais que sua cabeça não estivesse em condições de pensar em outras coisas além de seu luto, pegou-se perguntando como o rapaz reagiria quando colocasse os pés novamente na agência – isso, é claro, se algum dia resolvesse voltar para lá. Apenas imaginar ter que encarar novamente o homem por quem tentou se aproximar e se vingar por tê-la abandonado depois de toda a verdade ter sido exposta a amedrontava. Já haviam se passado três dias que estava se refugiando na casa de sua madrinha e a coragem não havia surgido para enfrentar as consequências de suas ações.
Um copo de chocolate quente surgiu no campo de visão da garota. Levantou os olhos, deparando-se com So Ra.
– Você precisa de alguma coisa doce. – A garota estendeu o copo mais uma vez e Ga Yeong se viu obrigada a aceitar.
Não tinha vontade de beber ou comer alguma coisa, na realidade não havia sentido fome nos últimos dias, mas havia comido pelo incentivo de sua amiga e sua tia. Era quase irônico pensar que até algum tempo atrás estaria se empanturrando de comida como havia feito quando sua mãe faleceu e agora sofria com uma terrível falta de apetite. Era como se nada fosse cobrir o vazio que sentia. Tomou um pouco do chocolate quente.
– Onde está minha madrinha? – Perguntou, uma vez que não havia visto a mesma naquela manhã.
– Ela saiu cedinho antes de nós acordarmos, não sei onde ela foi... – So Ra respondeu. Enquanto bebericava de sua própria caneca de chocolate quente, a garota foi cuidadosa para tocar num assunto mais delicado. – Você... Vai voltar para Seul?
Ga Yeong queria responder que não, mas precisava voltar, mesmo que não estivesse totalmente preparada para enfrentar o que viria. Queria se esconder em Jeju até ficar velha e ser a próxima a ir para cova, mas precisava lidar com os problemas que havia gerado. Além de tudo, suas responsabilidades estavam todas lá, sua faculdade, seu estágio, sua casa... Apenas o cachorrinho que havia adotado estava ali com ela naquele momento. So Ra havia trazido consigo o pequeno Paçoca que parecia crescer mais que o esperado à cada semana. O cachorro dormia confortavelmente em frente à televisão que estava ligada em algum canal aleatório de culinária.
– Vou... Talvez eu volte ainda hoje, no final da tarde. Eu não avisei a ninguém o motivo da minha falta. – Apesar de ser segunda e só ter faltado apenas um dia, sabia bem que isso seria motivo o suficiente para ouvir sermão de sua supervisora. – E, além disso, eu tenho que cuidar da faculdade também e da casa... Eu ainda não tive tempo de trocar a torneira da cozinha...
– Sabe que eu não estou falando disso, Ga Yeong... – So Ra foi um pouco mais direta. – O que vai fazer sobre o Kyung Soo?
A garota suspirou, pensativa.
– Eu não sei... – Foi honesta – A única coisa que eu posso fazer agora é me preparar pra qualquer seja a reação dele... Se ele me perdoar ou me amaldiçoar, a única coisa que eu posso fazer é aceitar...
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Ji Soo ficou olhando para os papéis em sua mão por um longo tempo. Nos últimos dois dias, havia escrito várias cartas de demissão para entregar à sua chefe naquele dia, mas ainda não havia tido coragem para entregá-la. A verdade era que havia discutido muito sobre a exigência de sua esposa. Por mais que entendesse o quanto ela queria afastá-lo da mulher com quem havia a atraído, naquele momento era para o rapaz simplesmente pensar em uma demissão. Eles haviam acabado de ter um filho e criar uma criança não era barato. Além das despesas com remédios, médico, roupas e comida de bebê, ainda precisava pensar em economizar para futuramente sua filha poder frequentar uma boa escola e uma faculdade. Não podia se dar ao luxo de simplesmente desistir de seu emprego.
Mesmo que Mi Nah houvesse garantido que o rapaz poderia tirar alguma renda trabalhando temporariamente com seu cunhado no restaurante da família, ainda assim era uma renda não muito estável. Se em algum momento não houvesse lucro o suficiente, não poderia garantir que teriam dinheiro o suficiente para suprir todas as necessidades, principalmente até conseguir outro trabalho com um salário e os benefícios que tinha atualmente. Era uma jogada de risco e mesmo assim havia escrito aquela carta. Agora pensava em como poderia entregar aquilo para sua chefe depois da conversa que tiveram ao final do evento no último fim de semana e se realmente era uma boa ideia entregar aquela cartas com uma lista tão grande de contras em seu “prós e contras”.
Suspirou pesadamente, levantando-se da cadeira e se dirigindo até a porta do escritório da chefe. Bateu duas vezes, como sempre fazia, e quando tentou abrir a porta, encontrou a mesma trancada. Isso o fez franzir o cenho. Tentou abrir novamente, pensando que talvez não houvesse girado toda a maçaneta, apenas então percebendo que realmente a porta estava fechada.
– A diretora não veio hoje. – Um colega avisou assim que percebeu que o rapaz tinha assuntos a tratar com a superior.
– Ela não veio? – Ji Soo franziu o cenho.
– Não. Estranho né? Ela nunca falta, nem quando está doente. – O rapaz respondeu.
– É... Bem estranho... – Respondeu com a mente distante.
Ji Soo se pegou pensando se o motivo da ausência de sua chefe poderia ter sido o rompimento conflituoso que tiveram há três dias. Sabia bem que Seung Ja era uma mulher madura e emocionalmente forte, então confiava que estivesse lidando bem com isso. Até mesmo aconselhá-lo, ela havia feito, mas ainda assim poderia ter existido alguma chance de ele ter ferido os sentimentos de Seung Ja? Essa questão ficou batucando em sua cabeça por um bom tempo.
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Seung Ja apertou as mãos em torno do volante enquanto dirigia de volta para casa. Ao seu lado estava Joon Young, o rapaz sequer a olhava nos olhos, o que deixava a mulher apreensiva. Por mais que estivesse bastante surpresa pelo o que havia acontecido, sua maior prioridade era proteger seu filho. Queria acolhê-lo, conversar com o mesmo, orientá-lo e entender seu sofrimento. Culpava-se por ter, mais uma vez, deixado de prestar atenção em seu filho. Quando o rapaz insistiu para que perdoasse os garotos que o agrediram, deveria ter ignorado e ido em frente com a denúncia, assim provavelmente evitaria a situação em que se encontravam naquele momento. Devia ter percebido que o problema era pior do que apenas uma briga escolar. Seu filho estava sendo ameaçado e chantageado debaixo de seu nariz e não havia percebido. Agora que seus agressores haviam o exposto, a única coisa que podia fazer era tentar remediar o que estava feito.
Estacionou o carro em frente à sua casa, encontrando um carro familiar estacionado na calçada ao lado. Kyung Joon tinha uma cara de poucos amigos, esperava que os dois descessem do veículo com os braços cruzados. Antes de descerem do carro, a mulher apenas virou-se para o garoto no banco do passageiro, tentando sorrir de maneira tranquilizadora. Passou uma mão pelos cabelos do garoto tentando atrair seu olhar, mas o rapaz apenas olhava algum ponto no horizonte pela sua janela.
– Não se preocupe com isso, eu e seu pai vamos dar um jeito de punir as pessoas que fizeram isso com você... – Seung Ja falou com um tom ameno. – E depois, se estiver disposto a conversar, eu vou ouvi-lo. Você pode confiar em mim, sabe disso, certo?
Joon Young não assentiu ou negou, apenas permaneceu da mesma forma, acuado. A mulher se afastou com o coração pesado e finalmente saiu do carro, sendo acompanhada pelo garoto logo em seguida. Kyung Joon se aproximou, parecendo mais furioso do que receptivo com a presença dos dois, fazendo com que instintivamente Seung Ja se colocasse entre o homem e o seu filho. Os longos anos de casamento haviam a ensinado bem a perceber quando o seu ex-marido parecia mais disposto a uma briga do que estar minimamente preocupado com a situação. Se sentiria acuada se não tivesse temerosa sobre o que aconteceria se deixasse Joon Young enfrentar a ira de seu pai.
– Que diabos de vídeo era aquele? – Kyung Joon questionou o garoto que apenas fitava o chão. – EU PERGUNTEI QUE VÍDEO ERA AQUELE!
– Estamos no meio da rua, abaixe o seu tom! – Seung Ja exigiu, firme. Haviam poucas pessoas passando pela vizinhança, mas ainda assim se atentavam à discussão que se iniciava.
– Isso aconteceu por sua culpa! Se tivesse ficado a droga do traseiro em casa como uma mãe que preste, esse garoto não faria coisas anormais como essa! – A mulher se manteve firme apesar do ataque. Por mais que soubesse que a sua ausência tinha causado danos na relação com seu filho, o que via no vídeo não era um comportamento doentio ou anormal. Não aceitaria aquilo como ofensa.
– Esse garoto é seu filho, trate-o com respeito! – Seung Ja se exaltou, aumentando o tom de voz pela primeira vez. – Você devia estar com raiva das pessoas que o expuseram, não dele! O Joon Young é uma vítima, então pare de exigir dele qualquer explicação!
– É melhor ficar quieta... – O tom do homem foi ameaçador.
– Ou o que? – Seung Ja o desafiou, encarando-o com firmeza, algo que era incomum para o mesmo. O homem ergueu a mão em um impulso, mesmo sob o olhar firme da mulher.
Mesmo que temesse o que o outro iria fazer, Seung Ja não vacilou e estava pronta para se defender e defender Joon Young se o homem seguisse em frente com a intenção de agredi-la. No entanto, antes que o mesmo consumasse o ato, Kyung Joon foi empurrado, caindo sentado no chão. Mal o rapaz se deu conta do que havia acontecido e que aquele conflito não estava mais apenas entre sua ex-esposa e ele, viu o homem avançar sobre si com fúria nos olhos.
– Seung Ri! – Seung Ja se interpôs entre o irmão e o ex-companheiro, tentando impedi-lo de levar aquela briga à outro nível. – Por favor, se acalme!
– O que pensa que tá fazendo com a minha irmã, imbecil? – Seung Ri tentou se desvencilhar da irmã para atacar o homem que se levantava com ar de superioridade.
Nunca havia ido com a cara de Kyung Joon, assim como todo o resto da família, e sempre quis tirar aquele sorriso arrogante de seu rosto com os próprios punhos. Ao ver o homem ameaçar agredir sua irmã, não pôde sentir outra coisa além de raiva. Apenas a imagem o fazia transbordar em fúria e querer fazer o homem à sua frente provar do próprio veneno. Seung Ja, por outro lado, apenas queria que a confusão se extinguisse. Já era uma dor de cabeça grande o suficiente que seu filho estivesse sofrendo pela exposição que passara na escola, ele não precisava passar por mais uma exposição em frente à sua casa, assim como ela mesma não queria passar por aquilo.
– Seung Ri, as pessoas estão olhando... – A mulher falou como uma súplica, apenas assim fazendo o rapaz se deixar vencer sobre partir para cima do outro.
– Encoste na minha irmã e eu te mando para o hospital! – A ameaça era bastante verdadeira e Kyung Joon sabia bem disso. Seus olhos rumaram de Seung Ri para a ex-esposa, pensando melhor sobre comprar aquela briga. Levantou-se, limpando as roupas.
– Vamos conversar mais tarde. – O tom de Kyung Joon soara como um aviso, como se dissesse que a discussão aconteceria quando ambos estivessem sozinhos, uma ideia que foi rejeitada imediatamente pela mulher.
– Vamos conversar apenas na presença de um advogado, num tribunal. – A mulher declarou, fazendo o homem franzir o cenho.
– Como é?
– O Joon Young vai ficar comigo até nos resolvermos num tribunal. – Reforçou, firme. – Até lá, eu não vou deixar que você leve ele.
– A guarda do garoto é minha... – Kyung Joon falou num tom de ameaça.
– E você representa um perigo para ele depois desse seu comportamento. – Seung Ja foi firme. – Aposto que todas essas testemunhas concordam comigo...
Só então o homem percebeu que havia uma quantidade considerável de pessoas acompanhando toda a confusão, inclusive filmando tudo com seus celulares. Kyung Joon se reiterou, mas não sem antes direcionar um olhar furioso para a mulher. Afastou-se a passos largos sem sequer olhar para trás ou dizer qualquer coisa, entrando em seu carro e partindo. Apenas quando o carro sumiu de sua vista, a mulher se permitiu amolecer, abraçando Joon Young que parecia ainda mais abalado pela situação.
– Você fez bem... – Seung Ri falou depois de um tempo com uma mão sobre o ombro da irmã. – Colocou-o no lugar dele, soube se defender.
– Obrigada... – Por mais que estivesse ainda um pouco abalada pela ameaça de violência do ex-marido, ainda assim se sentia orgulhosa de si. Havia ficado mais forte e não havia se deixado dobrar pelas ações de Kyung Joon.
– Sobre que foto ele estava falando? – O homem perguntou, preocupado. O sobrinho parecia bastante fragilizado e a situação havia apenas piorado a maneira como se sentia. A mulher apenas tirou seu blazer e colocou sobre a cabeça de seu filho.
– Conversaremos lá dentro, aqui não é local para isso. – Seung Ri apenas concordou e abriu espaço para que os dois entrassem em casa.
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Oh Joon encarava o teto com a cabeça repleta de pensamentos. Depois do acidente, assim que acordou, se viu preso à uma cama de hospital com a perna e o braço direito engessado e algumas costelas fraturadas. Poderia dizer que aquele era o seu pior pesadelo, não apenas por ser um atleta que dependia de seus membros saudáveis para jogar, mas porque não sabia o que havia acontecido depois que fora atingido pelo ônibus que o atropelou. Sua mente não pôde deixar de se direcionar à Ga In, queria saber como ela estava, se havia se machucado ou se havia conseguido salvá-la a tempo.
Se sentia culpado pelo acidente, uma vez que tudo aconteceu porque insistiu na aposta que levou a garota àquela festa. Se tivesse desistido daquela aposta idiota como Mun Seo pediu, se não estivesse tão focado em esconder seu verdadeiro eu ao invés de admitir de uma vez por todas que era gay, nada daquilo teria acontecido. Quando soube no dia seguinte que Ga In havia falecido, a única coisa que pode fazer foi chorar pela culpa que a consequência de seus atos havia gerado. Em nenhum momento em sua vida se sentiu tão desolado e vazio como naquele momento.
Ouviu uma batida fraca na porta. Uma mulher mais velha com os cabelos levemente grisalhos e uma enorme lancheira o encarou com um sorriso discreto. Aproximou-se do rapaz, colocando a lancheira sobre a mesinha ao lado de sua maca. Oh Joon não podia negar a semelhança entre Ga In e sua tia So Ah, havia encontrado a mulher apenas uma vez quando fora levar a Ga In em casa depois de irem ao cinema. Sentia-se culpado apenas por estar em sua presença e a mulher gentil sequer sabia de tudo o que havia acontecido, de tudo o que havia levado sua sobrinha para a morte.
– Soube que seus pais não vieram te visitar. – A mulher falou, abrindo a mesinha da maca. – Você vive sozinho, não é? Seus pais viajam muito?
– A maior parte do tempo. – Confessou.
– Deve ser bem solitário. – So Ah se compadeceu pelo rapaz. – Eu vim porque pensei que gostaria de companhia... Mas não entendo muita coisa sobre baseball ou o que quer que os jovens gostem de conversar sobre, então talvez eu não consiga entretê-lo muito.
Oh Joon mordeu os lábios, sentindo um bolo se formar em sua garganta. Tentou conter as emoções que pareciam transbordar de dentro de si enquanto a mulher ajeitava os potinhos sobre sua mesa. Haviam algumas frutas cortadas e descascadas, um pouco de canja e até mesmo chá. Era a primeira vez em muito tempo que alguém preparava uma refeição para si, por mais modesta que fosse, o que o deixava ainda mais emocionado. Sentiu algumas lágrimas escorrerem por seu rosto e tentou limpá-las com a mão saudável. So Ah apenas fez um carinho na cabeça do rapaz,
– Eu sinto muito pelo o que aconteceu... A culpa foi minha... – Oh Joon murmurou com a voz embargada.
– Tudo bem, não se culpe... As coisas apenas aconteceram dessa maneira... Foi um acidente infeliz...
– Não, eu... A culpa foi realmente minha... Eu não aguento mais guardar isso comigo... – Oh Joon confessou tudo, desde o surgimento da aposta, de sua aproximação, suas intenções e como seus sentimentos em relação à Ga In haviam mudado até o momento do acidente. A escuta acolhedora da mulher o fez até mesmo revelar seu segredo mais profundo que tanto tentava esconder e o fez acabar naquela situação. – Eu deveria ter parado e me afastado, mas eu estava tão obcecado com essa imagem que eu tanto queria sustentar... Que eu não consegui simplesmente desistir da aposta... E eu acabei matando a Ga In...
– Você não a matou, não diga isso. – Apesar de estar chocada com a história, entendia que o rapaz talvez fosse a pessoa em mais sofrimento.
Oh Joon tinha apenas dezesseis anos, havia aprendido a se cuidar sozinho por conta da ausência constante dos pais e sentia a necessidade de se conectar com outras pessoas. Era mais do que compreensível que o rapaz tentasse se esconder por trás de uma imagem falsa que o tornasse especial para outras pessoas, para compensar a falta de afeto que sentia de seus pais. Por mais que o rapaz sentisse que era melhor estar distante de seus progenitores, isso não significava que Oh Joon não sentisse falta dos dois, principalmente de alguma demonstração amor e carinho, o que muitas vezes não acontecia.
– Não nego que escolheu um mau caminho, mas apenas te faltou alguém que o orientasse da maneira correta. – So Ah lhe deu um abraço reconfortante, assim como sempre fazia com Ga In. – O que aconteceu foi um acidente, um acidente trágico e a culpa não foi sua.
Deixou que o rapaz derramasse todas as suas mágoas e seus arrependimentos em seus ombros até que chegasse à exaustão. Depois de um longo tempo, o rapaz dormia sob o olhar materno de So Ah. Ajeitou os cobertores sobre o rapaz e ajeitou os potes ainda intocados dentro da lancheira novamente. Por mais que fosse difícil para si lidar com a verdade de que sua sobrinha havia sido vítima de uma brincadeira de mau gosto que lhe custou a vida, não podia ignorar o sofrimento do rapaz que estava tomado pela culpa e pela tristeza de ter perdido uma grande amiga. Deixou a lancheira sobre a cômoda ao lado e saiu do quarto, se deparando com um rapazinho franzino sentado em uma cadeira próxima à porta.
– Você deve ser o Mun Seo... – O rapaz a olhou e desviou o olhar, um tanto constrangido. – Não precisa ficar dessa maneira comigo. Talvez não me verá aqui se você vier ver o seu... Amigo... Com frequência.
O garoto mordeu o lábio, um pouco sem jeito.
– O Oh Joon me falou sobre você e sobre ele... Eu não sou nenhuma especialista, mas tenho muita experiência de vida. Nesse momento, o que o seu amigo precisa é de apoio e também muita paciência. Não é simples para ele se desprender dessa imagem que ele carrega, então o melhor que você pode fazer é esperar o tempo dele. – A mulher tocou o ombro do rapaz. – Desejo boa sorte a vocês.
Dito isso, So Ah apenas se afastou, sumindo do campo de visão de Mun Seo e deixando o rapaz sozinho com seus pensamentos.
Capítulo XXIII
Logo que os irmãos Lee entraram em casa, Joon Young subiu correndo para o seu quarto. Seung apenas teve tempo de suspirar, preocupada com o rapaz. Seu filho tinha apenas quinze anos e estava lidando com uma exposição de sua intimidade, além de estar sendo alvo de comentários maldosos em suas redes sociais. Não podia imaginar há quanto tempo estava recebendo as ameaças que vinha sofrendo das pessoas que o expuseram. Para piorar, ainda tinha tido uma briga com seu ex-marido que havia exposto ainda mais o rapaz e a sua família. Cortava-lhe o coração imaginar por quanto sofrimento Joon Young deveria estar passando e pior ainda era não ter certeza se o rapaz se abriria com ela. A relação dos dois nunca fora fácil, principalmente por conta do seu distanciamento durante muitos anos de sua família.
Seung Ja havia sofrido muito com a depressão pós-parto nos primeiros meses de vida de seu filho. Com a falta de apoio de sua mãe e de seu marido, a sua situação apenas foi piorando com o tempo. Além de uma falta muito grande de afeto por seu filho, muitas vezes se via numa situação em que não queria cuidar de Joon Young e não deixava que ninguém cuidasse do mesmo, cuidar de si mesma também era um desafio. Apenas Seung Ri teve a iniciativa de ajuda-la e convencê-la a se tratar. Mesmo assim, apesar de ter melhorado e superado a depressão pós-parto por muito tempo, houve muitas dificuldades para se reconectar com a sua família novamente. O principal motivo disso era o seu conflito sobre ser mãe e conciliar a sua vida profissional com a vida pessoal. Era como se, para ser mãe, fosse preciso abdicar de todas as outras escolhas que houvesse feito na vida.
Por muito tempo, sua principal escolha foi o trabalho. Joon Young veio em segundo lugar e percebeu então que não tinha se preparado o suficiente para ser mãe. Demorou muito tempo para que as suas prioridades se invertessem, e quando finalmente se sentiu apta para ser a mãe que Joon Young precisava, o rapaz já havia crescido e se virado muito bem sem ela, se apoiando na figura paterna para suprir a falta que a mãe havia feito em sua vida. Entretanto, naquele momento, o único que o rapaz confiava havia se voltado contra o mesmo e agora só sobrava para o garoto a única pessoa que o Joon Young sentia remorso por nunca ter estado realmente presente em sua vida. Seung Ja se perguntava se conseguiria se conectar com filho àquela altura do campeonato, se o rapaz a faria digna de sua confiança.
– Enfim, o que aconteceu? – Seung Ri perguntou, tão preocupado quanto a irmã com o comportamento de seu sobrinho.
– É melhor você ver... – A mulher sacou o celular e mostrou a foto que havia recebido da diretora do colégio.
Na imagem, Joon Young aparecia com trajes femininos, uma saia escolar e uma peruca longa na cabeça, além de uma maquiagem bem feita. Parecia conversar animadamente com alguém em uma sala isolada até perceber que estava sendo gravado. Era bem óbvio que o rapaz havia se trajado daquela maneira por vontade própria, o que apenas fazia com que os comentários maldosos nas redes sociais do rapaz pipocassem aos montes. Pessoas com pensamentos fechados e extremamente preconceituosas com o que fosse contrário às “leis naturais” do que é ser um homem de verdade. Seung Ja havia tido contato com muitas pessoas durante muito tempo em sua vida, pessoas de diferentes nacionalidades, culturas e etnias. Mesmo que tivesse dificuldades em entender o que levava uma pessoa a se identificar com um gênero diferente ao qual nasceu, sabia bem que isso não era motivo para endemonizar uma pessoa.
– Ele estava sendo ameaçado... – Seung Ja revelou, guardando o celular depois que o irmão assistiu todo o vídeo. – Eu deveria ter desconfiado pela reação dele na escola... Aquela briga foi muito suspeita e eu só aceitei o pedido dele... Deveria ter insistido.
– A culpa não foi sua, você não tem uma bola de cristal, não poderia ter adivinhado o que estava acontecendo. – Seung Ri tentou reconforta-la. – Eu posso conversar com ele, se quiser...
Seung Ja apenas balançou a cabeça negativamente. Entendia a boa intenção de Seung Ri, mas era hora de parar de terceirizar sua função como mãe para as outras pessoas. Precisava ser a pessoa que iria acolher e aconselhar seu filho. Apenas tocou o braço de Seung Ri, como se dissesse silenciosamente que cuidaria da situação. Respirou fundo antes de se levantar e rumar para o quarto de Joon Young. Deu algumas batidas na porta de seu filho, percebendo a porta trancada.
– Filho... Você pode abrir a porta pra mim? – Pediu. Não ouviu qualquer movimentação do lado de dentro do quarto. – Joon Young... Por favor... Abra a porta...
Apesar da resistência do rapaz, o mesmo abriu a porta algum tempo depois sob a insistência de Seung Ja. O mesmo se recolheu em sua cama, não parecia aberto à conversa, se escondendo sob o cobertor.
– Eu vou arranjar um jeito fazer aqueles garotos se responsabilizarem pelo o que fizeram com você... – Seung Ja garantiu. – Eles não vão sair impunes, nem que eu tenha que mover o céu e a terra para isso.
– Não vai apagar o que aconteceu. – Pela primeira vez naquele dia, Seung Ja pôde ouvir a voz do filho. Joon Young não parecia muito esperançoso, ele não estava preocupado sobre as pessoas que o expuseram e sim sobre o vídeo que o comprometia e Seung Ja sabia bem disso.
– Podemos conversar sobre o vídeo? – A mulher perguntou, respeitando o tempo do rapaz. Se o mesmo estivesse pronto para discutir sobre isso, esperaria até que o rapaz viesse até ela. Entretanto, surpreendendo-a, Joon Young pareceu receptivo a uma conversa. Deixou uma fresta aberta no cobertor, revelando os olhos inchados e molhados pelo choro. A visão do garoto tão vulnerável deixou o coração de Seung Ja balançado.
– Você... Não vai me chamar de anormal? Não vai gritar comigo? – Seung Ja nunca houvera alguma vez tomado uma postura agressiva quanto ao rapaz, apesar de no passado tê-lo afastado de muitas formas. Demorou a entender o porquê o garoto cobrava uma postura agressiva sua se nunca houvera alguma vez feito aquilo com o mesmo. Somente depois entendeu que o Joon Young esperava qualquer coisa dela, menos uma atitude acolhedora.
– Eu nunca faria isso... Quando digo que quero o seu bem e que quero me aproximar de você, eu estou sendo sincera. – Seung Ja foi honesta, o que deixou o rapaz pensativo. – Eu quero entender o que você sente, quero que se abra pra mim... Qualquer que tenha sido os seus motivos e os seus desejos pra agir ou se vestir daquela maneira, eu vou aceitar e vou estar contigo...
Joon Young pareceu pensativo e se escondeu novamente sob os cobertores. Remexeu-se por alguns segundos antes de se livrar do cobertor, sentando-se na cama e abraçando os próprios joelhos. Não sabia por onde começar, não sabia como explicar como se sentia. Sabia apenas que não era fácil para si, seus pensamentos estavam conturbados.
– Eu... Só... – O rapaz respirou fundo, sentindo a voz embargada. – É como se... Eu não fosse certo. Eu não fosse eu... Eu olho pra mim mesmo e eu me sinto tão errado, tão feio...
– Joon... – Seung Ja colocou uma mão nas costas do rapaz, mostrando ao mesmo que estava ali para ouvi-lo, sem preconceitos e julgamentos.
– Eu sempre via os outros meninos brincando e se comportando de maneira mais... espontânea, mais agressiva... E eu só sentia que eu não era assim. Não que isso fosse o suficiente para dizer que eu era diferente, mas... No fundo era como se fosse um sinal... De que eu não era como eles... – Continuou, entre soluços. As lágrimas vinham sem controle, finalmente estava desabafando com alguém sobre o que sentia de verdade, sobre a sua verdadeira essência. – Eu nunca me vi como um menino... Eu sempre me senti como uma garota... Me desculpe...
– Você não tem motivos para se desculpar. – Seung Ja abraçou o filho, ou melhor, sua filha. Era difícil até mesmo para ela associar aquela informação. Sabia que iria ter que se acostumar com as coisas, era tudo muito novo para ela, assim como também era para Joon Young. – Você não tem que se desculpar por ser você mesmo, nunca faça isso. – A mulher respondeu, sentindo além de compaixão uma identificação com a mesma. – A maneira como você se enxerga diz direito apenas a você. Eu tenho medo porque sei que as pessoas não irão te entender e irão querer que você se encaixe em uma regra que não deveria existir, mas aonde quer que você vá, eu vou estar do seu lado, vou te apoiar e vou te aceitar da maneira como você é... Seja homem ou mulher.
Joon Young se sentiu acolhida. Era a primeira vez que se sentia acolhida por sua mãe. Havia tido muitos sentimentos conflitante sobre sua progenitora por muitos anos, muitos deles alimentados por seu pai. Sempre pensou que a mulher que agora a abraçava nunca havia lhe amado genuinamente e, no entanto, naquele momento em que mais precisava de um apoio, ela fora a única que havia se mostrado como alguém digna de sua confiança, a única que demonstrava que iria lutar contra o mundo se fosse necessário, apenas para que pudesse ser a pessoa que sempre sentiu que era, mas que nunca pode mostrar por conta de todos os estigmas e preconceitos que a sociedade impunha sobre alguém como ela. Permitiu-se desabar e chorar, desabafar e falar sobre tudo, sobre como se sentia, seus medos e expectativas.
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Assim que So Ah colocou os pés em casa, deixou algumas coisas que havia comprado na volta do hospital na cozinha. Queria fazer uma refeição mais nutritiva para a afilhada que não estava se alimentando bem desde o dia do acidente. Entendia muito bem os sentimentos de Ga Yeong. Tendo sido a pessoa que mais conviveu com Ga In, se sentia tão desolada quanto a mais nova. Havia feito parte de toda a criação de sua sobrinha, da infância até a adolescência. Era sua única companhia, apesar de ter sido um pouco difícil lidar com a sua condição. Contudo, mesmo que entendesse o quanto sua afilhada ainda estivesse sofrendo com o luto, sentia que era o momento de discutir algumas coisas com Ga Yeong e até revelar algumas coisas que sempre ficaram escondidas até aquele momento.
Com a aparição do único filho da família Hwa, os antigos patrões de sua irmã, Min Young, So Ah havia ficado preocupada sobre a conexão entre o rapaz e a sua afilhada. Por mais que Ga Yeong tivesse vivido por muito tempo na mansão dos Hwa, sabia que recentemente a mesma havia se mudado e também que havia conseguido um novo trabalho, segundo o que a mesma havia lhe dito. Então como os dois haviam voltado a se encontrar se não havia mais motivo para terem contato um com o outro? O rapaz até mesmo havia trago sua afilhada de Seul até Jeju em um horário tão avançado da noite, além de ter parecido tão surpreso sobre a situação em que se encontravam. Não sabia bem o porquê o rapaz parecia tão surpreso, queria entender o que estava acontecendo.
Seguiu para o quarto de Ga In onde Ga Yeong havia dormido nos últimos dias. O quarto estava bem organizado e limpo, a única coisa que tinha em excesso na decoração eram flores. Ga In sempre fora muito apaixonada por flores, em especial tinha um amor por uma flor chamada Cattleya, uma espécie de orquídea muito popular em países latinos. O perfume suave da flor sempre fora bastante agradável para a sobrinha, assim como a aparência da mesma. Encontrou a afilhada dobrando algumas roupas e as colocando dentro de uma bolsa grande que So Ra havia trago em sua viagem. Percebeu que a mulher se preparava para voltar à capital em breve, o que fez So Ah se aproximar. Era agora ou nunca.
Sentou-se na cama ao lado da afilhada, atraindo a atenção da mesma. Era espantoso o quão diferente a garota estava. Ga Yeong sempre fora muito diferente, o nariz sempre fora mais largo e as feições mais brutas que a irmã mais nova. A última vez que havia visto sua sobrinha, a mulher tinha quase o dobro de seu peso atual e se escondia em roupas largas. Naquele momento, entretanto, Ga Yeong estava muito mais bonita, bem dentro do padrão de beleza coreano e era impossível olhar para a mulher sem lembrar de sua irmã. A semelhança era tamanha que parecia estar na presença de Min Young, mesmo sabendo que a irmã mais entre elas.
– Você mudou muito... – So Ah começou, passando uma mão pelos cabelos de sua afilhada. – Você está parecida com a sua mãe...
– Alguém já me disse isso... – Ga Yeong confessou. Lembrou-se de quando estava arrumando suas coisas com Seung Ri e o rapaz a comparou com uma antiga foto de sua mãe. Ainda que a mudança extrema de aparência de Ga Yeong fosse algo que surpreendesse sua madrinha, So Ah não se focou no assunto.
– Você vai voltar para Seul?
– Vou... Eu ainda tenho muitas coisas para ajeitar... – A garota confessou, colocando mais uma muda de roupa dentro da bolsa – Eu ainda tenho muitas coisas para decidir também... Muitas coisas para pensar...
– E sobre o rapaz que a trouxe aqui? – So Ah foi um pouco mais direta.
– Era o Hwa Kyung Soo, o filho dos Hwa... – Ga Yeong explicou. – Acho que faz algum tempo desde que você o viu pela última vez...
So Ah havia visitado poucas vezes a mansão da família Hwa, tanto que podia contar nos dedos as vezes que havia ido lá. Por ser a casa dos patrões de sua irmã, nunca se sentiu a vontade para ir à capital e passar os dias nos aposentos de Min Young, além de que também havia visitado a mesma com a sobrinha mais nova. Era muito mais comum que Min Young e Ga Yeong visitassem a família em Jeju do que So Ah e Ga In irem para a capital. Por conta da dificuldade de se adaptar às novidades, viajar com Ga In sempre havia sido um problema, então naturalmente acabava evitando ir à Seul. Entretanto, nas poucas vezes que havia ido à Seul, So Ah havia conhecido de longe o filho dos Hwa, assim como os patrões de Min Young. Por mais que na época em que havia conhecido o rapaz, o mesmo fosse apenas um estudante do ensino médio, não havia tido dificuldades em reconhecê-lo. O rapaz tinha uma forte impressão que permanecia com ele, independente do passar dos anos.
– Eu sei, eu o reconheci. – Disse a mais velha – E acredito que ele também me reconheceu.
A mulher se ajeitou na cama, puxando um travesseiro para seu colo. Pensou em como deveria começar aquele assunto, ainda mais por saber a situação tão delicada em que sua afilhada se encontrava. Haviam acabado de perder uma pessoa importante em sua família e para Ga Yeong isso era ainda mais pesado do que para outras pessoas. A Ga In era para a garota o único presente que sua mãe havia deixado para a mesma, era como se a mulher se sentisse responsável por não tê-la protegido, mesmo que isso não estivesse no alcance da mesma. So Ah entendia que não havia nada que pudesse fazer e que eventualmente ela precisaria deixar que Ga In saísse do ninho porque não duraria para sempre. Talvez a idade a tivesse deixado mais sábia, mas para Ga Yeong a perda era muito mais avassaladora porque não via as coisas da mesma forma. Por ter se tornado a pessoa responsável por sua família tão cedo, acreditava fielmente que era sua culpa sua irmã ter partido tão precocemente. Era como se tivesse falhado com sua responsabilidade.
Contudo, depois de ter ponderado bastante e por ter se deparado com a aproximação com o filho dos Hwa, So Ah não podia deixar que aquele segredo continuasse se estendendo por tanto tempo. Por mais que fosse o desejo de Min Young que aquilo ficasse enterrado para sempre, So Ah não acreditava que fosse certo ou justo com suas sobrinhas. Ga In, assim como Ga Yeong, haviam sofrido bastante por não saberem sobre suas origens, por mais que tentassem ocultar ou passar por cima de todos os julgamentos sobre o assunto. Era hora de trazer à luz a verdade. Suspirou, tomando a mão da sobrinha que a olhou confusa. Deixou as roupas de lado por um momento, virando-se para a madrinha que parecia apreensiva e cautelosa.
– Madrinha, se é sobre eu ir para Seul que você está preocupada, eu vou me virar bem sozinha... – Ga Yeong a certificou. – Eu consigo me cuidar... Eu consegui me virar quando a mamãe se foi, então eu vou dar meu jeito agora também...
– Não é sobre isso, querida... – So Ah mordeu o lábio inferior, o cenho franzido. – Na verdade, eu preciso conta algo para você... Espere aqui um minuto.
So Ah se levantou, saindo do quarto por alguns minutos. Logo a mesma retornou com uma pequena caixinha de madeira em mãos. Assim que a madrinha abriu a caixa, logo percebeu que era uma caixinha de música. Uma bailarina começou a girar e uma música clássica começou a tocar assim que a tampa foi aberta. Dentro da caixa, haviam alguns papéis que pareciam ser cartas, algumas até com nomes de destinatários. Ga Yeong logo reparou que as iniciais de sua mãe estavam entalhadas na lateral da caixinha, o que havia a deixado curiosa a respeito daquele objeto. Nunca havia visto a caixa de música antes, não sabia da sua existência, mas à primeira vista parecia um objeto bem caro, algo que havia aprendido a diferenciar bem de um objeto de pouco valor enquanto havia trabalhado na casa da família Hwa.
– O que é isso, madrinha? – Ga Yeong perguntou, curiosa. – Era da minha mãe?
So Ah assentiu com a cabeça. Quando Ga Yeong estendeu a mão para tocar a pequena caixa, a mais velha afastou o objeto com certo receio. A garota não entendeu o porquê da reação da madrinha e a olhou com o cenho franzido.
– Antes que você leia, eu queria falar sobre um assunto importante com você. – So Ah começou. – Quando a sua mãe deixou essa caixinha comigo, ela me fez prometer que eu nunca te diria a verdade, não importasse o que... Mas eu acho que você precisa saber, ainda mais porque você parece tão próxima do filho dos Hwa e... Isso não pode continuar guardado assim...
– Madrinha... Você está me assustando desse jeito... – Ga Yeong franziu o cenho, não conseguia imaginar o quão sério poderia ser o assunto para deixa-la tão apreensiva.
– A sua mãe era muito nova quando ela decidiu ir para Seul, você sabe bem... Ela queria tentar o sonho de ser bailarina, mas não aconteceram as coisas do jeito que ela esperava. – So Ah contou – Ela precisou se virar e passou por muita coisa até conseguir se estabelecer na casa dos Hwa... Nessa época, quando ela passou a trabalhar como empregada, ela acabou se envolvendo com uma pessoa que não deveria... Ela estava muito apaixonada, isso simplesmente a cegou. Eles eram de mundos diferentes, entende? Por mais que estivessem apaixonados um pelo outro, ele nunca iria desistir da vida dele por ela...
– Como assim, desistir da própria vida, madrinha? – Ga Yeong franziu o cenho, não entendia onde sua tia queria chegar com aquela história sem pé e nem cabeça.
– O homem que a sua mãe havia se envolvido já tinha uma família, tinha um filho, uma esposa e era muito influente. Ele e a esposa haviam tentado por muito tempo terem filhos, mas nunca conseguiram... Então eles decidiram adotar uma criança, mas isso foi muito antes de sua mãe se envolver com ele. Eu acho que, mesmo se a sua mãe tivesse tomado a atitude de confrontá-lo sobre você e a sua irmã, as coisas não mudariam. Ele poderia fazê-la passar por uma interesseira se quisesse e continuaria sem assumir a responsabilidade por vocês. – A mais velha suspirou, alisando a caixinha de madeira enquanto pensava bem nas palavras. – Mesmo ele sempre tendo te tratado bem e ter ajudado sobre algumas questões financeiras, ele não estava disposto a assumir vocês. Ele não queria manchar a própria imagem com algum escândalo sobre ter filhos fora do casamento, ainda mais com uma empregada...
A cabeça de Ga Yeong parecia ter dado um nó com aquelas palavras. “Mesmo ele sempre tendo te tratado bem”, aquelas palavras ficavam voltando em sua mente. Naquele momento, sua tia estava falando sobre o seu pai, o homem que até então jurava que nunca havia conhecido, mas que, segundo sua madrinha, sempre esteve presente em sua vida, ao contrário do que pensava. Havia crescido sob a sombra de sua figura paterna e nunca nem desconfiou de nada.
– Madrinha, você sempre soube quem era o meu pai e nunca me disse? – Ga Yeong se levantou, cerrando os punhos. Sentia raiva que aquela verdade havia sido ocultada de si por todos aqueles anos. Por muito tempo sentiu remorso por sua mãe nunca ter dito quem era seu pai, por nunca ter contado algo que fazia parte de si, de sua história. Mesmo que sua mãe fosse uma pessoa preciosa e importante, ter mantido segredo sobre sua paternidade havia a machucado profundamente e agora saber que sua madrinha também sabia daquele segredo e nunca havia a contado havia a deixado decepcionada.
– Ga Yeong, entenda que eu nunca quis magoar você, mas eu prometi à sua mãe... – As palavras escaparam de So Ah, não havia justificativa sobre o que aquele segredo. Era um direito de Ga Yeong saber e ela havia renegado aquilo a ela.
– Quem é o meu pai? – Ga Yeong perguntou, firme.
Não havia como se arrepender de ter chegado àquele assunto, So Ah precisava revelar a verdade, por mais que isso a causasse tanta ansiedade.
– O seu pai é o Hwa Hae Myung, o pai do Hwa Kyung Soo...
Capítulo XXIV
Mun Seo encarou os próprios pés, sentia-se ansioso, havia preparado todo um discurso em sua mente antes de entrar no quarto, mas agora que estava cara a cara com Oh Joon, as palavras haviam se perdido ao vento. Ver o rapaz que tanto havia tentado ignorar durante as últimas semanas tão machucado e acamado o quebrava por dentro. Os dois rapazes haviam se conhecido durante o ensino fundamental, aos seus treze anos, e daí para frente criaram uma conexão única, uma amizade que foi florescendo e se transformando em algo além. Ambos tinham seus problemas familiares e se apoiavam um no outro. Enquanto Oh Joon sofria com a ausência e a rejeição de seus pais, Seo havia sido criado por seus avós e sequer havia os conhecido alguma vez na vida. Mesmo que seus avós nunca houvessem o distratado, para Seo a ausência de seus pais também o feria.
Conforme foram crescendo juntos, novos sentimentos acerca daquela relação que tinham foram surgindo com a descoberta de suas próprias identidades. Entretanto, para Oh Joon, essa mudança não era tão fácil. Diferente de Seo, que nunca havia conhecido os próprios pais, mas ainda tinha o amor e o companheirismo de seus avós, para Oh Joon não era fácil ter que suportar a rejeição de seus progenitores. De certa forma, o rapaz ainda queria ser o motivo de orgulho dos mesmos e por isso sabia bem que se assumisse sua atração por pessoas do mesmo gênero, seria mais um motivo para seus pais não aceita-lo. Era algo que, por mais que se esforçasse muito, Seo nunca entenderia como é esse sentimento, já que seus avós, ainda que não achassem certo, o aceitavam da maneira que era. A escolha de manter segredo sobre sua sexualidade foi apenas porque Oh Joon, o único garoto que havia gostado e se relacionado amorosamente, ainda não estava preparado para se assumir também. Apenas ele era quem sabia disso. E por conta daquela fixação em esconder sua orientação sexual, Oh Joon sempre saía com garotas, apenas para afirmar uma heterossexualidade que não o competia.
– Não precisa me olhar com essa cara... Eu estou vivo, pelo menos. – Oh Joon falou com a voz arrastada. Há poucos minutos, uma das enfermeiras havia aparecido para lhe aplicar uma medicação para dor. Por conta da conversa de mais cedo com a avó de Ga In, o rapaz ainda parecia bastante afetado, porém um pouco mais leve. Ainda se sentia imensamente culpado pela morte da garota, mas havia tido, pela primeira vez, uma conversa honesta com uma figura quase materna e o acolhimento que sentia falta por parte de sua própria família.
– Você tá todo remendado, não tenho como controlar minha expressão diante disso... – O jeito que o menor havia se referido aos ferimentos de Oh Joon quase o fizeram rir. Se não tivesse tomado a medicação, provavelmente sentiria suas costelas reclamarem pelo esforço. – Eu sinto muito... Eu deveria ter sido mais compreensivo com o seu lado, mas... Eu sentia tanta raiva quando você simplesmente saía com aquelas garotas...
– A culpa é minha, eu causei isso. – Oh Joon assumiu. – Eu quem deveria ter pensado nos seus sentimentos, nos seus e nos da Ga In. O problema é que eu tinha tanto medo de que alguém descobrisse sobre mim, sobre nós... Que eu só tentava esconder isso atrás dessa mentira que eu inventei. Como se ser hétero se resumisse a correr atrás de todas as garotas da escola... Eu sou bem idiota mesmo.
A mão de Seo envolveu a de Oh Joon que tinha alguns pequenos cortes envolvidos por um Band-aids.
– Me desculpe por ter te machucado... Eu acho que eu só entendi a gravidade das minhas ações quando você não quis mais ficar do meu lado. – Oh Joon foi sincero. – Eu amo você.
Mun Seo sentiu a ardência familiar tomar o nariz e se afastou apenas para virar para um ponto qualquer para que o maior não o visse chorar. Havia imaginado muitas vezes aquele momento, havia esperado que o rapaz reconhecesse o quanto suas ações haviam o ferido e que se redimisse, que voltasse a ser somente dele. Ouvir de Oh Joon aquelas desculpas tão sinceras e o quanto o mesmo o valorizava havia o despertado emoções tão fortes que quase não conseguia conter dentro de si mesmo. Apenas obrigou-se a segurar as lágrimas que se formavam em seus olhos quando a porta do quarto se abriu de repente. Uma mulher na casa dos quarenta anos adentrou o cômodo, os cabelos vermelhos e longos chamavam a atenção à distância. Logo atrás da mesma, um homem com feições rígidas e uma expressão severa a acompanhava.
Mun Seo nunca havia se sentido realmente confortável na presença dos pais de Oh Joon. Para ambos, a amizade de longa data entre Seo e o filho do casal nunca havia sido um problema. Na realidade, os dois até mesmo apreciavam o jeito mais reservado e centrado do rapaz. Provavelmente pensavam que Seo era uma boa influência para Oh Joon e que o manteria com as mãos longe de problemas e a cabeça nos estudos. Ainda assim, o garoto sempre sentiu que precisava pisar em ovos com os dois pelo jeito severo que tinham. Por serem bastante ocupados com suas profissões, sendo a mãe de Oh Joon uma comissária de bordo e seu pai ser piloto de avião, os dois costumavam viajar bastante e nem sempre tinham tempo para tomar conta de Oh Joon. Como o rapaz vivia sozinho, normalmente davam um jeitinho de acompanhar o progresso do mesmo através das notificações dos professores na escola e quando havia algum problema relacionado à notas ou por algum comportamento rebelde por parte de Oh Joon, os dois sempre arranjavam uma maneira de voltar para casa e tirar satisfações sobre isso.
Oh Joon suspirou, parecia pronto para receber uma bronca sobre seu estado quando sua mãe se aproximou e o abraçou com cautela, parecendo aliviada pelo rapaz estar acordado, apesar das ataduras e do gesso em sua perna e seu braço direito indicarem o quão grave havia sido o acidente. Assim como sua mãe, seu pai parecia estar bastante preocupado sobre a saúde do garoto. Apesar da surpresa pela reação incomum dos patriarcas, Oh Joon apenas retribuiu o abraço, sentindo um pouco de afeto vindo de seus pais.
– Céus, Oh Joon! Porque sempre que me ligam sobre você, nunca é sobre boas notícias! – A mãe do rapaz reclamou, mas seu tom parecia mais brando do que ríspido para uma bronca. – Como isso aconteceu?
– É uma longa história... – Oh Joon apenas se esquivou da pergunta. – Vocês vieram me ver?
– Que tipo de pergunta é essa, meu filho? É lógico que viemos, estávamos mortos de preocupação. Pegamos o primeiro voo para cá assim que soubemos do acidente.
– Sério? – Oh Joon perguntou como se quisesse confirmar aquela informação. – Estavam mesmo preocupados comigo?
– Filho, desse jeito até parece que duvida de nós. Você é o nosso bem mais precioso, é claro que nós nos preocupamos. – O homem afirmou, segurando a mão do rapaz com o cenho franzido.
Oh Joon sentiu um bolo se formar em sua garganta, sentindo-se acolhido por seus pais pela primeira vez em tanto tempo. O garoto soltou a mão de seu pai apenas para cobrir o rosto. Seus pais se entreolharam e então perceberam o quanto a ausência de ambos havia sido prejudicial para o emocional de seu filho.
– Oh Joon! – A mãe do rapaz o abraçou novamente, como se tentasse dizer com gestos sempre o amou verdadeiramente, mesmo sendo tão distante.
Mun Seo observou em silêncio por alguns instantes aquele momento tão íntimo e tão importante para Oh Joon. Permitiu-se um pequeno sorriso ao ver que, apesar do caos, a família da pessoa mais importante para si o amava e se importava com o mesmo, independente do quão distantes fossem. A confirmação daquele sentimento era tudo o que Oh Joon precisava. Enquanto os três ali pareciam alheios à sua presença, o garoto girou em seus calcanhares e rumou para a porta do quarto. Apenas voltou-se para trás para vislumbrar uma última vez aquela cena, encontrando o olhar de Oh Joon por um instante. Não precisava de palavras para que pudesse entender o que pensava. Aquele era um momento importante para o rapaz e respeitaria o seu tempo, respeitaria quando se sentisse pronto para revelar o que realmente era para os seus pais, aquelas pessoas pelas quais sempre quis receber amor e afeto.
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– Você sumiu por dois dias, onde você estava? – Han Na perguntou assim que viu Kyung Soo entrar pela porta. O homem usava roupas simples, diferente das roupas de marca que sempre esbanjava. Mal o rapaz havia chegado em casa, a mulher o bombardeou de perguntas. – Porque não atendeu minhas ligações? E que história é essa de que a Cha Se Young é a Park Ga Yeong?
– Eu precisava espairecer. Isso é novidade pra mim igual é pra você, tá legal? – Kyung Soo estalou a língua, tirando a jaqueta e os tênis.
– Quer dizer que você não sabia... – Han Na se deu conta disso e quase quis rir. Então Kyung Soo não havia se aproximado daquela garota sabendo quem ela era, mas havia sido ela quem havia o procurado. – Foi ela quem se aproximou de você. Ela sabe do testamento...
– Ela não sabe. Ninguém além de nós dois sabe disso... – Kyung Soo falou de maneira ríspida. – Ela não se aproximou por dinheiro, eu tenho certeza disso. Ela realmente tem sentimentos por mim, sempre teve. Eu que me aproveitei deles até descobrir a brecha no contrato. Aquele velho caduco era quem queria que eu me casasse com a Ga Yeong, mas essa não era a minha vontade.
Kyung Soo nunca havia caído de amores por seu pai. A relação entre os dois sempre fora conturbada e ele sempre teve um apego especial pela filha da empregada. Era como se a considerasse melhor do que seu próprio filho. No fundo, acreditava que esse desapego era por Kyung Soo ser adotado. Era comum ao dois homens da família Hwa trocarem farpas por conta das diferenças de pensamentos, e sendo uma pessoa de personalidade forte, Kyung Soo sempre se vingava tentando trazer prejuízos à imagem do pai. Um filho inconsequente, rebelde, mal criado. Era como se tentasse atacar ao pai com isso, mas a consequência foi ter manchado sua própria imagem no processo.
A única que realmente considerava o rapaz era sua mãe, An Na, que sempre o tratou com um apego especial. Constantemente, Kyung Soo era o motivo principal das discussões entre seus pais adotivos. Enquanto Hae Myung o considerava inadequado para assumir sua posição quando se aposentasse, An Na sempre o apoiara incondicionalmente. Para o rapaz, sua mãe foi a única com quem realmente pôde contar, inclusive tendo sido a única que o apoiou e acreditou que conseguiria administrar bem sua agência de publicidade, algo que havia construído para mostrar que era capaz de ser bem sucedido sem a ajuda de seu pai, ao contrário do que Hae Myung cismava em lhe dizer.
E como forma de reconhecimento pelo trabalho duro de Kyung Soo, seu pai havia feito uma grande chacota quanto ao seu testamento. Era incrível como até depois de morto aquele velhote conseguia ser irritante. Nunca imaginaria que o mesmo teria deixado um testamento exigindo que se casasse com a filha da empregada, a garota gorda e feia que sempre havia sido apaixonada por ele. Era como uma piada de mau gosto, um pegadinha mal feita, mas estava ali, passado no papel, timbrado. Por sorte, um livramento do destino, uma brecha nas cláusulas do testamento permitia que o rapaz tivesse mais liberdade em escolher com quem queria se casar, mas ainda assim parecia tão injusto aos olhos do rapaz a forma como o homem que mais deveria admirar o havia tratado.
Agora, talvez como um castigo por todos os seus pecados, se viu sendo enganado pela última pessoa que imaginaria que lhe passaria a perna. Ga Yeong havia surgido em sua frente com um novo rosto e uma nova identidade, decidida à tê-lo de qualquer maneira. Alheia sobre o testamento, sabia bem que o único motivo da garota só poderia ter sido porque nutria sentimentos pelo mesmo. Isso explicava tudo, explicava o porquê era tão confuso lê-la, tão confuso a maneira como a mesma simplesmente se derretia em sua presença, mas era cautelosa quando se aproximava.
– “Não era” no passado, não é? Mas agora você a quer... – Han Na cerrou os lábios com raiva. – Você está correndo atrás dela como um cachorrinho.
Kyung Soo a encarou, pronto para retrucar, mas as palavras se perderam em sua mente. Ela não estava errada, realmente existia uma atração por Ga Yeong. Não soube dizer se ela havia mudado além da aparência ou se nunca houvera reparado de fato na mulher com atenção. Ga Yeong havia sim se tornado uma mulher estonteante, muito diferente da garota desengonçada e desprovida de beleza que havia crescido debaixo de seu teto, mas também havia se mostrado uma mulher inteligente, competente, amável e com um charme inocente que só competia à ela, e isso o atraía de uma forma que nunca se imaginaria enfeitiçado pela mesma. Era como se apenas a presença da mulher fosse um castigo por nunca ter reparado no que jogou fora.
– Você está delirando. – Respondeu, esquivando-se da pergunta.
– Você gosta dela, não gosta? Está apaixonado por ela! – Han Na questionou, dessa vez sendo mais insistente.
Kyung Soo não sabia dizer, entretanto, se gostava da mulher dessa forma. Não podia negar que existia desejo, mas será que esse desejo poderia ser comparado ao amor. O rapaz nunca havia se apaixonado alguma vez por alguém, nunca se permitiu experimentar tais sentimentos, mas não podia negar como agia de maneira fora do habitual com Ga Yeong. Quando estava com a mesma, sentia a necessidade de protegê-la, de estar ao lado da mesma. Quer dizer, quando alguma vez na vida se sujeitaria a levar alguém à uma ilha no fim do mundo apenas para não deixar a pessoa desamparada? Isso não fazia o jeito do rapaz, principalmente se não ganhasse algo em troca. Será que poderia dizer que estava apaixonado pela garota que sempre desprezou?
– Aonde você vai? – Han Na perguntou, vendo o rapaz se livrar das roupas assim que entrou no quarto do casal. O mesmo separou algumas roupas sociais e as colocou sobre a cama, vestindo peça por peça. – Você vai se encontrar com ela? – A mulher pareceu angustiada, não soube dizer se por conta da falta de resposta sobre os seus sentimentos ou pela possibilidade do homem ir atrás de Ga Yeong. – Kyung Soo!
– Eu vou trabalhar! – O rapaz levantou a voz pela primeira vez. – Ao contrário de você, eu sou compromissado com o meu trabalho, independente de ser o chefe ou não. – Alfinetou. – Não vou manchar minha imagem por causa das suas paranoias.
Logo que terminou de trocar as roupas, o rapaz apenas caçou suas chaves do carro e saiu do apartamento de maneira tão intensa quanto havia aparecido, deixando Han Na para trás. A mulher apenas pôde deixar escapar um grito frustrado e enfurecido pela indiferença de seu noivo. Se fosse atrás do mesmo, apenas poderia deixar as coisas piores e expor os problemas pelos quais estavam passando para os seus vizinhos, mas pior do que isso, se sentia angustiada pelo rapaz ter sido esquivo quanto às suas perguntas. A desconfiança sobre os reais sentimentos de Kyung Soo sobre a maldita estagiária deixavam Han Na receosa, não apenas pelo risco de ser jogada para escanteio e não conseguir concluir seu plano de se enriquecer às custas do rapaz, mas também porque, para seu espanto, não queria que o mesmo ficasse com ela.
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Seung Ja se sentia culpada por deixar Joon Young em casa depois da conversa que tiveram e voltar para o trabalho. Não que houvesse acontecido algo que precisasse de sua presença imediata no local, mas precisava de um tempo para si para digerir toda aquela onda de informações que haviam surgido de repente e o trabalho sempre fora para si um lugar de refúgio, um lugar que pertencia somente à ela e que poderia rearranjar todos os seus pensamentos. Descobrir a forma que seu filho – ou melhor, sua filha – se sentia havia gerado um grande baque em si. Parte desse baque era pela surpresa em saber que Joon Young não se via como um homem, e sim como uma mulher; a outra parte era porque, mesmo estando debaixo de seu nariz, Seung Ja nunca havia percebido nada. Novamente se sentia uma péssima mãe por nunca ter percebido o sofrimento e o conflito que Joon Young estava passando.
E ainda havia seus próprios conflitos internos sobre como ela mesma via Joon Young. Não era fácil para Seung Ja aceitar que seu filho não se via como um homem. Por mais que tivesse muito conhecimento sobre diversos assuntos, era mais fácil se acostumar com a ideia de que o filho de outra pessoa fosse uma pessoa trans do que seu próprio filho – isso é, se Joon Young pudesse ser encaixado nessa coisa toda de transexual e afins. Ela não tinha como “diagnosticar” ou definir o que seu filho era, mas desejava profundamente que essa angústia que sentia sobre o rapaz se dissipasse com o tempo. Apesar do problema que havia em suas mãos, de certa forma agradecia aos céus por essa situação ter proporcionado-lhe a oportunidade de poder se conectar ao garoto. No final, independente do que Joon Young era, ela ainda desejava que ela e o rapaz – ou melhor, a garota – pudessem ter o relacionamento de mãe e filho que sempre desejara ter.
Suspirou um pouco mais aliviada ao ver a mensagem de Seung Ri no celular sobre estar cuidando do vídeo e da parte dos advogados, logo o vídeo de seu filho seria apagado das redes sociais e os advogados estariam entrando com um processo de reparação pelos danos causados por seus agressores. Iria fazer justiça por Joon Young, finalmente. Ouviu algumas batidas na porta e logo depois o ranger baixo da mesma se abrindo. Por entre as portas surgiu seu assistente, Ji Soo. Por conta de todos os eventos de mais cedo, havia se esquecido por um momento do rapaz à sua frente. Por mais que houvessem conversado sobre a relação dos dois e o aconselhado a se resolver com sua esposa, ainda se sentia um pouco estranha na presença do mesmo.
Lidar com o fato de que havia se relacionado com um homem casado havia a deixado bastante incomodada. Já havia estado no papel da mulher traída muitas vezes, até mais do que gostaria de contar, por isso quando esteve no papel da amante se sentiu imensuravelmente culpada, por mais que não houvesse percebido que Ji Soo carregasse uma aliança em seu dedo. Entretanto, percebeu que aquela culpa não cabia somente à ela. Talvez até mais amargurado do que Seung Ja, Ji Soo também se sentia tão culpado pela traição e carregava muitos conflitos sobre seu casamento e seu papel em sua família. Pelo rapaz sempre ter se colocado como um ouvinte para os seus lamentos, quis ser para Ji Soo o ombro que o mesmo precisava e aconselhá-lo da melhor maneira que podia. Apesar de terem colocado um ponto final no caso em que mantinham, ainda assim, não tinha como ignorar que ainda se encontrariam no trabalho, o que acabava os colocando em uma posição constrangedora.
Entretanto, o homem não parecia ter vindo cumprir qualquer tarefa de trabalho. Parecia até um tanto ansioso e não trazia o seu tablet, como fazia habitualmente. Ao invés disso, tinha um pequeno pedaço de papel em mãos. Ji Soo sequer precisou se aproximar e entregar a carta para que Seung Ja percebesse o que era aquilo em suas mãos. A mulher arregalou os olhos, surpresa pela atitude do rapaz.
– Você veio pedir demissão? – Seung Ja franziu o cenho.
– Sim... – Apesar da afirmação, sentiu um tom incerto na voz do rapaz.
– Você realmente quer se demitir? – Seung Ja o questionou – Se está fazendo isso por impulso...
– A minha esposa descobriu que eu estava tendo um caso... Eu não sei dizer como, mas... Ela apenas descobriu isso antes que eu pudesse conversar com ela. – Ji Soo revelou. – Eu, sinceramente, não queria me demitir. Não por causa de “nós”, mas porque eu não sei se eu vou conseguir um trabalho em outro lugar onde eu possa suprir todas as necessidades da minha família... E eu estou numa encruzilhada...
Seung Ja havia entendido o ponto do rapaz e o porquê queria se demitir. Provavelmente Ji Soo tinha uma preocupação de que se continuasse a trabalhar no mesmo lugar, isso poderia destruir seu casamento. De fato, o rapaz estava em uma encruzilhada.
– A minha esposa está convencida de que eu posso segurar as pontas trabalhando no restaurante do irmão dela, mas não é a mesma coisa... Não é algo estável. – O rapaz suspirou, fitando a carta em suas mãos. – Eu não quero trazer prejuízos pra minha família deixando esse emprego, mas ao mesmo tempo eu sei que se eu não sair daqui, a Mi Nah vai acabar me deixando.
– Você já tentou conversar com ela, falar que se ela desse algum tempo para você procurar outros trabalhos seria melhor. – Seung Ja se mordeu a unha de seu dedão, pensativa.
– Eu já tentei de tudo, ela está irredutível sobre isso. – Confessou, derrotado. – Ela quer que eu me afaste de você o mais rápido possível.
– Eu não culpo o pensamento dela... – Seung Ja se solidarizou pela mulher, mesmo sem a conhecer. Entendia o sentimento que a mesma tinha. Começou a caminhar de um lado para o outro pelo cômodo, pensando em como poderia ajudar Ji Soo com aquela questão. Como se uma luz tivesse surgido em sua cabeça, a mesma estendeu a mão em direção ao rapaz. – Me dê sua carta.
Ji Soo a fitou com os olhos arregalados. Não esperava que a mulher fosse aceitar de tão boa vontade sua carta de demissão, ainda mais depois de contar como se sentia inseguro sobre essa decisão. Ainda assim, entregou a carta com certo receio, vendo a mulher logo em seguida a rasgar em pedaços e jogá-la no lixo. Pegou um papel em branco e escreveu uma nova carta à mão, usando seu carimbo para confirmar que havia sido a mesma quem a escreveu e a dobrou sem muito cuidado, entregando-a ao rapaz. Ji Soo franziu o cenho, sem entender sua intenção.
– Talvez seja uma mudança abrupta demais, mas se estiver disposto à isso, você poderá ficar despreocupado sobre conseguir sustentar a sua família. – Seung Ja falou com um pequeno sorriso acolhedor. – Pense bem no assunto e se escolher aceitar a proposta, só entregue essa carta e o formulário para a administração. Com a minha recomendação, você não vai ter que se preocupar com outras coisas.
Ji Soo ficou pensativo sobre a proposta de Seung Ja durante todo o expediente. Assim que abriu a carta que sua chefe escrevera, ficou bastante surpreso sobre o que se tratava o assunto. Ji Soo nunca havia pensado naquela opção, na verdade nunca havia se sentido realmente apto para tal oportunidade e tinha suas inseguranças sobre o assunto. Enquanto lia e relia a carta por seguidas vezes, se questionava se deveria tentar seguir por aquele novo caminho que se abrira à sua frente ou deveria apenas desistir e se demitir da IT Tecnology.
Capítulo XXV
A terça-feira amanheceu com uma leve neblina e um clima mais frio para um começo de verão. Apesar de ter acompanhado a previsão do tempo e ouvido que as chances de chuva eram um pouco altas, Ga Yeong não se incomodou em colocar um guarda-chuva na grande mochila que raramente usava enquanto se arrumava para ir à agência. Talvez em seu inconsciente já esperasse por um desfecho dramático em sua visita à empresa de Kyung Soo. Seu expediente começava somente à tarde e apesar de ter aula na parte da manhã, decidiu se dar uma folga dos estudos naquele dia. Precisava concentrar toda a sua energia para o que poderia vir naquele momento. A realidade era que Ga Yeong se sentia ansiosa e assustada, não sabia qual poderia ser a reação de Kyung Soo. Havia mentido sobre quem era e mesmo quando havia decido contar a verdade, as circunstâncias a levaram a “empurrar com a barriga” aquele momento até que o mesmo acabou descobrindo tudo por si próprio.
Não julgaria Kyung Soo se o mesmo tivesse raiva, se a expulsasse de sua empresa ou pedisse uma medida restritiva contra si, alegando que era uma louca desvairada, afinal, nenhuma pessoa normal mudaria tanta coisa em si mesma apenas para se reaproximar de um ex-namorado – ou qualquer coisa que eles fossem um para o outro – seja para o bem ou para o mal. Ainda assim, esperava que o homem apenas desse uma chance para que dissesse tudo, para que pudesse explicar o quanto havia se sentido abandonada e magoada pelo o que havia acontecido entre os dois, o que a levou a tais ações e também para que pudesse esclarecer aquele estranho vínculo que conectava um ao outro que só teve conhecimento no fim da tarde do dia anterior, quando sua madrinha revelou a verdade sobre sua paternidade.
Na viagem de volta para Seul, Ga Yeong havia gastado todo o tempo do trajeto tentando entender como toda aquela história confusa havia se desenrolado. Segundo sua madrinha, ela era a filha de Hwa Hae Myung, o ex-patrão de sua mãe, pai adotivo de Kyung Soo, um homem casado, mas que sempre demonstrou um grande apreço por si. Todo aquele tempo ele sabia que ela era sua filha e nunca, em nenhum momento, havia assumido a responsabilidade por ela. Perguntou-se como poderia ter sido tão ingênua quando os sinais estavam tão claros à sua frente. A quantia exorbitante em sua conta poupança, aquele apreço incomum entre o chefe e a filha da empregada, tanta generosidade para pagar seus estudos, não lhe deixar faltar qualquer recurso por mais que não fosse obrigado a tal. Em todas aquelas ações havia uma motivação oculta e não havia sido por causa do “bom coração” que cismava que aquelas pessoas tinham.
Ga Yeong riria se não fosse tão trágico, só de se lembrar de tantas coisas pelas quais passara e ouvira por nunca ter tido o nome de seu pai em sua certidão de nascimento, todos os natais e os dias dos pais sem a presença de uma figura paterna em tais eventos a faziam ferver por dentro, uma raiva tão grande que não cabia em si e ao mesmo tempo uma grande tristeza a assolava enquanto pensava consigo mesma como aquele cenário poderia ser diferente se aquele homem houvesse, por um acaso, a reconhecido como filha, tal como deveria ser. Não queria pensar nas riquezas que viriam com isso, mas apenas naquele modelo de família perfeita que se via nos dramas e nas propagandas: um pai, uma mãe e seus filhos felizes e reunidos em torno de uma mesa abastecida para o jantar.
Grande piada. Em vez disso, a única que realmente estivera ao seu lado, sendo pai e mãe ao mesmo tempo, a educando e a ensinando a ser uma pessoa digna fora sua mãe, enquanto seu progenitor – cujo qual se recusava a reconhecer como pai, assim como o mesmo havia recusado em reconhecê-la como filha – apenas brincava de família feliz enganando sua esposa e seu filho, o único que havia reconhecido, e ironicamente os dois sequer compartilhavam o mesmo sangue. Como o mesmo havia se sentido quando sua mãe faleceu? Tantos anos vivendo sob o mesmo teto, será que em algum momento ele realmente haveria amado sua mãe o suficiente para querer o seu bem? Para sentir sua falta depois que se foi? Ou apenas quis tê-la como uma espécie de troféu? Uma aquisição esdrúxula num harém? Mesmo que sua madrinha houvesse confirmado que o mesmo havia sim amado sua mãe, não conseguia traduzir suas ações como um sentimento genuíno de afeto, afinal, se realmente a amasse, não a reduziria a uma amante, uma empregada de sua esposa.
Ga Yeong suspirou, tentando controlar aquele bombardeio de pensamentos acelerados enquanto terminava de afivelar o cinto. Usava uma calça jeans escura e simples e uma camisa de botões num tom azul acinzentado. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo baixo, discreto, não havia se empenhado muito para se arrumar naquele dia. Apenas se vestiu apropriadamente para o trabalho e de maneira confortável para voltar com suas coisas ainda naquele dia. Tinha um bom senso, apesar de suas ideias um tanto desmioladas. No momento em que colocasse os pés na empresa de Kyung Soo, apenas aceitaria seu julgamento, mesmo que isso significasse estar no olho da rua.
– Você já está saindo? – Uma voz sonolenta se sobressaiu sobre o bolo de lençóis. Os fios negros e emaranhados surgiram entre os travesseiros apenas para encarar Ga Yeong. So Ra coçou os olhos, despertando lentamente. Havia retornado de Jeju com Ga Yeong a fim de lhe prestar apoio. Era mais do que visível que a descoberta da noite passada e a morte de sua irmã estavam a destruindo por dentro, mas ainda assim, a garota ainda persistia como se nada a dobrasse. – Você realmente precisa ir hoje?
– Eu já faltei ontem, não posso faltar hoje. – Ga Yeong respondeu. Apesar do olhar pidonho da melhor amiga, a garota parecia firme com a ideia de resolver todos os problemas pendentes. So Ra conhecia sua amiga bem o suficiente para saber que sua ida à agência não se tratava de querer manter sua postura profissional, mas sim porque queria colocar todas as cartas na mesa com Kyung Soo. Fosse qual fosse a verdade que o rapaz conhecia, a garota iria dizer tudo o que sabia, sem ocultar nada. Estava esgotada de tanto que havia mantido as mentiras sobre sua verdadeira identidade e agora queria ser clara sobre tudo, desde seus sentimentos até sobre ser filha de seu pai adotivo – Eu não devo demorar, apenas... Quero finalizar essa questão.
– Ga Yeong, sabe bem que eu sempre te apoio até nas roubadas, mas estou preocupada que esse não seja o melhor momento... Você está passando por tanta coisa, ninguém vai te julgar se você der um tempo pra você... – So Ra sentou-se na cama, um pouco mais desperta. Olhou para a amiga que agora colocava um blazer sobre a camisa que usava. – Não quero te ver pior do que já está.
Em resposta a mulher, Ga Yeong sentou-se na beirada da cama, segurando as mãos da amiga entre as suas com um sorriso sem muita emoção. Era grata por ter a preocupação de So Ra e o afeto da mesma. Sabia que sempre poderia contar com a mulher nos bons e nos maus momentos, ela sempre se importaria e se preocuparia genuinamente consigo, até mesmo se sacrificaria se fosse necessário. Era por isso que queria mostrar que estava forte o suficiente para receber qualquer impacto.
– Eu vou ficar bem... Eu sempre fico... – Dito isso, apenas se afastou e colocou os sapatos, partindo para a empresa.
Ga Yeong desejou que o caminho fosse mais longo naquele dia, daria tempo o suficiente para se arrepender de sua escolha se pensasse bem. Queria que o ônibus quebrasse, que surgisse alguma obra repentina no meio do caminho, que o prédio houvesse sido interditado por conta de uma infestação de pragas, qualquer coisa que a impedisse de seguir seu caminho e que lhe desse uma desculpa plausível para desistir da ideia. Entretanto, como se o universo conspirasse contra seus desejos, o ônibus apareceu logo que chegou ao ponto, o trajeto havia tido poucas paradas e o prédio mais imponente de toda Seul continuava de portas abertas e funcionando como sempre, a todo vapor. Diversas pessoas entravam e saíam pelas portas giratórias, uma atrás da outra, seguindo a vida normalmente, mesmo com a leve garoa que caía naquele momento. Ga Yeong suspirou, apertando as alças da mochila que trazia consigo e entrando no prédio.
A primeira pessoa a lhe saudar havia sido Min Ji, mas por detrás do sorriso bem humorado estava escancarado o escárnio ao se deparar com a estagiária que havia faltado ao trabalho sem avisar. Por um momento, Ga Yeong havia se esquecido de sua supervisora e de como a mesma ficaria feliz em lhe dar broncas e descontar alguns dígitos de sua bolsa-salário, independente de seu bom desempenho no trabalho. Min Ji nunca havia escondido de ninguém que não era sua fã e frequentemente a sabotava, lhe delegando trabalhos inúteis ou então atribuindo tarefas de última hora para que pudesse apontar aos outros o quão irresponsável era. Não duvidaria que se aquele fosse ser seu último dia na empresa, a mesma ajudaria de prontidão a limpar sua mesa.
– Ora, ora... A princesa resolveu dar caras depois de faltar ao trabalho sem justificativa. – Min Ji estalou a língua, cruzando os braços sobre o peito. – Decidiu tirar férias? Ou então, melhor, resolveu encher a cara e ficou curtindo a ressaca em casa?
A mulher destilava seu veneno sobre a estagiária, falando em bom tom para que o restante da equipe ouvisse a conversa. Estava bem claro que a intenção de Min Ji era humilhar a garota com aquele sermão desproporcional ao seu erro. Desde que havia sido contratada até aquele momento, Ga Yeong sequer havia faltado um único dia de serviço e até mesmo havia trabalhado em seus dias de folga por conta de alguns projetos lançados de última hora. Uma única falta, ainda mais por um motivo tão compreensível, não a colocava como uma boa profissional.
– Eu tive meus motivos para faltar ontem... – Ga Yeong se pronunciou, mantendo-se firme apesar do bolo de emoções que tentava reprimir.
– Eu tenho certeza que teve. – Min Ji exibiu um sorriso cínico, diminuindo o tom ao se aproximar sorrateiramente da mesma. – Talvez tentando seduzir o chefe, um homem comprometido... Eu não me surpreenderia.
Ga Yeong a olhou com surpresa, se questionando se em algum momento havia deixado escapar algo sobre o seu plano de vingança ou se havia deixado transparecer sua relação com Kyung Soo. Se fosse por aquele motivo que Min Ji a tratava tão mal desde que havia ingressado na agência, poderia até compreender o porquê ela insistia tanto em prejudica-la, mesmo que não tivesse qualquer tipo de vínculo com Kyung Soo. Min Ji era, antes de tudo, melhor amiga da noiva do rapaz. Assim como ficaria com raiva se algum homem traísse So Ra, era bem capaz que Min Ji houvesse ficado com raiva da mesma por ser uma amante do noivo de Han Na. Como havia sido pega de surpresa, sequer teve tempo para pensar em explicações, afinal como falaria para sua supervisora, na frente de toda a equipe que apesar das suas intenções nunca havia seduzido o chefe?
Antes mesmo que pudesse elaborar algo, uma figura imponente se postou ao lado das duas, atraindo a atenção de todos. Os funcionários se colocaram de pé frente ao sujeito que era o tema daquela conversa. Kyung Soo tinha uma cara de poucos amigos, exatamente o tipo de expressão que predizia que aconteceria algo não muito agradável.
– E isso seria da sua conta por qual motivo? – Min Ji se reiterou frente ao questionamento do homem, o sorriso murchando tão rapidamente como se nunca houvesse estado em seu rosto.
– B-bom... Porque a estagiária faltou sem uma justificativa plausível. – A mulher tropeçou nas palavras, a confiança de minutos atrás se esvaindo ao vento. – A-ainda mais com entrega do projeto tão próximo e com a data tão apertada...
– Acredito que a presença dela não fosse tão importante, visto que as funções que você delega a ela não são realmente significantes. – Os lábios de Min Ji se entreabriram frente a surpresa, assim como a reação do restante da equipe frente às palavras de defesa sobre a estagiária. Tornando sua atenção para Ga Yeong, que se via no meio de uma situação inusitada, o rapaz indicou o caminho para a sua sala. – Creio que temos assuntos para colocar em dia... A sós...
O olhar de Kyung Soo queimava sobre si, mas diferente daquele desejo que via desde que haviam se reencontrado alguns meses depois do trágico rompimento, havia em seus olhos um misto de emoções conflituosas que ela mesma não conseguia identificar. O olhar tão intenso do outro a fez se arrepiar, como um animal que pressente o perigo logo a espreita. Desviou os olhos, não conseguia sustenta-lo, talvez por temor ou por vergonha, ela mesma não sabia dizer quais emoções a deixavam naquele estado. Apenas assentiu com a cabeça, seguindo a instrução silenciosa do mesmo. Antes que deixassem o departamento, Min Ji se aproximou dos dois visivelmente indignada pelo tratamento diferenciado do chefe quanto a sua pessoa e a estagiária.
– Senhor Hwa! – Antes que falasse algo mais, Kyung Soo virou-se para a mulher, interrompendo qualquer que fosse as suas intenções.
– Talvez eu tenha lhe dado um impressão errada por deixa-la sobreviver nessa agência por tanto tempo, então serei mais claro agora. – O tom cortante e baixo, apenas para que a mulher o ouvisse a causou calafrios. – EU sou o chefe e eu não preciso de uma babá. O que faço e com quem falo só é do MEU interesse, não é seu e nem de Han Na.
Min Ji piscou algumas vezes, aquela ameaça havia sido bastante clara sobre a sua intromissão nos assuntos particulares de Kyung Soo e não precisava de mais palavras para entender que seu pescoço estaria na reta caso continuasse daquele modo. Observou os dois se afastarem pelos corredores até sumirem de vista dentro da sala fechada do CEO. Assim que se virou para encarar seus colegas, encontrou olhares tão surpresos quanto os dela, talvez pelas atitudes do homem em defender a estagiária ou então pela forma como a supervisora tirânica foi reduzida a quase nada, como um inseto se beneficiando do esforço dos outros. Ouviu os teclar frenético dos teclados segundos depois, provavelmente de seus colegas falando sobre a cena de momentos atrás pelas suas costas em salas de bate-papo, como se fosse a fofoca mais quente do momento.
Sentia-se envergonhada pela humilhação que havia sofrido na frente de seus subordinados, sendo repreendida por conta de uma estagiariazinha qualquer. Apesar do aviso de Kyung Soo sobre não se intrometer mais em seus assuntos, queria mostrar que ainda estava por cima, que era superior, independente das ordens do CEO. Pegou seu celular, entrando em uma das conversas em suas redes sociais. Por um minuto cogitou se deveria fazê-lo, afinal, será que Kyung Soo realmente a demitiria se continuasse relatando seus movimentos na empresa como sempre fazia para Han Na? Se o fizesse, será que Han Na iria protege-la e ajuda-la a se manter na agência? Releu a última mensagem que havia sido enviada no dia anterior, pouco antes de Kyung Soo aparecer algumas horas atrasado. “Avise-me se aquela garota aparecer na agência”.
Apesar do temor, Min Ji umedeceu os lábios e escreveu algumas palavras: “Cha Se Young está aqui” e a enviou. Tão logo a mensagem foi enviada, logo foi visualizada. Segundos depois a resposta veio quase automaticamente, fazendo o coração da mulher falhar uma batida:
“Estou indo aí”.
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Ji Soo não conseguiu dormir na noite anterior e o motivo não era pelo sofá ser desconfortável. Havia pensado a noite inteira sobre a proposta de Seung Ja e em como isso implicaria em sua vida. Seria uma mudança radical e não sabia se sua esposa conseguiria se adaptar bem a isso, não sabia nem se ele mesmo conseguiria se adaptar. Precisaria abrir mão de muitas coisas, se afastar de pessoas importantes, seus pais, assim como Mi Nah não poderia manter o contato como sempre fazia com sua família. Além disso, teriam que aprender a viver sob uma cultura diferente, uma rotina diferente, novos trajetos, novos rostos, nova língua. Honestamente, por mais que tivesse anos de empresa e tivesse um segundo idioma avançado, não acreditava que tinha habilidade o suficiente para tentar aquela vaga.
Mas Seung Ja não o indicaria apenas porque tinha um apreço pelo mesmo, certo? Poderia ser que ela via nele um potencial que ele mesmo desconhecia? Ouviu o telefone tocar e tateou o chão a procura do aparelho. Visualizou a tela, havia uma mensagem de seu supervisor avisando que havia justificado sua falta. Provavelmente Seung Ja havia mexido alguns pauzinhos para que o mesmo não fosse cobrado pela sua ausência. Ainda não havia se decidido sobre aquela questão e não queria se apresentar na empresa sem resolver o que faria primeiro. Apesar de arriscado, era uma oportunidade que muitos aceitariam de olhos fechados, e sua filha sendo ainda tão pequena provavelmente não teria problemas para se adaptar à nova realidade. Haviam ali muitos prós e contras e mesmo assim, ainda titubeava em se decidir.
– Você pediu demissão? – Ji Soo olhou para cima, encontrando o rosto de Mi Nah sobre o seu. – Você parece pensativo... Está pensando nas nossas economias?
– Eu não pedi demissão. – Ji Soo foi honesto. – E estou pensando em mais coisas além das nossas economias.
– Eu pensei que a única coisa que o preocupava era acabarmos nos endividando.
– Isso também me preocupa. – O rapaz sentou-se no sofá, abrindo espaço para que a mulher sentasse ao seu lado. Apesar do sofá ter apenas dois lugares, Mi Nah sentou-se distante do homem, evitando contato. Mesmo que houvesse dito que o perdoaria se saísse da empresa, ainda se sentia profundamente magoada com a traição.
– Porque não pediu demissão? – Mi Nah o encarou, incisiva. O homem pegou o papel em cima da mesinha de centro, tirando de dentro do envelope o conteúdo. Era uma carta de recomendação, escrita à mão pela diretora executiva da empresa, para uma vaga de trabalho na nova filial nos Estados Unidos.
– Porque apareceu uma oportunidade melhor. – O rapaz revelou, deixando que a mulher lesse o conteúdo da carta. – Um salário maior com vários benefícios, um fundo escolar pra nossa filha, auxilio com moradia, saúde... Mas é no exterior...
– Mas a gente tem uma vida aqui... – Mi Nah o olhou, entendendo o ponto. Era uma brusca mudança de vida e ela mesma não sabia como viveria em um país tão diferente do seu. Não falava uma palavra de inglês e prezava demais sua família.
– Eu sei... É o que me deixa com o pé atrás... Mas é a melhor solução pra nós dois. – Ji Soo foi certeiro. A relação entre ambos estava abalada, era fato, mas o erro de Ji Soo e os pensamentos inconsequentes de Mi Nah não deveriam leva-los a uma situação ainda pior. Não queria prejudicar a família desistindo de uma renda estável para se aventurar num negócio que poderia não render bem regularmente, ao mesmo tempo em que se questionava se mudar para o exterior era a melhor opção. – Mi Nah, eu não posso decidir sobre isso sem você... A gente precisa decidir isso.
O rapaz estendeu a mão, tomando a mão da esposa entre as suas. Pela primeira vez em tanto tempo, a mulher não rejeitou o toque do mesmo. Sentia os sentimentos conflitantes que o marido tentava reprimir, o quanto tentava ajeitar as coisas e consertar os próprios erros.
– Eu devo aceitar esse emprego?
Capítulo XXVI
Ga Yeong se sentia encurralada, como um rato fugindo do gato e que não encontrava nenhuma rota de escape em seu trajeto. As palavras sumiam de sua mente, todo o discurso que ensaiara e reensaiara até ali parecia ter evaporado assim que se viu a sós com Kyung Soo. Chegava a ser irônico a forma como pensou que iria acontecer aquele momento, como se fosse ser a primeira a dizer tudo sem qualquer resistência do homem à sua frente e depois ouvir qualquer xingamento e suportar tudo. E na realidade, estava ali, esperando que o primeiro passo viesse dele, afinal, não sabia nem ao menos o que diria. Não conseguia sequer fitar o rosto do homem que sempre admirou e amou, talvez por vergonha ou arrependimento, um misto dos dois sentimentos, e ainda por cima, por conta do fato de ser a filha bastarda do pai adotivo do mesmo, sentia-se ainda mais acuada em sua presença.
– Eu sabia que apareceria em algum momento, mas não imaginei que seria mais cedo do que eu esperava. – Kyung Soo começou, visto que a garota não diria nada se ele mesmo não falasse. – Acredito que podemos pular todo a introdução e pularmos direto para o assunto principal, é menos incomodo.
– Eu achei que me insultaria ou que fosse colocar seguranças para barrar minha entrada. – Ga Yeong confessou. De certa maneira, era parte de seu desejo, assim teria uma desculpa perfeita para não precisar confrontar a fera. Ainda assim, precisava dizer tudo, não se sentiria em paz se não o fizesse. – Não o julgaria se me chamasse de louca.
– Eu certamente o faria, mas se veio aqui mesmo sabendo o que poderia enfrentar, é porque existe mais coisas que precisamos discutir. – O rapaz era bastante perspicaz, Ga Yeong não pode deixar de reconhecer. – Pois bem, eu estou ouvindo, apenas fale.
A garota piscou algumas vezes frente a postura do Kyung Soo. Não era como se o mesmo a acolhesse, mas esperava ao menos que gritasse ou a intimidasse. Ao contrário disso, ele apenas esperava pelas suas justificativas, provavelmente com o ego ferido por ter sido enganado, mas ainda assim com um leve brilho por trás das orbes negras que levou algum tempo para entender o que significava. Expectativa. Ele esperava algo dela, esperava a confirmação de seus pensamentos, algo que ela não sabia o que poderia ser. Sentiu as mãos tremerem com a ansiedade, mordendo o lábio inferior.
– Eu ia dizer a verdade no jantar, eu ia revelar quem eu era... As coisas apenas aconteceram e eu não consegui dizer...
– Você mentiu durante meses, se passando por alguém que você não era e simplesmente diz que iria me falar tudo coincidentemente no dia em que eu descobri por mim mesmo... – O rapaz deixou um sorriso incrédulo surgir nos lábios. – Espera mesmo que eu acredite?
– Eu apenas vim dizer tudo o que eu fiz, eu não vim implorar pelas suas desculpas porque sei que o que eu fiz é injustificável... Mas eu estava com tanta raiva e eu ainda era...
– Apaixonada por mim? – Kyung Soo completou seus pensamentos, atraindo o olhar da garota. – Por isso fingiu ser outra pessoa?
Novamente viu expectativa em seus olhos, aquele brilho de esperança, como se quisesse saber até onde iam seus sentimentos por ele.
– Sim... Foi por isso... – Admitiu. – No início, eu queria me reaproximar e conquista-lo, mesmo que eu precisasse me passar por outra pessoa. Eu queria mostrar que eu podia ser a pessoa certa pra você. Mas quando eu vi você seguir a sua vida... Com a Ahn Han Na... Eu senti tanta raiva que eu queria apenas vingança... Eu queria fazer você meu e abandoná-lo para que sentisse a dor que eu senti, mas eu não consegui.
A garota suspirou, fechando os olhos por um instante. Era difícil ser tão honesta sobre as coisas que havia feito, não se orgulhava disso e sentia que era uma pessoa horrível por ter se deixado levar por tanta maldade.
– Eu vivi isso aqui como se fosse... Real... Como se eu tivesse vindo aqui apenas porque eu queria ter a experiência de trabalhar com o que eu gosto, como se eu estivesse... Criando sentimentos por uma pessoa que eu “acabava de conhecer”... – Confessou. – Você foi bom comigo como nunca havia sido antes, foi gentil e amável como pensei que não fosse possível ser. E eu me senti em conflito porque eu entendi que esses sentimentos não eram pra mim, eram para uma farsa que eu criei... E eu já não sabia se eu sentia raiva ou tristeza. Na realidade, eu ainda nem sei o que eu sinto de verdade... E acabei deixando isso tomar proporções maiores do que planejei...
Kyung Soo se recostou em sua mesa, aquela avalanche de informações o atingindo como um soco no estômago. Ainda era difícil para o mesmo entender como pode simplesmente não perceber que Park Ga Yeong e Cha Se Young eram a mesma pessoa, era difícil aceitar que havia sido feito de idiota quando a verdade estava bem debaixo de seu nariz. Sequer havia desconfiado, mesmo quando se questionou o porquê de aquela garota à sua frente agia de maneira tão incomum em sua presença, quando via desejo em seus olhos e ao mesmo tempo uma estranha cautela em suas ações.
– Quando eu tentei colocar minha cabeça de volta nos planos e você disse como se sentia sobre mim, eu não pude seguir em frente com esse plano. Eu entendi que você não era culpado de nada... – A garota não pôde deixar de pensar nos últimos desejos de Hwa Hae Myung para Kyung Soo, que o rapaz se casasse com ela. – Na verdade, acho que você era a maior vítima nessa história maluca...
A percepção afiada do rapaz se fixou nas últimas palavras da mulher. Era como se ela falasse sobre algo além da pauta em questão.
– Como assim, a maior vítima? – Repetiu, franzindo o cenho.
Ga Yeong umedeceu os lábios secos pela ansiedade, não havia como voltar atrás naquele momento. Kyung Soo merecia saber tanto quanto ela.
– O Hwa Hae Myung... Era meu pai...
Os olhos de Kyung Soo se arregalaram diante da revelação. O homem que havia o adotado e o criado como filho havia tido uma filha bastarda com a empregada. Era como uma se o destino houvesse escrito uma péssima novela com reviravoltas toscas e o tivesse os colocado ali, como os personagens principais de uma trama decadente. Céus, fazia todo o sentido aquela condição absurda em seu testamento. Um casamento arranjado entre ele e a filha bastarda, a qual sempre prezou mais do que a ele. É claro, ela tinha o seu sangue, ele não, mas para poder entregar sua fortuna sem jogar seu nome na lama, não havia pensado duas vezes em usá-lo como uma peça em seu jogo, mesmo depois de morto. Era como uma piada sem graça e o alvo daquela chacota era Kyung Soo.
– Aquele velho maldito... – Sentia raiva, por se sentir tão usado e tão desprezado. Mesmo que não tivesse uma gota de seu sangue correndo por suas veias, como poderia um pai fazer algo tão nefasto com um filho? – Agora faz sentido aquele maldito testamento... – Pensou alto consigo mesmo, esquecendo-se por um momento que não estava sozinho.
– Que testamento? – Ga Yeong questionou. O rapaz desviou o olhar, praguejando internamente por ter deixado aquilo escapar. – Kyung Soo, que testamento é esse que você disse?
Tomado pelo olhar da mulher, não viu escapatória além de ser honesto. Era como se o jogo houvesse virado e ao invés de ser aquele que encurralava, agora havia sido encurralado.
– O testamento que dizia que eu tinha que casar com você. – Ga Yeong franziu o cenho diante da revelação, sentindo-se ferida. Não precisou de mais informações para juntar A e B.
– Então... Quando você se declarou pra mim quando eu ainda era... “Daquele jeito”... Era por causa da sua herança?
Diante do silêncio do homem à sua frente, não precisou duvidar daquela suposição. Deixou que uma lágrima lhe escapasse. Mesmo que soubesse que Kyung Soo nunca havia tido qualquer sentimentos por ela antes de ter se transformado na pessoa que era agora, não era isso que a machucava, mas sim o fato de que o rapaz apenas havia a notado por causa do dinheiro da família. Feria sua autoestima ser reduzida apenas a isso, um empecilho entre ele e a sua herança.
– Eu não te abandonei porque eu me apaixonei por outra pessoa, mas porque eu... Achei uma brecha nos termos do testamento... – Kyung Soo continuou, mas sentia o impulso de tentar explicar suas palavras. – Mas eu não menti sobre o resto...
– Isso é demais pra mim... – Deixou escapar como um sussurro.
A garota virou-se em seus calcanhares, sentindo as pernas e as mãos trêmulas diante de toda aquela avalanche de sentimentos. Não tinha mais estruturas para enfrentar tudo aquilo. Estendeu a mão para alcançar a maçaneta quando sentiu seu punho ser envolvido pela mão de Kyung Soo.
– Se Young... – Ouviu o nome daquela personagem que havia criado sair pelos lábios do rapaz. O mesmo balançou a cabeça, tentando dentro de si mesmo desfazer a confusão que sentia. – Não... Ga Yeong...
– Não se preocupe, eu não quero a sua herança. – Respondeu com repúdio, mesmo que o homem não houvesse tocado no assunto. Apenas queria sair daquela sala, daquela agência e fazer de conta que nunca haviam tido aquela discussão, que nunca havia tido aquela ideia estúpida sobre se aproximar de Kyung Soo. Tentou se desvencilhar do aperto firme do rapaz, mas o mesmo manteve seu pulso entre seus dedos.
– Eu não menti quando disse que sentia algo por você... Então me diga, por Deus, você ainda me ama? – A pergunta fez com que a garota parasse de resistir. Encarando orbes escuros que expressavam tamanha angústia, apenas pode dizer a verdade.
– Eu não sei. – Seus sentimentos pareciam turvos, em conflito pela imagem que tinha do Kyung Soo, rebelde e egoísta, pelo qual havia se apaixonado quando era uma adolescente e pelo homem à sua frente que havia mostrado uma gentileza que nunca julgara que o rapaz poderia ter.
– Então me deixe descobrir por conta própria...
Sentiu as mãos do rapaz envolverem seu rosto, os dedos se entrelaçando entre os fios que escapavam do rabo de cavalo. Em segundos, os lábios do homem estavam sobre os seus, movendo-se em um beijo sôfrego e desesperado, tentando confirmar seus sentimentos através daquele ato. Ga Yeong esperou sentir o coração acelerar, as borboletas no estômago, o arrepio subir-lhe pela espinha e explodir em sensações estranhamente prazerosas por seu corpo, mas ao contrário disso, não sentiu nada. Era como se o beijo fosse apenas uma junção de bocas em um movimento, sem qualquer despertar de uma forte emoção dentro de si. O homem que tanto desejou, que tanto amou, por tantos anos não a fazia mais se derreter em seus braços, não a fazia suspirar com seus beijos e nem a deixava ansiosa por mais uma dose.
Era aquela a confirmação de que não amava mais Kyung Soo.
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Min Ji mordia levemente a unha postiça quando viu o segundo elevador se abrir assim que as portas do primeiro elevador haviam acabado de se fechar. Han Na surgiu um tanto esbaforida, como se houvesse corrido uma maratona em poucos minutos, os cabelos um pouco molhados por ter sido pega de surpresa pela chuva que havia engrossado repentinamente. Assim que seus olhos pousaram na amiga, a primeira coisa que fez foi perguntar sobre a estagiária e o seu noivo. A garota era seus olhos e ouvidos dentro da agência e sempre a notificava sobre qualquer coisa relevante que acontecesse em sua ausência. Desde o dia anterior, por conta de sua discussão com Kyung Soo, havia ficado ainda mais em alerta sobre Cha Se Young – ou melhor, Park Ga Yeong, a mulher com quem Kyung Soo deveria ter se casado e que colocava em risco a sua relação com o rapaz. Havia pedido para sua amiga avisar-lhe imediatamente caso a mesma aparecesse, então assim que recebeu sua mensagem, apenas pegou o primeiro táxi que conseguiu e rumou direto para a agência.
– Onde eles estão? – Questionou, olhando discretamente para o corredor que levava à sala de Kyung Soo. De onde estava, os funcionários não tinham uma visão das duas mulheres, o que lhes permitia ter alguma privacidade.
– A Se Young foi embora. – Min Ji disse com um sorriso animado, atraindo o olhar confuso de Han Na. – Ela acabou de pegar o outro elevador. Se chegasse um segundo mais cedo, vocês teriam se esbarrado.
– Como? – Perguntou, parecia querer testar seus ouvidos para saber se havia escutado direito.
– Ela foi embora. Pegou todas as suas coisas, colocou na mochila e foi embora. – Min Ji explicou. – Eu não sei se foi demitida ou se ela mesma pediu demissão, mas o importante é que ela aparentemente não vai mais voltar.
– Não é possível... – Han Na estava incrédula e queria confirmar com seus próprios olhos.
Rumou sobre os saltou para o escritório, atraindo a atenção dos antigos colegas. Ignorou os burburinhos e as especulações do que poderia estar acontecendo para até mesmo a noiva do CEO estar presente naquele momento. Aproximou-se da mesa onde a estagiária trabalhava e a encontrou vazia, limpa, como se ninguém nunca houvesse a utilizado antes. Era como se Cha Se Young, ou qualquer que fosse o nome daquela mulher, fosse apenas um delírio coletivo, um fantasma que havia desaparecido sem deixar rastros.
Ouviu a porta do escritório do CEO se abrir e dali surgir Kyung Soo. Apesar da postura imponente, o conhecia bem o suficiente para ver o quanto se sentia derrotado. Seus olhos não a enganavam. O homem se aproximou, atraindo a atenção de todos como se assistissem à final de um campeonato.
– Ela realmente se foi? – A pergunta escapou pelos lábios da mulher como um fio de voz.
Sentiu a pernas fraquejarem diante da incerteza, o calor parecendo fugir à medida que suava frio. Sentiu uma pontada incômoda em seu baixo ventre e os dedos trêmulos procuraram um apoio de imediato. O homem apenas suspirou, o olhar distante e perdido em algum ponto do horizonte.
– Foi. – Confirmou com uma expressão impassível. – Do jeito que você queria...
Era a resposta que Han Na almejava para poder se sentir finalmente em paz, uma confirmação de que aquela pedra havia sido removida de seu caminho, mas ao invés de se sentir mais leve, apenas sentiu a pontada em seu baixo ventre vir mais forte, como se houvessem lhe esfaqueado no estômago. Apoiou-se nos braços de Kyung Soo que a segurou antes que suas pernas cedessem. Ouviu vozes ficarem cada vez mais distantes e sua visão rapidamente se escurecer à medida que perdia a consciência.
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Ga Yeong encarou o céu escuro. As nuvens despejavam uma chuva forte pelas ruas de Seul. Haviam pessoas transitando com pressa com seus guarda-chuvas em mãos e haviam alguns outros, um tanto azarados, que corriam para se abrigar em algum local. Suspirou, cansada, mas não lamentava por não ter trago seu guarda-chuva, aquele poderia ser um bom cenário para colocar para fora todas as lágrimas que esteve segurando até então. Mas porque não conseguia chorar?
De alguma forma, não lamentava pelo desfecho que teve com Kyung Soo. Na realidade, se sentia leve, livre, pelo menos em partes. Era como se houvesse posto um ponto final em uma história que nunca deveria ter começado, que se iniciou com uma paixonite adolescente de uma garota sofrida que havia se apegado à imagem de um homem perfeito. Era verdade que havia nutrido um sentimento de amor pelo mesmo, mas não era um sentimento por uma figura real. Só percebeu isso quando esteve diante do rapaz com um novo rosto, percebendo o quanto o homem de anos atrás havia a machucado tanto que quando o olhava novamente, agora sendo gentil e amável, a única coisa que conseguia se fazer era se sentir mais em dúvida sobre os seus próprios sentimentos em relação ao mesmo.
Aquele beijo havia sido apenas a confirmação disso, por mais que dentro de si mesma, tentasse lutar contra essa constatação. Havia precisado daquela confrontação para finalmente deixar aquele apego que tinha ao sentimento que havia construído por anos e anos e finalmente poder viver sua própria vida em função de si mesma. Entretanto, não podia dizer que estava totalmente bem com isso. Parte de si mesma ainda sentia a dor daquele rompimento e da dura realidade. Por mais que Kyung Soo a amasse agora, isso não significava que antigamente ele havia a amado alguma vez na vida. Na realidade, ela era para ele apenas o bilhete premiado para uma grande fortuna e duvidaria muito que seus sentimentos por ela mudariam se ela fossa a velha Ga Yeong que sempre foi. Era até ainda mais doloroso pensar que ela havia precisado mudar sua identidade pra finalmente ser amada por outra pessoa. Suspirou, percebendo que a chuva não daria uma trégua tão cedo.
– É hora de seguir em frente, Ga Yeong... – Disse para si mesma, talvez porque precisasse enfrentar a cascata que caía do céu ou por conta do desfecho daquela história.
Deu um passo para frente esperando que a água fria a atingisse, mas ao invés disso, apenas ouviu o som da chuva abafada acima de sua cabeça. Olhou para cima, encontrando um grande guarda-chuva preto. À sua frente, o dono do objeto exibia um sorriso gentil e acolhedor, característico do CEO da IT Tecnology. Apesar de toda a dor que carregava dentro de si mesma, apenas a presença de Lee Seung Ri ali, naquele momento em sentia que o mundo poderia desmoronar a qualquer momento, também a fez sorrir.
Capítulo XXVII
– Eu acho que eu acabei atrapalhando seus compromissos na agência... – Ga Yeong deslizou os dedos pela mochila em seu colo um pouco mais cheia que o normal.
Não havia levado muita coisa pessoal para o escritório, apenas alguns bubbleheads e porta objetos, por isso não viu necessidade de trazer uma caixa consigo. De certa forma havia sido até melhor, assim evitaria o constrangimento e o transtorno de levar suas coisas para casa debaixo da chuva. Por uma coincidência do destino, talvez, havia esbarrado com Seung Ri na entrada da agência e apesar de ter seus próprios compromissos, o rapaz havia se oferecido para lhe dar uma carona para casa. Mesmo se sentindo um pouco culpada por desviar o homem de seu caminho, acabou aceitando a oferta de bom grado, tanto por conta da chuva que castigava do lado de fora quanto por conta de sua companhia. Sem que houvesse percebido, em algum momento a presença de Seung Ri havia deixado de ser incômoda e agora era bastante agradável. Sentia-se confortável ao ponto de torná-lo um confidente para suas angústias.
– Bem... Eu não ia fazer nada de urgente, apenas estava passando por perto e resolvi ir lá... – Respondeu com um leve constrangimento.
Na realidade, sua intenção com a visita à agência era encontrar Se Young. Desde que havia retornado dos Estados Unidos, depois de sua conversa com Jack Hansen, havia decidido que iria revelar seus sentimentos à garota. Não queria se arrepender de guardar para si mesmo o que sentia, mesmo que Se Young ainda estivesse balançada por esse rapaz de sua juventude. Apenas precisou adiar os planos por conta da situação de sua irmã e o vídeo que estava circulando pelas redes sociais de seu sobrinho, mas já trabalhava arduamente para consertar aquele problema.
– Está dizendo isso apenas para eu não me sentir culpada. – A garota objetou fazendo o Seung Ri dar uma leve risada.
– Ora, eu não tenho culpa se todos os caminhos levam à Roma. – Brincou, fazendo uma analogia à Roma ser o prédio da agência de publicidade que ficava bem no centro de Seul.
Seung Ri parou o carro em um sinal vermelho e limpou o para-brisa que começava a embaçar por conta da diferença de temperatura dentro do carro. Abriu um pouco a janela traseira deixando que o ar frio e úmido entrasse. O homem não pôde deixar de notar a mochila que a garota trazia consigo e o semblante abatido. Apesar de tentar manter as aparências, como se estivesse tudo bem, o rapaz era bastante intuitivo e sentia que a mulher tentava segurar um grande peso em suas costas.
– Você foi demitida? – Perguntou um tanto cauteloso, não queria ser intrometido, mas talvez a garota precisasse de um ombro para desabafar.
Ga Yeong balançou a cabeça negativamente. Não estava surpresa pelo olhar perspicaz de Seung Ri, já havia constatado muitas vezes o quão observador e inteligente o mesmo era. Apesar de ter errado sobre ter sido demitida em sua suposição, ainda assim havia chegado bem perto do que realmente acontecera.
– Eu que pedi demissão. – Confessou. O rapaz a olhou surpreso por um segundo e então voltou seu olhar para a estrada. O semáforo sinalizou para seguir e o mesmo voltou a acelerar o veículo.
– Eu achei que você amasse aquele lugar. – Seung Ri falou, não escondendo sua surpresa pela decisão da mulher.
– Eu amava, apesar dos contratempos. – Admitiu, pensando por um momento em como sua supervisora dificultava seu trabalho. – Mas eu não aceitei o cargo com boas intenções, então eu não podia esperar que as coisas fossem dar certo.
Seung Ri franziu o cenho, virando em uma rua estreita. Já podia ver o portão de sua antiga casa no final da rua.
– Você fala como se houvesse cometido um crime inafiançável. – Comentou. Era como Ga Yeong se sentia, apesar de ter se sentido tão machucada quanto havia machucado outra pessoa também.
– É porque é como eu me sinto nesse momento. – Confessou.
O rapaz estacionou o carro em frente ao portão do enorme casarão. Tão logo desligou o automóvel, a garota se livrou do cinto e abriu a porta do carro, agradecendo a carona que o rapaz havia lhe oferecido de tão bom grado. Apesar da chuva ter diminuído, ainda caía bem intensa, fazendo com que a mulher acelerasse o passo para poder se abrigar em sua pequena quitinete. Abriu a porta com pressa, no entanto, antes que adentrasse o pequeno quartinho, ouviu o rapaz gritar seu nome – o outro nome – e se aproximar com pressa, até mesmo esquecendo seu guarda-chuva. Ga Yeong se virou para o mesmo, franzindo o cenho e protegendo os olhos contra a forte chuva que caía.
– Espera! – Pediu enquanto se aproximava. – Eu menti...
– O que? – Ga Yeong perguntou, confusa.
– Eu disse que eu menti. – Repetiu. – Quando eu falei que só estava de passagem pela agência, eu menti.
A garota se perguntou onde o rapaz queria chegar com aquele assunto, já que não entendia o porquê o mesmo queria revelar algo tão sem relevância.
– Eu fui te ver. – Confessou.
Ga Yeong deixou o braço pender, sentindo o coração falhar uma batida. Questionou-se o porquê aquelas palavras haviam a deixado tão nervosa a ponto de sentir como se seu peito fosse explodir. Porque ele queria vê-la? Quer dizer, porque estava ansiosa para saber o motivo? Porque em sua mente isso a deixava tão ansiosa?
– Me ver? – Repetiu, tentando processar aquela informação. Seung Ri assentiu com a cabeça, dando um passo à frente. A proximidade fazia com que o perfume amadeirado misturado com o cheiro da chuva invadisse as narinas de Ga Yeong.
– Sim... Eu queria te ver. – Falou, sentindo-se ofegante pela ansiedade. – Eu pensei muitas vezes em como falar isso e se eu deveria falar isso, mas... Por mais que eu pense que os seus sentimentos possam pertencer a outra pessoa, eu acho que eu deveria ser honesto com você sobre o que eu sinto. – Deixou que sua mão deslizasse pelo antebraço da garota até tomar sua mão entre seus dedos.
Ga Yeong fitou aquele contato tão delicado com nervosismo, partes porque seu coração parecia ansiar tanto por aquele momento, mesmo não entendo o motivo de se sentir assim, partes porque a possível resposta de Seung Ri a causava certo receio. Havia acabado de perder tanta coisa em tão pouco tempo – sua irmã, seu emprego e seu primeiro amor – que tinha medo de que as palavras do rapaz a fizessem embarcar em mais uma turbulência de emoções que poderia não ter estruturas para aguentar. “Por favor, não diga mais nada...”, pensou consigo mesma, suplicante, entretanto não conseguiu colocar seus pensamentos para fora. Apenas conseguia prestar atenção nas palavras do homem à sua frente.
– Eu estou apaixonado por você.
Ga Yeong sentiu o coração acelerar, as mãos suarem e a familiar sensação de ter borboletas em seu estômago. Seu cérebro não conseguia formular palavras, era como se houvessem apagado seus pensamentos, como uma lousa em branco. As únicas reações vindas de si eram seus pelos eriçados pelo contato, seus dedos pareciam em chamas onde as mãos de Seung Ri a segurava. Arrepios circulavam por suas costas quando sentiu o rapaz diminuir a distancia entre os corpos, numa menção bastante clara de suas intenções. Suas mãos a trouxeram mais para perto de si e a única coisa que pôde fazer foi se apoiar os braços fortes para não perder o equilíbrio. Suas pernas pareciam manteiga, mal conseguia se manter em pé diante de toda a intensidade que vinha do homem tão próximo a si. Sentiu os dedos envolverem sua nuca, o nariz encostar-se ao seu, uma demora que parecia tortuosa demais para si.
Tudo o que Seung Ri esperava era uma confirmação, um sinal claro de que podia avançar, de que a mulher o queria tanto quanto ele. Encarou os orbes escuros de Se Young, um pedido mudo para que pudesse seguir em frente. Em resposta à suplica do homem, a mulher apenas fechou os olhos esperando pelo o que estava por vir. Sentiu os lábios macios sob os seus, o gosto, a gotas de chuva se misturando ao beijo, o arrepio subindo pela espinha e explodindo em sensações quentes por todo seu corpo. As mãos pequenas se agarraram aos seus braços, puxando-o para mais perto, lutando conta a necessidade de buscar por um pouco de oxigênio. Apenas quando se separaram por conta falta de ar, pode ver com clareza o brilho nos olhos da mulher, viu medo, mas também viu desejo, uma confusão de tantas emoções embaralhadas.
Não soube o que esperar, não sabia se o empurraria ou se aceitaria seus sentimentos, mas qualquer que fosse o seu desejo, apenas o aceitaria. E num impulso, sentiu seus lábios serem tomados novamente, agora por iniciativa dela. O coração da garota batia tão forte que o rapaz podia senti-lo contra seu peito, como um tambor furioso e ritmado. Dessa vez, o beijo parecia mais desesperado, expressando toda a necessidade que tinham um do outro, o desejo que até então parecia ter sido reprimido por tanto tempo – um desejo que Ga Yeong sequer sabia que sentia por Seung Ri. Seus pés abandonaram o chão, entrelaçando suas pernas ao redor da cintura do homem quando o mesmo a pegou em seu colo. Seguindo apenas o instinto, deixou que o mesmo a levasse para dentro de seu apartamento,
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Han Na sentiu a cabeça latejar quando recobrou a consciência. A claridade a incomodava, mesmo com os olhos fechados. Quando decidiu abri-los, apenas os fechou rapidamente ainda mais incomodada com a claridade que vinha das luzes fluorescentes em seu quarto. Colocou uma mão sobre os olhos, preparando-se novamente para expor os orbes à luz. Primeiro mirou o teto de lã de vidro, bem diferente do teto de gesso desenhado de seu apartamento luxuoso. Logo depois olhou em volta, percebendo-se em um quarto particular de hospital até bastante cômodo. Havia um cateter intravenoso conectado a seu braço que injetava soro diretamente em sua corrente sanguínea. Apesar de encontrar-se sozinha no quarto no momento em que havia acordado, o blazer sobre a cadeira ao lado de sua cama indicava que alguém a acompanhava e pelo tecido de boa qualidade, sabia bem que era Kyung Soo o seu acompanhante.
Depois de repassar em sua cabeça o que havia acontecido para acabar naquele estado, lembrou-se do que acontecera momentos antes de desmaiar. A notícia sobre a bendita estagiária ter finalmente saído de seu caminho provavelmente havia a impactado mais do que esperava. Os últimos dois dias a havia deixado com os nervos à flor da pele, sentir que poderia ser abandonada e trocada por uma mulherzinha qualquer havia a deixado tão ansiosa que havia afetado até mesmo sua saúde. As tonturas e a fraqueza do tratamento não a ajudavam muito e passar por todo aquele estresse apenas havia feito com que se sentisse ainda pior. Não a admirava que houvesse desmaiado, nem mesmo seu corpo havia aguentado passar por toda aquela onda de emoções.
Entretanto, sentia que não deveria manter a guarda baixa. Não sabia exatamente o que acontecera entre os dois antes de chegar à empresa. Será realmente que Cha Se Young – ou melhor, Park Ga Yeong – não tinha interesse em Kyung Soo, em sua fortuna ou qualquer coisa que seja? Será que em algum momento ela poderia retornar e tentar tomar Kyung Soo de si? Ou pior, será que Kyung Soo realmente havia desenvolvido sentimentos por essa mulher como suspeitava que o mesmo tinha? Aquelas hipóteses a faziam suar frio e pior do que aquilo era sentir que aquilo a atingia num nível que a deixava machucada por dentro, como se o motivo de querer Kyung Soo fosse por um motivo além de sua fortuna. Por mais que não quisesse admitir, havia se apaixonado por aquele homem e a ideia de perdê-lo para outra mulher a assombrava noite após noite.
Ouviu a porta se abrir num deslizar quase silencioso. O rapaz que povoava seus pensamentos entrou no quarto e tinha um crachá colado à blusa de linho que usava. Provavelmente havia saído do quarto por alguns instantes comprar algo para beber enquanto esperava que recobrasse sua consciência. Tão logo o olhar do homem pousou sobre si, o mesmo se aproximou e se sentou na cadeira onde havia deixado o seu blazer.
– Pensei que não acordaria ainda hoje. – O tom distante parecia denotar um pouco de preocupação, apesar do mesmo não querer transparecer isso. Han Na havia aprendido a ler o rapaz com o tempo, nem sempre o mesmo era claro com suas intenções, mas havia aprendido a perceber algumas de suas manias.
– Provavelmente ficaria feliz se eu não acordasse. – Respondeu, sentindo-se um pouco cansada. Tentou se sentar, sendo impedida pelo rapaz.
– Fique deitada, você perdeu sangue vindo para cá. A médica disse que precisava fazer exames antes de dar uma resposta sobre a sua condição.
A mulher não pode deixar de ficar surpresa. Sangue? Por qual motivo? Havia batido em algum lugar ao perder a consciência ou algo do tipo? Não sentia dores por cortes, então por que havia sangrado? Kyung Soo percebeu a confusão no rosto da noiva, parecendo estar perdida sobre os acontecimentos daquele evento.
– Você desmaiou de repente, eu a segurei antes que caísse e então você começou a sangrar. – Falou. – Eu a trouxe ao hospital e os médicos disseram que você precisaria passar por alguns exames antes de dizerem o motivo pelo qual você desmaiou, mas a hipótese inicial é por estresse ou choque. Só saberemos mais depois do resultado do exame.
– Há quanto tempo eu estou apagada?
– Acho que meia-hora, não tem tanto tempo. – O rapaz olhou o relógio e então pegou o celular. Sob o olhar atento da mulher, colocou o blazer no encosto de sua cadeira.
– Você vai embora? – Han Na perguntou, mesmo que fosse bem explicito a intenção do rapaz.
– Você já acordou, acho que não preciso ficar mais tempo.
– Eu desmaiei... – Disse a mulher, estupefata.
– Eu sei e eu que a trouxe aqui. – O homem respondeu como se dissesse o óbvio.
– Será que é pedir demais que fique aqui enquanto eu estou acamada? – Esbravejou Han Na.
Queria jogar alguma coisa na cabeça daquele imbecil para que entendesse que não queria ficar sozinha naquele momento. Ele era o seu companheiro, por mais que os motivos para que estivessem juntos fossem os mais questionáveis possíveis, mas ainda assim queria ao menos que o homem mostrasse ao menos uma migalha de afeto, o suficiente para que ao menos permanecesse ao seu lado por algumas horas. Kyung Soo suspirou parecendo, por algum milagre, entender o porquê a mulher tanto batia o pé para que o mesmo ficasse. Ao mesmo tempo, sabia que se ficasse ali seria inevitável surgir uma nova discussão sobre o que havia acontecido em sua sala com Ga Yeong.
Han Na iria querer dissecá-lo atrás de respostas e o homem, querendo ou não, ainda não estava pronto para uma nova discussão. Sua mente parecia embaralhada frente aos recentes acontecimentos: a revelação sobre a paternidade de Ga Yeong, os sentimentos turvos que carregava consigo... Eram tantas informações que sua cabeça parecia que iria entrar em pane. E o beijo em seu escritório só havia tornado tudo ainda mais confuso. Por mais que seus sentimentos parecessem indicar que seu coração havia sido arrematado por sua estagiária, ex-empregada ou seja-lá-mais-o-quê mais a mesma fosse, quando a beijou simplesmente percebeu que não havia nada de especial entre os dois. Era como se houvesse tido a confirmação de que havia se enganado e todo o vislumbre que havia sentido pela mesma era uma mera ilusão. A rejeição da mulher também não havia sido tão dolorosa quanto esperava que fosse ser e a mesma deixar sua agência não o deixou amargurado como acreditava que o deixaria.
– Algumas horas fora do trabalho não irão fazer sua empresa ir à falência. – A mulher comentou com escárnio.
O homem voltou a se sentar na cadeira com um ar cansado e distante. Esperava que a mulher viesse lhe questionar, mas a mesma permaneceu em silêncio. O som de passos e das macas passando pelo corredor abafado pela porta fechada era o único barulho que preenchia o quarto.
– Não vai perguntar nada? – Kyung Soo quebrou o silêncio, sentindo-se incomodado por ser deixado com seus próprios pensamentos.
– Você me responderia se eu perguntasse? – Han Na rebateu com ironia. Ao ver o rapaz se remexer na cadeira, não pôde conter a curiosidade. – Foi ela quem decidiu sair da agência ou foi você quem a demitiu?
– Ela saiu porque quis... – Respondeu, mirando um ponto no horizonte.
– Você contou à ela sobre o testamento?
O rapaz afirmou.
– Eu deixei escapar, mas esse não foi o motivo dela ir embora. – Respondeu. – Ela se sentia culpada por ter me enganado.
– Eu deveria comemorar por ela ter uma consciência decorosa. – Foi irônica. Se os papéis fossem invertidos e a mulher estivesse no lugar da garota, não pensaria duas vezes em se agarrar ao homem e à sua fortuna.
– Até mais do que pensa. – O rapaz falou, deixando a mulher em alerta. Havia algo mais que o mesmo não havia dito. Han Na encontrou o olhar de Kyung Soo que parecia tão perdido em pensamentos. – Ela é filha do Hwa Hae Myung...
Os olhos da mulher se arregalaram diante daquela revelação, finalmente entendo o porquê o nome daquela mulher desconhecida estava no testamento do patriarca da família Hwa. Uma filha bastarda que mancharia o nome da tão perfeita família Hwa, donos de um império de lojas bem sucedidas internacionalmente. O quanto aquela garota devia ser tão estimada pelo pai adotivo de Kyung Soo para que ele a colocasse em seu testamento? Ou então será que ele havia sido ameaçado a tal pela mãe da garota? Ou talvez até pela mesma, afinal a garota havia até mesmo se passado por outra pessoa para se aproximar do homem ao seu lado.
– Ela vai reclamar a herança? – Han Na não pôde deixar de perguntar. Ela tinha o direito, afinal, sendo ou não uma bastarda, o sangue dos Hwa corria em suas veias.
– Ela não quer. – Kyung Soo respondeu. – Ela não quer nada que venha dessa maldita família. Eu disse a você, a intenção dela nunca foi se aproximar por dinheiro, ela tinha sentimentos por mim... Pelo menos, no início ela tinha. Ela queria se vingar e fazer com que eu me apaixonasse por ela, depois me abandonar como ela fez... Só que algo aconteceu nesse meio tempo e ela não conseguiu ir em frente com seus planos. – O rapaz passou uma mão pelos cabelos escuros, o olhar distante. – E no final, ela não sentia mais nada por mim e decidiu ir embora por si mesma.
– E você? – Han Na questionou, tocando no único ponto em que o rapaz queria evitar. – Você gosta dela, não é?
A pergunta soara como uma confirmação, apesar de seu tom denotar que havia alguma insegurança que Kyung Soo percebeu quase que imediatamente. O homem se levantou, sentindo-se desconfortável por tocar naquele assunto.
– Kyung Soo! – A mulher foi mais firme ao cobrar-lhe a resposta.
Antes que o rapaz tomasse qualquer decisão sobre o que responderia ou não, a porta do quarto se abriu com um arrastar quase surdo e duas pessoas com longos jalecos entraram na sala. A atenção do casal se prendeu aos dois que pareceram se esquecer do assunto que tratavam anteriormente. Um dos médicos se aproximou com uma prancheta em mãos, verificando a condição da mulher antes de continuar com o que estava falando.
– Acabamos de receber o resultado do teste, então temos uma ideia mais clara do que pode ter acontecido. – Revelou e destacou um papel da prancheta, entregando-o à Kyung Soo. – Fizemos o teste Beta hCG e o resultado foi positivo, então o sangramento pode estar relacionado a isso. O importante agora seria fazer alguns exames para saber se está tudo bem com o feto.
– Espera... Feto? – Han Na questionou sem reação. Kyung Soo franziu o cenho, seu olhar alternando-se entre os médicos e a mulher acamada que parecia tão surpresa quanto o mesmo.
– Sim... A senhora está grávida...
Capítulo XXVIII
Ga Yeong buscou um copo no armário tentando fazer o mínimo de barulho possível para não acordar o homem que dormia em sua cama. Pegou uma garrafa na geladeira e encheu o copo com a água gelada até a metade, entornando o líquido em sua boca de uma só vez. Olhou para as gotículas que deslizavam pelo vidro perdida em seus pensamentos. Não podia parar de se culpar, afinal, como podia simplesmente ter ido para a cama com o seu cliente? Tudo bem, eles não tinham mais uma relação de trabalho, mas ainda assim os dois eram como estranhos um para o outro, certo? Por mais que houvessem tido alguma aproximação nos últimos meses em que estivera trabalhando na produção do comercial do mesmo, sentia que era errado ter se envolvido com Seung Ri.
Por Deus, havia beijado Kyung Soo há apenas algumas horas atrás, então por que... Seu corpo e sua mente, tão de repente, pareciam desejar voltar aos braços de Seung Ri imediatamente? Era carência? Ou então, era porque o homem havia sido tão gentil consigo? Porque simplesmente o desejara tão intensamente ao ponto de perder os sentidos? Porque se sentira tão eufórica quando o mesmo havia lhe dito que estava apaixonado? Voltou a encher o copo com água esperando que o líquido clareasse seus pensamentos. “Um copo de vodca provavelmente faria mais efeito”, não pôde deixar de ponderar, desgostosa. Não sabia o que pensar de si mesma, o quão desesperada devia estar para permitir que chegasse a tal ponto. E pior, o que o Seung Ri pensaria sobre a mesma ao se deixar levar daquela maneira?
Deveria estar acabada, destruída. Sua irmã havia partido há apenas cinco dias, havia descoberto que seu pai biológico é o pai adotivo do homem que suspostamente deveria amar, mas que até então havia descoberto que não possuía mais sentimentos, além de que o motivo de seu primeiro amor apenas ter a pedido em namoro fora por causa de um testamento que o permitiria ter acesso a uma extensa fortuna. Eram tantas coisas para se processar e que a desolavam, mas seu coração parecia querer se desviar de toda aquela dor da pior forma, usando Seung Ri para amenizar toda a angústia que sentia. O rapaz não merecia aquilo, havia sido tão gentil e bondoso desde a primeira vez que haviam se esbarrado e parecia possuir um bom coração, tendo sido tão atencioso e a permitido se abrir com o mesmo, escutando-a sem qualquer preconceito e julgamento. Como poderia brincar com os sentimentos tão genuínos que o mesmo possuía por ela?
Céus, onde estava com a cabeça quando deixou que as coisas chegassem àquele ponto? Como poderia ser honesta com o homem que dormia em sua cama? Seus pensamentos deixavam-na cada vez mais ansiosa e angustiada. Sentiu o peito apertado quando respirou fundo, precisava ser honesta o quanto antes. Deixou o copo sobre a bancada, aproximando-se da cama novamente, sentando-se sobre a mesma com cuidado. O rapaz se remexeu levemente, mas não acordou. Analisou o corpo bem trabalhado coberto até a cintura pelos lençóis, a marca da vacina no braço direito, uma pequena cicatriz entre o dedo anelar e o mindinho, cada pequeno detalhe sendo memorizado e registrado em sua memória. “Céus, o que está pensando, Ga Yeong!”, desviou o olhar, balançando a cabeça em seguida. A cama balançou com um pouco mais que antes, fazendo o homem se remexer novamente, dessa vez o acordando.
Seung Ri se espreguiçou, sentindo os músculos resistindo e logo relaxando. Abriu os olhos preguiçosamente, olhando ao redor, dando-se conta de onde estava. Assim que seu olhar se fixou na mulher sentada na ponta da cama, não pôde evitar que um sorriso surgisse em seu rosto. Esfregou os olhos como se o gesto fosse dispersar o sono que sentia.
– Eu acabei apagando, desculpe... – O rapaz falou logo enterrando o rosto no travesseiro. Havia estado tão ocupado desde o dia anterior que nem ao menos havia tido tempo de descansar depois da viagem. Depois dos momentos que havia passado com Se Young, acabou por pegar no sono rapidamente. – Eu estava um pouco cansado por conta de alguns outros assuntos, mas... – o rapaz se sentou na cama, aproximando-se da mulher – Eu acho que foi uma boa ideia ter vindo te ver, no fim das contas.
Ga Yeong se encolheu ao sentir o toque dos dedos quentes em sua face, preocupando-se em tirar alguns fios que atrapalhava a visão do rapaz de seu rosto. Seus olhos fitavam um ponto no chão, o que fez Seung Ri ponderar se havia algo de errado, afinal a mulher parecia retribuir seus sentimentos, mesmo que não houvesse dito com palavras o sentia, então porque a garota parecia reagir como se apenas a sua presença a incomodasse? Será que havia feito algo errado? Será que havia se arrependido? Não pôde deixar de se sentir incomodado pela mulher não o fitar nos olhos e rejeitar o seu toque.
– Se Young... – O rapaz a chamou, com um tom brando, porém sério.
Ga Yeong mordeu o lábio ouvindo o nome falso que havia adotado. Abraçou as próprias pernas, encolhendo-se tamanha a culpa que sentia. Como poderia encará-lo depois do que havia feito? Como poderia lhe dirigir a palavra? Como poderia ser honesta com alguém que fora tão bom consigo? A culpa a atormentava e fazia com que o arrependimento se transformasse em um peso tão grande que formava um bolo em sua garganta, parecia que a queimava por dentro e deixava tão desolada que a única coisa que podia fazer era chorar. As lágrimas lhe escorreram pela face sem que sequer se permitisse cair em prantos.
– Me desculpe... – Foi a única coisa que conseguiu pronunciar, como um balbucio aéreo.
– Porque está pedindo desculpas? – O rapaz se aproximou um pouco mais, pousando uma de suas mãos em seus ombros cobertos. – Se... Se não se sentia preparada ou se... Você ainda pensa em outra pessoa, eu quem deveria ter esperado o seu tempo. – Tentou tranquiliza-la. – Além disso, você saiu do seu emprego, eu não podia achar que você estaria bem e...
– Não, a culpa não é sua... É minha... – A garota o interrompeu, sentindo o coração se apertando. O seu maior medo era decepcionar o homem que tentava a acolher naquele momento, que estava tão alheio aos conflitos que a afligiam. – Eu sou culpada... Se eu não fosse tão... Egoísta, se eu não tivesse feito essas escolhas, eu não estaria machucando tantas pessoas agora... Eu não me machucaria como estou machucada...
– Se Young, eu não... – Antes que o rapaz pudesse continuar, a garota o interrompeu novamente, levantando-se da cama, falhando em se recompor limpando as lagrimas que teimavam em cair de seus olhos.
– Meu nome não é Cha Se Young! – Revelou, atraindo o olhar surpreso do homem diante de si. – Eu me chamo Park Ga Yeong... E eu sou uma farsa completa...
O semblante confuso do homem a aterrorizava. Não sabia o que se passava em sua mente, mas podia imaginar. Não havia como voltar atrás naquele momento, precisava dizer a verdade. Assim como havia sido honesta com Kyung Soo, Seung Ri também precisava saber o tipo de pessoa que havia arrebatado seu coração.
– Eu fingi ser alguém que eu não era pra me aproximar do Kyung Soo. Eu queria me vingar dele por ter me abandonado... Queria vê-lo destruído e amargurado, mesmo sabendo que eu poderia machucar a noiva dele no caminho, mesmo que ela não tivesse culpa pelas minhas mágoas... – Confessou entre soluços. – Eu fui uma idiota porque eu ainda tinha sentimentos... Eu ainda gostava dele e ao mesmo tempo sentia tanta raiva... Eu sei que eram desculpas no fim de tudo e eu sei bem que o que fiz foi errado... Mas eu não posso viver sabendo que as minhas mentiras podem machucar mais alguém...
Um silêncio desconfortante se instalou no cômodo, apenas os soluços de Ga Yeong podiam ser ouvidos. Ambos pareciam perdidos em seus próprios pensamentos. Enquanto a Ga Yeong temia a reação de Seung Ri, o homem, por sua vez, tentava digerir o que a mulher havia acabado de lhe revelar. Uma vingança amorosa, um nome falso, era difícil entender as peças daquela história. Saber que a garota à sua frente havia se aproximado com intenções tão profanas do presidente da CS Publicity era algo que parecia irreal para si. A imagem que havia pintado sobre Se Young – ou melhor, Ga Yeong – era de alguém que não seria capaz de fazer algo tão maldoso.
– Então... Quando você falou sobre o seu primeiro amor e sobre ter se reencontrado com essa pessoa, naquele dia na quadra... Você estava falando sobre o Hwa Kyung Soo? – Apesar da pergunta, aquilo soara como uma confirmação. O tom de voz do homem denotava o quanto se sentia magoado.
– Era, mas... – Antes que pudesse continuar, o rapaz a interrompeu.
– E você disse que ele não a reconheceu, mas na verdade você o enganou, não foi?
– Seung Ri, eu... Eu... – O rapaz deu uma risada desgostosa, um misto de indignação e incredulidade.
– Céus, e eu achei... Que você ao menos fosse diferente... – O homem se levantou, procurando as roupas molhadas pelo chão do quarto.
– Seung Ri, ao menos deixe-me explicar os meus motivos... – A mulher o seguiu, assim que tentou tocar-lhe o ombro desnudo, o rapaz se afastou como se sentisse nojo.
– Explicar? Explicar o que? Que você queria destruir a felicidade de outra pessoa só porque não aceitava uma rejeição ou seja lá o que vocês tiveram tinha acabado? – As palavras de Seung Ri a atingiram como um soco direto no estômago. – Acredita mesmo que os seus motivos justificam isso?
A pergunta a deixou paralisada por um segundo. Havia refletido muitas e muitas vezes sobre isso, muitas e muitas vezes quis voltar atrás em seus planos por isso também e era exatamente por esse motivo que se sentia extremamente culpada e envergonhada por suas atitudes.
– Não, eu não acho... – Admitiu. – Por isso eu quis dizer a toda verdade, por isso eu queria dizer ao Kyung Soo quem eu era e por isso eu queria te contar tudo!
– Não tem necessidade, eu já entendi tudo. – O rapaz a cortou, colocando os jeans escuros apressadamente. – Eu entendi que você é uma louca e que mentiu pra mim, é o suficiente!
– Eu não quis mentir pra você! – Falou em um fiapo de voz.
– Caramba, eu nem sabia o seu nome verdadeiro! – O quarto pareceu estremecer quando o rapaz ergueu a voz. – COMO você não quis mentir pra mim? Eu me abri com você! Eu falei sobre a minha vida contigo, os meus sonhos!
– E eu não menti sobre os meus! Eu fui sincera sobre isso, eu juro!
O rapaz pousou uma mão sobre a testa, o olhar distante e deixou escapar um suspiro pesado antes de voltar a encarar a mulher que ainda chorava ao seu lado. Parte de si queria apenas ignorar tudo o que ouvira há minutos atrás e toma-la em seus braços, fingindo que não havia qualquer problema naquilo. No entanto, não podia simplesmente passar panos quentes sobre o assunto.
– Eu não acredito em você... – Foi a última coisa que Ga Yeong ouviu antes que o rapaz abandonasse seu pequeno apartamento.
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Han Na sentiu os pêlos de seu braço se arrepiarem quando ouviu o tambor forte e rápido vindo do aparelho de ultrassom. Na tela havia um amontado de borrões preto e cinza, praticamente indistinguível, onde muito mal dava para se reparar em uma pequena manchinha numa das laterais da imagem. Era estranho pensar que aquela bolinha iria crescer, ganhar braços e pernas e em alguns meses estaria em seus braços. Quando iniciou seu tratamento para tentar engravidar, seu único pensamento era em como poderia usar aquela criança como uma garantia a uma pensão pelos próximos dezoito anos, mas agora estava em dúvida como se sentia sobre o bebê.
Han Na não havia sonhado em se tornar mãe, mas agora que uma nova vida crescia em seu útero se questionava sobre sua vontade de ter um filho. Sua doença dificultava suas chances de engravidar, então se desistisse da gravidez, poderia não ter outra chance de gerar um bebê novamente. Isso a incomodava mais do que o esperado, ainda mais por conta de sua relação estremecida com Kyung Soo. Pela primeira vez na vida, Han Na desejava construir uma família, e não por conta do lucro que poderia ter com isso, mas porque havia surgido em si um sentimento de incompletude. A ideia de não ter esse filho e de não ter Kyung Soo ao seu lado a apavorava mais do que imaginava.
– Vocês conseguem ver? Esse é o bebê. – A médica apontou para a tela no local onde a manchinha estava. – Ele deveria estar totalmente posicionado na parede do útero, mas ele está um pouco deslocado aqui.
– O que isso significa? – Kyung Soo perguntou com o cenho franzido. Han Na podia ver o quanto o rapaz parecia ansioso, mesmo que tentasse disfarçar por trás de seu jeito despreocupado.
– Bom, que houve um descolamento do saco gestacional. – A médica explicou. – Não foi um descolamento total, pelo que dá para ver, mas é uma situação um pouco delicada. A senhora vai precisar ficar em repouso absoluto por algumas semanas, além de precisar tomar medicamentos. Fora isso, acho que pode ter alta ainda hoje. Se seguir todas as recomendações médicas, se recuperará bem.
Han Na sentiu-se aliviada, apesar da gravidez ainda ter riscos. Assim que a médica terminou de usar a máquina de ultrassom, logo solicitou que uma das enfermeiras imprimisse os exames e as fotos da ultrassonografia. Não demorou muito para que Han Na estivesse novamente em seu quarto de hospital, apenas esperando para os últimos atendimentos e o aval da médica para poder voltar para casa. Isso é, se Kyung Soo não demonstrasse ter qualquer problema com isso. Durante toda a consulta com médica, o rapaz havia ficado bastante calado e distante, salvo algumas vezes que havia feito uma pergunta ou outra à doutora, o que deixava Han Na um tanto angustiada por não poder prever qual seria o rumo que a relação dos dois tomaria, ainda mais com uma criança à caminho.
Kyung Soo, por sua vez, se via tão em conflito quanto sua noiva. A última coisa que queria era ter que se preocupar com mais um problema enquanto precisava lidar com tantas coisas de uma única vez. Os seus pensamentos pareciam estar em um redemoinho de emoções, não sabia bem o que estava sentindo e agora com a notícia de que Han Na carregava seu herdeiro em seu útero o deixava ainda mais angustiado. Kyung Soo já havia pensado algumas vezes sobre ser pai, mas não era seu desejo. Desconfiava que poderia ser o pior tipo de pai que existia, afinal, seu próprio pai foi para ele o tipo de pai que não desejaria para nenhum filho. Como poderia ser alguém diferente de seu pai se nunca aprendeu de fato como era receber o mínimo de amor paternal?
No entanto, não podia negar que assim que ouviu os batimentos na máquina de ultrassom, seu único desejo foi de saber se aquele pequeno ser corria algum risco de desaparecer. Um sentimento de querer proteger a criança que crescia no útero de sua noiva havia surgido em si e estar de mãos atadas, sabendo que o máximo que poderia fazer era esperar que Han Na tivesse uma recuperação sem muitos problemas o deixava frustrado.
– Eu não vou me desfazer do bebê. – Han Na pronunciou depois do longo tempo em silencio.
– O que? – Kyung Soo franziu o cenho, confuso.
– Eu não vou me desfazer do bebê. – A mulher repetiu sendo firme em sua decisão.
– O que a faz pensar que eu a pediria para fazer um aborto? – O rapaz a olhou com os braços cruzados. A pergunta do rapaz a surpreendeu.
– Eu achei que... – Han Na não concluiu os pensamentos. Não queria admitir que estava receosa sobre o rapaz não querer continuar seu relacionamento com ela. – Você nunca quis ter filhos, por isso.
– Eu não me imagino sendo pai, apenas isso. – O homem admitiu. – Eu não tive a melhor criação paterna, não teria jeito com crianças.
E então Han Na entendeu o temor do rapaz. Ele tinha medo de ser como o seu pai que sempre lhe faltou com amor, carinho e compreensão. Talvez, no fundo, ele quisesse ter uma família assim como ela, ele queria um filho para completá-lo.
– Mas você não é o seu pai. – Han Na respondeu, atraindo a atenção do homem. – Você vive na sombra desse homem, tentando alcançar o modelo perfeito de filho que ele queria. Quando você vai viver por você mesmo?
O questionamento de Han Na fez com que Kyung Soo refletisse sobre suas palavras. Por muitos anos havia tentado de todas as formas ser o filho que Hwa Hae Myung desejava. Até mesmo quando se rebelava, esperava ao menos uma forma de se conectar com seu pai desesperadamente, mas nunca houve qualquer reciprocidade de seus sentimentos. E agora, meses depois do falecimento de seus pais, ainda duvidava de si mesmo e se julgava pelos padrões que seu pai havia estabelecido como um filho perfeito.
– Você vai ser um bom pai, eu não duvido disso. – Han Na confirmou, ajeitando-se mais confortavelmente na cama. – Mas... Como nós ficamos?
Aquela era a maior dúvida entre os dois. Depois de tantas descobertas e de tantos golpes naquela relação, era provável que não seguissem juntos depois daquilo. Kyung Soo se recostou na cadeira, pensativo.
– Eu não sei. – Foi sincero.
– Provavelmente você deve ir atrás da estagiária de novo... – A mulher constatou com desdém. – Você gosta dela.
– Eu não gosto dela... – Kyung Soo falou, fitando as próprias mãos. – Eu não sei bem o porquê... Eu achei que tinha sentimentos, mas na realidade eu não sentia nada... Eu não fiquei mal quando ela me rejeitou e nem fiquei triste quando ela foi embora... Talvez fosse só... Um sentimento de querer conquistá-la ou algo do tipo, um entretenimento, sei lá. No final, eu quem fui feito de palhaço... Mas eu mereci.
– É estranho ver você arrependido de alguma coisa... – Han Na confessou, virando-se de costa para o rapaz e cobrindo-se até a altura dos ombros. – Se você não vai atrás dela, então... Ainda vamos prosseguir com o casamento?
– Era esse o plano, afinal de contas. – Kyung Soo assentiu, levantando-se da cadeira e rumando para a pequena geladeira no quarto para pegar uma garrafa de água. – Eu não estou disposto a desistir da minha herança, mesmo que eu precise ceder alguma coisa dessa vez. – Falou, prevendo que Han Na poderia pedir alguma alteração no contrato nupcial, agora que a mesma sabia sobre o prazo e o quanto estava em jogo naquele casamento.
A mulher, entretanto, não pôde se sentir mais ferida pela insinuação do rapaz. Por mais que ele até mesmo tivesse motivos para desconfiar que o motivo de estar falando sobre o casamento seja por conta de sua fortuna, daquela vez Han Na estava mais preocupada sobre como poderiam prosseguir de fato como um casal. Sentou-se novamente na cama, bufando com indignação.
– O único motivo pelo qual você quer se casar comigo é por conta da sua herança?
Kyung Soo poderia ter confirmado, mas não estava realmente certo sobre isso. Talvez o tempo de convivência e a maneira como os dois lidavam um com o outro havia feito com que o rapaz desenvolvesse algum afeto pela mesma, o suficiente para dizer que o gostava de tê-la por perto. Era conveniente para ele, apenas isso... Pelo menos era o que gostava de pensar. Voltou a sentar-se na cadeira ao lado da cama, abrindo a garrafa e bebendo um pouco do líquido.
– Desse jeito, faz até mesmo parecer que está apaixonada por mim. – O rapaz respondeu com escárnio, fazendo a mulher bufar novamente e voltar a lhe dar as costas.
– Eu queria te odiar nesse momento... – Han Na praguejou, sentindo-se mais mexida do que o esperado com as palavras sarcásticas do rapaz.
Sentiu a mão do rapaz sobre seus cabelos, fazendo uma leve carícia no topo de sua cabeça.
– Talvez... – O rapaz respondeu sem maiores explicações, deixando o coração de Han Na acelerado sobre a expectativa do homem querer estar com ela por algo além do dinheiro de sua família.
Capítulo XXIX
– Ga Yeong? – So Ra chamou pela amiga, adentrando sua pequena quitinete. A porta estava entreaberta e o quarto estava mergulhado na penumbra.
Tateou a parede até achar um interruptor, ligando-o. Assim que o cômodo se iluminou, logo viu um grande caroço se remexer sob as cobertas. Os cabelos escuros de Ga Yeong eram a única coisa fora daquele amontoado de roupas de cama que parecia querer se esconder de qualquer fonte de luz. So Ra apenas suspirou aliviada, vendo que sua amiga provavelmente estava apenas dormindo. Largou as compras sobre a pia, que ainda tinha algumas louças que havia deixado antes de sair. Tendo em vista que a quantidade de pratos não havia aumentado, diminuído ou sequer parecia ter sido mexido, logo percebeu que a amiga não havia comido o dia inteiro. Muito provavelmente apenas teria tomado o café da manhã que havia tido que insistir para que a garota tomasse antes de se arrumar para sair.
Voltou sua atenção para a cama, sentando-se na beirada. Não sabia bem como abordar Ga Yeong. Parte de si queria deixá-la daquela maneira por pena de acordá-la de seu sono. Provavelmente estava tão cansada que precisava daquele descanso, sem contar que não fazia ideia de como havia sido sua conversa com Kyung Soo. Tinha receio que o mesmo a houvesse tratado mal, ainda mais com a perda tão recente de Ga In. Ainda assim, a outra parte de si queria tirá-la de seu sono para que pudesse saber como estava e se precisava de assistência, afinal, havia passado um dia inteiro sem comer, o que se tratando de sua amiga já era algo bem fora do comum. Antes que resolvesse seu embate interno, ouviu um fungar baixo sob as cobertas, chamando sua atenção.
– Ga Yeong? – A garota se encolheu ainda mais sob os cobertores, fungando mais uma vez. – Ga Yeong, está chorando?
So Ra afastou os cobertores de Ga Yeong, fazendo a mulher revelar a face avermelhada, inchada e molhada pelas lágrimas. Não se conteve ao envolver a garota num abraço acolhedor fazendo com que a outra voltasse a chorar com a mesma intensidade de antes.
– A conversa com o Kyung Soo foi tão ruim assim? Ele a tratou mal? – So Ra perguntou. – Ah, amiga, eu sabia que não era o melhor momento para você ir falar com ele...
– Não... Não é isso... Eu... – Ga Yeong tentou se explicar entre soluços, perdendo-se nas palavras. – Céus, eu sou uma imbecil!
Levou algum tempo para que a mulher conseguisse se acalmar o suficiente para conseguir processar os próprios pensamentos. Todos os recentes acontecimentos a deixaram desnorteada e desconexa do mundo. Por mais que tentasse dizer como se sentia, era difícil definir. Uma mistura de diversas emoções a acometia ao mesmo tempo, deixando-a à beira das lágrimas toda vez que voltava a pensar sobre o que havia acontecido, principalmente pelas últimas palavras de Seung Ri que estavam carregadas de repulsa e decepção.
Um copo de sorvete pousou em suas mãos assim que So Ra tomou o seu lado na cama debaixo das cobertas. O tom rosado da calda de morango fazia uma combinação que parecia saborosa em conjunto com o tom escuro do sorvete de chocolate, seu sabor favorito. Entretanto, mesmo que em qualquer dia comum sua sobremesa predileta lhe prendesse o apetite, naquele dia o sorvete lhe parecia menos apetitoso que o normal.
– Por Deus, coma pelo menos uma colher. – So Ra insistiu com um bico nos lábios. A garota suspirou, um tanto contrariada, mas deu uma colherada no sorvete e o comeu, sentindo a sobremesa derreter em contato com o interior quente de sua boca. – Quer conversar sobre o que houve com o Kyung Soo?
Ga Yeong enfiou a colher dentro do sorvete com o olhar distante. Por mais estranho que fosse, era algo inédito para a mulher que Kyung Soo não fosse a pessoa que povoava os seus pensamentos naquele momento. Havia nutrido mais de dez anos de sentimentos platônicos pelo homem, desde a sua adolescência até o momento atual. Dar-se conta de que tal sentimento havia evaporado como fumaça em poucos meses (ou sabe-se lá quando realmente deixou de gostar do rapaz) a fazia se sentir estranha.
– Não foi exatamente o que eu esperava... Ou pelo menos, eu não me senti da maneira que eu esperava... – Ga Yeong confessou. – Eu falei a verdade sobre tudo... Sobre minhas motivações, minha mágoa, a raiva, a vingança... Contei sobre minha paternidade...
– E como ele reagiu? – So Ra perguntou, curiosa.
– Ele ficou surpreso, é claro... Mas... – A mulher suspirou. – Ficou explicado o motivo pelo qual ele me pediu em namoro quando eu ainda era gorda. – So Ra a fitou com expectativa. – O pai dele fez um testamento que o obrigava a se casar comigo para obter a herança dele... Ele só se aproximou por causa do dinheiro...
– Oh, céus! – A garota exclamou, chocada, mas não surpresa. Sempre havia desconfiado das intenções de Kyung Soo, mesmo que sua amiga apenas o visse como um perfeito cavaleiro. – Eu sabia que tinha coisa errada!
– É... Eu fui idiota por ter sido cega... – Ga Yeong fitou o pote em suas mãos, sentindo-se machucada. – Mas eu mereci, também fui uma cretina.
– Amiga, você não merecia isso... Quem merecia estar na merda agora era aquele crápula do Kyung Soo! – So Ra tentou reconfortá-la.
– Não, eu mereci isso... – Ga Yeong sentiu um bolo característico se formar em sua garganta, o nariz ardendo pela iminência do choro. – Eu fiz tantas coisas ruins... Eu machuquei as pessoas por causa de um sentimento tão podre...
– Ga Yeong... Se você está se sentindo mal por causa do Kyung Soo... – So Ra foi interrompida por Ga Yeong.
– Eu estou falando do Seung Ri... – So Ra a olhou confusa, o cenho franzido apesar da surpresa.
– O senhorio? Como assim? Não entendi onde ele entra nessa história. – A mulher falou, sentindo-se perdida.
Então Ga Yeong contou tudo desde o início, desde as falas de Kyung Soo, sobre o rapaz declarar seus sentimentos, o beijo, a constatação de seus sentimentos até o reencontro com Seung Ri, sua confissão e o momento íntimo que haviam passado juntos. Quando contou sobre seus sentimentos e sobre quando contou toda a verdade para o rapaz, sobre o porquê havia mentido por tanto tempo e sua reação cheia de raiva e decepção, Ga Yeong mal conseguia segurar as lágrimas. A voz embargada pelo choro denunciava o quão quebrada estava e o quanto se sentia culpada por usar Seung Ri daquela maneira.
– Céus, Ga Yeong! – So Ra exclamou. – Quanta coisa!
– Ele deve me odiar agora... E com razão... – Falou, pesarosa. – Eu fui tão estúpida... E eu ainda brinquei com os sentimentos dele. Ele foi sincero comigo, bondoso e gentil. Confiou em mim e eu apunhalei...
– Olhe, eu sei que você errou em muitas coisas, mas brincar com os sentimentos dele? – So Ra questionou. – Amiga, você acredita realmente que não tem sentimentos pelo Seung Ri? Que não está apaixonada por ele também?
Ga Yeong olhou para So Ra como se um terceiro olho tivesse surgido em sua testa. Para a mulher, era inconcebível que tivesse qualquer tipo de sentimento amoroso por Seung Ri. Não que o rapaz não fosse alguém de seu agrado, muito pelo contrário, mas havia sido tanto tempo apaixonada por Kyung Soo que não acreditava que pudesse amar outra pessoa, ainda mais com tão pouco tempo de convivência.
– Acho que você estava tão focada em querer continuar apaixonada pelo Kyung Soo que não percebeu que o seu coração foi arrebatado por outro homem. – So Ra constatou, sentando-se de frente para a mulher.
– Não, nada haver... O Seung Ri era só um cliente na minha agência, nós só conversávamos... – Ga Yeong argumentou, apesar de se sentir insegura em suas afirmações.
– Todas as vezes que conversávamos sobre o Kyung Soo, você só falava de como ele a tratava diferente, você só se sentia amargurada porque sentia que esse afeto não era pra você... Mas quando conversávamos sobre o Seung Ri, você ficava radiante. – So Ra insistiu. – Você sempre falava sobre como ele a tratava bem, como era gentil, bondoso, que vocês tinham tantas coisas em comum e que você conseguia ser você mesma com ele... Amiga, você mesma disse agora que o seu coração palpitou com ele e não com o Kyung Soo... Você quer prova maior que isso?
Ga Yeong não precisava de mais provas, ela sentia isso. Os argumentos de So Ra eram tão coerentes que a haviam feito perceber o quanto havia veracidade em suas palavras. Todos os momentos em que se abrira tão facilmente sobre seu passado, sobre seus temores, seus sentimentos. Todas as vezes que seu coração disparara quando o via à sua porta, quando mostrava um sorriso gentil para ela, assim como as desculpas que havia arranjado para si mesma apenas para que pudesse vê-lo novamente, como quando havia se agarrado tão desesperadamente às roupas do rapaz com o pretexto de que iria lavá-las como forma de gratidão por tê-la ajudado com a bagunça de seu apartamento. Estava bem evidente, bem óbvio e parecia até piada como não havia notado isso por todo esse tempo.
Ela estava apaixonada por Seung Ri.
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– Toque, toque? – Se Ong colocou a cabeça para dentro da sala de Seung Ri, fazendo o presidente da empresa se perguntar como seu melhor amigo sempre conseguia passar pela segurança com tanta facilidade. – Ora, que milagre vê-lo em sua sala...
– Você vive dizendo que sou um workaholic, então onde mais um viciado em trabalho deveria estar? – Respondeu o rapaz, parecendo mais mal humorado que o normal.
– Nossa, que recepção calorosa... – O outro brincou, adentrando a sala e fechando a porta atrás de si. – Só perguntei por que ultimamente você parece estar tão ocupado com outros assuntos que quase nunca o encontro no seu escritório.
Seung Ri suspirou, sabia que estava sendo rabugento, mas desde que havia tido aquela briga com Se Young – ou Ga Yeong, seja lá qual for a verdadeira identidade daquela mulher –, estava tendo dificuldades em controlar o mau temperamento com outras pessoas que não tinham nada haver com seus problemas pessoais. Nos últimos meses que havia compartilhado uma parte de seus dias com a mulher, havia tido algumas das melhores experiências que vivenciara em sua vida. Uma conversa simples enquanto oferecia uma carona para o trabalho, uma brincadeira divertida enquanto arrumavam o quarto, um momento de nostalgia vendo as fotos de infância, um momento à dois onde apenas o toque um do outro importava... Era uma troca que sempre desejara ter com a mulher que um dia o arrebatasse. Saber que havia divido tais momentos com uma pessoa que o enganara sobre seu próprio nome e sabe-se lá mais o quê havia o deixado mais que decepcionado, havia o ferido profundamente.
– Desculpe, só não estou com a cabeça boa hoje. – O rapaz reconheceu, o que fez o amigo o olhar curiosamente.
– Isso, meu amigo, é o que nós chamamos de tensão sexual. – Debochou. – Falando em relacionamentos, como ficou a questão com a misteriosa mulher que cativou o exigente Lee Seung Ri? – A menção à Se Young fez com que o presidente da IT Tecnology se sentisse tenso.
A verdade era que não queria tocar no assunto tão cedo, nem mesmo com seu melhor amigo. Estava chateado, mas também em conflito. Parte de si achava que seria uma ideia falar sobre seus pensamentos confusos e as revelações que tentava digerir até aquele momento, mas a outra parte pensava que era melhor fingir que Cha Se Young era um arquivo morto e qualquer coisa que envolvesse aquela mulher deveria ser enterrado a sete palmos do chão.
– Não existe questão alguma. – O homem foi inciso – Apenas faça de conta que essa mulher foi um surto coletivo.
O jeito um tanto agressivo de falar do amigo fez com que Se Ong se questionasse o que havia acontecido entre Seung Ri e essa tal mulher que até alguns dias atrás o presidente tanto estimava. Quão grave poderia ter sido o que quer que tenha acontecido para deixar seu amigo tão amargurado?
– Nossa... O que rolou pra você estar desse jeito? – Se Ong abandonou o tom travesso parecendo genuinamente preocupado.
Seung Ri suspirou e acabou falando sobre o que acontecera no dia anterior, quando havia de declarado para Se Young, e que apesar do momento de intimidade entre os dois, havia descoberto toda a teia de mentiras que a mulher havia criado por conta de uma estupida vingança. Se Ong ouviu tudo como se fosse a maior fofoca do momento, parecendo se empolgar com algumas partes do relato. Assim que o rapaz terminou de falar, o amigo coçou o queixo, surpreso com tantos acontecimentos.
– Cara, acho que você deu sorte de meter o pé antes que ela endoidasse para cima de você também. – Se Ong comentou. – Uma pessoa que muda até mesmo o nome para se vingar de alguém é o tipo de gente que devemos manter distância.
Seung Ri afirmou com a cabeça, mas não se sentia totalmente convicto em concordar com o pensamento do amigo. Apesar de aquela questão ser motivo mais do que o suficiente para esquecer de vez Se Young, parte de si ainda tinha sentimentos profundos que o faziam querer voltar correndo para ela.
– Eu sei... Por isso eu estou a evitando... – Seung Ri admitiu.
– Sinto muito por você, sei o quanto estava amarradão nessa garota. – Se Ong foi sincero.
O assunto foi interrompido quando a CEO da IT Tecnology adentrou a sala usando um vestido azul marinho que tornava evidente as curvas sinuosas e a deixava elegante, bem diferente das roupas sóbrias e sem graça que costumava usar antigamente. A mulher parou por um segundo ao perceber que o irmão estava na companhia de um convidado.
– Ah, desculpe... Achei que estava sozinho. – Seung Ja olhou para o irmão e depois para Se Ong, logo deixando surgir um sorriso de escárnio. – Ah, é você...
– Como assim, "é você"? O jeito que você me saúda me deixa triste. – Se Ong fingiu estar ofendido, o que apenas fez Seung Ja revirar os olhos.
– Você vai superar. – Respondeu com sarcasmo. Voltou-se para o irmão e aproximando-se com uma pasta em mãos. – Enfim, eu só vim mesmo porque queria agradecer por ter achado a pessoa que postou o vídeo do Joon. O advogado da empresa disse que já entrou com o processo do caso. A justiça vai ser feita.
– Não precisa me agradecer, a família serve pra isso... Pra acolher e ajudar quando preciso. – Seung Ri respondeu, tocando o ombro da irmã com carinho. – E como está o Joon?
– Ele... Ela ainda está abalada, mas vai ficar bem. – Seung Ja certificou. – Estamos mais próximos agora, então vou dar o meu melhor pra mostrar que ela não está sozinha. – A mulher sorriu, segurando a mão do irmão. – Mas sobre o que estavam conversando? Vocês embarcaram num silêncio quando entrei, parece até que estavam falando mal de mim.
– Estávamos falando sobre a dor de cotovelo do Seung Ri. – Se Ong confessou, sem muita cerimônia. O amigo, no entanto, não parecia nada contente sobre expor os problemas românticos para a irmã mais velha.
– Você estava saindo com alguém e não me contou? – Seung Ja o olhou com um misto de surpresa e indignação.
– O que? Não! Eu não estava saindo com ninguém! – O presidente tentou desviar do assunto, no entanto, Se Ong não parecia muito disposto a manter aquele assunto em segredo.
– Mas você até dormiu com a garota, como não estavam saindo junto? – Seung Ri praguejou mentalmente e amaldiçoou a boca grande do amigo.
– Seung Ri!
– Olha, isso não importa, tudo bem? As coisas acabaram entre nós, então não faz diferença eu ter te contado ou não. – Seung Ri respondeu, desviando-se do assunto. Seung Ja, entretanto, conhecia o irmão caçula bem demais para saber que não havia ponto final na história que ele não queria contar. O que quer que tenha acontecido, o rapaz estava indeciso sobre seus próprios sentimentos.
– Tem certeza? Por que pra mim, parece que você não resolveu esse assunto de verdade. – A mulher foi direta, sentando-se no sofá ao de Se Ong.
As palavras da CEO ficaram em sua mente por alguns minutos. Era evidente que não conseguia se decidir sobre Se Young. Por mais que sua mente dissesse que o ideal era cortar os laços que haviam criado, seu coração insistia em querer se apegar àquelas cordas que os ligavam. Seus sentimentos pela garota eram mais fortes do que queria que fossem e agora se via resistindo à ideia de deixá-la para trás, como uma dolorosa lembrança.
– É só que... Eu estou apaixonado por ela... Mas ela não era quem dizia ser. – Seung Ri confessou, o olhar distante e entristecido. – Ela esteve esse tempo inteiro mentindo para mim, mentindo sobre quem ela era, sobre seu próprio nome...
– Ela assumiu uma identidade diferente pra se vingar do ex-namorado. – Se Ong comentou em um tom mais baixo com Seung Ja que pareceu surpresa com a informação.
– E como você descobriu isso tudo? – Seung Ja perguntou, curiosa. Seung Ri suspirou pesadamente.
– Ela confessou tudo. – O rapaz relembrou a cena no pequeno quartinho, a discussão que se seguiu depois disso, o choro da mulher ecoando em seus ouvidos. – Disse que precisava ser honesta comigo, sobre como planejou se aproximar do ex dela e sobre como mentiu pra mim também...
Seung Ja esfregou as mãos, pensativa sobre a história. Apesar do irmão não ter entrado em muitos detalhes, podia entender o porquê estava tão titubeante quanto a essa mulher. Ela havia confessado tudo, talvez por culpa, não saberia dizer. Isso acendia uma chama de esperança de que ela não fosse uma pessoa mal-intencionada, mas que apenas suas ações foram fruto de algum sentimento ruim pelo qual havia se deixado levar e que no final havia se arrependido amargamente por isso. Provavelmente era o que Seung Ri mais queria que fosse verdade, mas ao mesmo tempo, ele não podia ignorar o quanto as escolhas dessa mulher haviam lhe machucado e se arriscar a perdoá-la poderia abrir portas para que se magoasse novamente no futuro.
Ainda assim, Seung Ja achava que valia a pena pensar mais a fundo sobre isso. Não era a pessoa mais sábia em questão de relacionamentos, mas entendia bem os sentimentos conflitantes de uma mulher, principalmente por já ter sofrido por amor por tanto tempo.
– Eu só estou com raiva... E decepcionado... – Seung Ri revelou. – Por ela ter feito isso...
– Mas ela te confessou tudo... – Seung Ja colocou em questão aquele fato. – E é isso o que está te incomodando, certo? Ela poderia ter seguido com a mentira, mas escolheu ser honesta com você. Isso não deve ser levado em consideração?
– Você está realmente cogitando a ideia de que essa garota não é perigosa? – Se Ong olhou a mulher com os olhos arregalados. – Olha, normalmente o inconsequente sou eu! No mínimo, eu esperava que você fosse aconselhar ele a manter distância dessa mulher.
– Eu só estou falando que ele deve pensar melhor sobre isso. – Seung Ja foi firme em sua colocação. – Também não me agrada saber que essa mulher, seja lá quem ela for, planejou algo do tipo pra se vingar de seu ex-companheiro, mas... Eu consigo me colocar no lugar dela e entender que provavelmente ela estava sofrendo, e provavelmente isso devia a deixar tão angustiada que só quis dizer a verdade, mesmo sabendo quais poderiam ser as consequências. – A CEO se levantou, ajeitando a barra do vestido. – De qualquer forma, a decisão é do Seung Ri sobre qual rumo ele deve tomar, então não tente fazer a cabeça dele.
– Como se eu fosse conseguir convencer alguém da família Lee a fazer alguma coisa. Vocês todos são muito teimosos. – Se Ong brincou, observando a mulher se despedir dos dois, deixando um Seung Ri pensativo para trás.
Assim que fechou a porta do escritório do irmão, Seung Ja caminhou pelos corredores até alcançar o elevador. Quando as portas se abriram, percebeu que havia alguns funcionários que iriam descer para os andares inferiores. Todos a cumprimentaram de maneira formal antes que entrasse. Apesar da curta viagem, Seung Ja pode conversar um pouco com o grupo, surpreendendo-os pelo jeito descontraído de se comunicar. Por muito tempo, a mulher havia carregado a fama de ser temperamental e introvertida, mas com o tempo havia aprendido a se abrir mais com as pessoas e ser mais sociável. Até mesmo sua aparência havia mudado. Ao invés das roupas sóbrias e sem graça, a CEO abusava e esbanjava de roupas elegantes e que valorizavam o corpo com curvas sinuosas.
Seung Ja não podia se sentir menos grata a seu assistente por isso. Apesar das loucuras que havia acontecido entre ambos com aquela estranha atração carnal que sentiam um pelo outro, os poucos momentos em que puderam se abrir e conversar sobre suas mágoas e seus traumas haviam lhe ajudado a tomar coragem para enfrentar seus próprios demônios. Pela primeira vez, em muito tempo, sentia que tinha novamente as rédeas da própria vida em suas mãos, que podia ser a mãe que sempre quis ser e que podia finalmente se livrar daquela culpa em não ter sido a esposa perfeita que todos queriam que ela fosse. Agora estava sendo ela mesma e isso era a única coisa que importava.
Assim que colocou os pés no departamento, os funcionários logo a cumprimentaram enquanto caminhava em direção ao seu escritório. Entretanto, não pôde deixar de reparar em uma das mesas próxima à sua sala que estava vazia. A mesa que costumava sempre estar abarrotada com papéis e post-its colados por todos os lados parecia intocada, como se ninguém nunca houvesse a usado antes. Não pôde deixar de pensar em Ji Soo e em como deveria estar seu casamento. O rapaz havia lhe confessado há alguns dias que sua esposa havia descoberto o caso dos dois antes que tivesse a oportunidade de contá-la por si mesmo e que isso havia abalado a relação do casal que já não andava bem das pernas. Para piorar, a esposa do rapaz havia pedido para que o mesmo abandonasse o trabalho para que não voltassem a se encontrar.
Seung Ja apenas fez o que estava em seu alcance para ajudar Ji Soo: oferecer-lhe uma recomendação para trabalhar nos Estados Unidos. Seria uma mudança de vida brusca, mas não seria impossível sobreviver no exterior. Por ter estado tão ocupada cuidando de Joon Young, Seung Ja não havia tido tempo para estar mais presente no trabalho. Sequer havia tido a oportunidade de se despedir de Ji Soo e vê-lo recolher suas coisas, mas esperava que o rapaz houvesse optado pela melhor escolha para o seu futuro e o de sua família.
Sentiu seu celular vibrar no bolso de seu blazer, tirando-a de seus pensamentos. Caçou o objeto, logo o tomando em mãos. Uma mensagem surgiu na tela assim que a desbloqueou, fazendo o coração da mulher acelerar de ansiedade.
"Audiência para o processo de guarda e custódia marcada para o dia 11 de setembro".
Capítulo XXX
– Oh... Oh Joon... – So Ah piscou algumas vezes, surpresa por encontrar o jovem rapaz à sua porta. O garoto usava muletas e tinha o braço e a perna direita imobilizados pelo gesso. Havia cerca de um mês que não o via desde que havia recebido alta do hospital. – Você veio sozinho para cá? Nesse estado?
– Eu pedi um carro por aplicativo, não tive que me esforçar. – O rapaz logo se adiantou, procurando evitar que a mulher se preocupasse.
So Ah o olhou por longos segundos até se dar conta de que ainda estavam parados na soleira da porta. Reencontrar Oh Joon depois de tanto tempo ainda trazia alguns sentimentos conflitantes para si. Por mais que não culpasse o rapaz pela morte de sua sobrinha, ainda era difícil não se lembrar da garota quando olhava para Oh Joon, ainda mais com as marcas do acidente ainda tão visíveis, apesar dos ferimentos mais superficiais já terem melhorado.
– Ah, por favor, entre... – A mulher deu espaço para que o rapaz adentrasse, fechando a porta logo em seguida.
Oh Joon conhecia a fachada da casa de So Ah. Havia buscado e levado Ga In em sua casa algumas poucas vezes, mas nunca houvera conhecido o lugar por dentro. A primeira coisa que reparou foi na quantidade de quadros com quebra-cabeças montados nas paredes, cada qual com datas, número de peças e o tempo em que cada um demorou a ser montado. Todos os quebra-cabeças eram de alguma flor e pareciam dar um charme à decoração simples da sala de estar.
– A Ga In amava ficar montando isso. Era como um hobby especial só dela. – So Ah desconversou, reparando o que tomava a atenção do rapaz. – Ela também gostava muito de flores, principalmente as mais exóticas. De alguma forma, ela se identificava com elas. – Sorriu com nostalgia. – Você sabia que cada flor tem um significado? A favorita dela era a Cattleya e simbolizava a pureza e a perfeição.
– Isso combina com ela. – Oh Joon respondeu, sincero. Em sua opinião, não havia outras palavras que se encaixassem tão bem na descrição de Ga In. A garota era rígida com seus horários e com sua rotina, ao mesmo tempo era tão inocente que parecia um crime que um rapaz como ele pudesse corrompê-la de alguma forma.
– Sente-se. Eu posso buscar algo para beber, se estiver com sede. – O rapaz logo assentiu e viu-se sozinho por alguns instantes até que a mulher retornou com dois copos de suco. Ajeitou-se no sofá, um pouco desconfortável. – Enfim, acredito que não tenha vindo aqui apenas para me avisar que recebeu alta. – A mulher foi direta. – Apesar de estar um pouco curiosa sobre você e o seu "amigo".
Oh Joon corou, pigarreando. A visão das bochechas avermelhadas como as madeixas ruivas do rapaz eram uma cena rara. Não pôde deixar de pensar o quanto Mun Seo adoraria ver seu rosto naquele momento.
– Estamos bem... – Explicou. – O Seo me disse que o seu conselho o ajudou a entender como eu me sinto. Ele disse que vai esperar o meu tempo e, bem... Eu acho que estou me sentindo um pouco mais confiante de falar sobre isso com os meus pais. Estou só esperando o momento certo.
– Isso é ótimo. – So Ah sorriu, dedilhando o copo em suas mãos. – Espero que eles entendam você. Pode ser difícil e assustador, mas tenho a sensação de que seus pais o entenderão.
Os dois se encararam por um instante, longos segundos que pareciam uma eternidade.
– Você quer vê-la, não é? – So Ah perguntou, mesmo que já soubesse a resposta. – Me deixe pegar uma caneta. Vou anotar o endereço pra você.
Oh Joon observou os raios de sol brilhando sobre a água tremeluzente do oceano à sua frente. Estava em um cais que há muito tempo não era utilizado em uma praia calma. No ponto mais distante, logo acima da água, havia algumas velas apagadas, algumas pelúcias e flores próximo à foto de uma jovem garota de longos cabelos escuros. Oh Joon sorriu com a foto de Ga In. Não havia um sorriso em seus lábios, mas de alguma forma a menina expressava bastante ternura. Sentou-se na ponta do cais, admirando a imensidão do mar e as ondas que quebravam na orla da praia.
– Eu devo parecer um maluco falando com o vazio agora. – Oh Joon comentou, balançando o pé saudável sobre a água. – Queria ter vindo antes, mas... Não havia como. Na verdade, eu queria que eu pudesse ter mais tempo ou então que pudesse voltar no tempo.
O rapaz ficou pensativo por alguns segundos e depois soltou uma leve risada.
– Acho que eu consigo ouvir você dizer que voltar no tempo é algo impossível. – Comentou com o humor um pouco sombrio. – Você faria qualquer filme de ficção se tornar algo deprimente... Mas ainda assim, seria uma experiência incrível assistir algo com você.
O rapaz tirou um pequeno ursinho que havia ganhado na máquina de brinquedos em seu primeiro encontro com Ga In do bolso de sua jaqueta, fitando-o por um tempo.
– Eu sou culpado pelo o que aconteceu. Sua tia disse que eu não deveria me sentir assim, mas quanto mais eu penso sobre isso, mais eu entendo que tudo foi consequência das minhas ações. Se eu não tivesse sido tão... Superficial... Você não teria morrido. – Suspirou, sentindo um peso em seu peito a cada palavra que proferia. – Eu sinto muito... E estou sendo sincero sobre isso.
Deixou a pelúcia junto ao pequeno memorial que estava ao seu lado.
– Mas não me arrependo de tê-la conhecido. Eu pude me tornar uma melhor versão de mim mesmo graças a você e, apesar de não poder retribuir os seus sentimentos da mesma maneira, eu me afeiçoei a você. Você foi, pra mim, a melhor amiga que eu poderia ter tido... E eu sinto a sua falta. – Sentiu algumas lágrimas lhe escaparem, caindo silenciosamente por seu rosto. – Me desculpe por tudo o que eu fiz... E obrigado por ter permitido que eu pudesse ser seu amigo.
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Seung Ja entrelaçou os dedos sob a longa mesa de madeira escura onde estava sentada, rezando silenciosamente enquanto mantinha a expressão imponente em seu rosto. Queria que o juiz tivesse bom senso, queria que ele dissesse as palavras que tanto esperava ouvir. À sua frente, ao lado do advogado e com um ar soberbo estava Kyung Joon, seu antigo companheiro. O olhar superior do homem a irritava profundamente, como se estivesse tranquilo sobre o veredito do juiz. Por outro lado, isso a amedrontava. Só a possibilidade do mesmo vencer aquele processo a deixava nauseada.
– A senhora não precisa ficar preocupada, as chances estão ao nosso favor. – Sua advogada afirmou com confiança, fazendo Seung Ja ficar mais tranquila.
– Obrigada... Mas ainda assim fico um pouco ansiosa... Talvez o juiz possa não ser tão compreensível sobre a atual situação do Joon. – Confessou para a advogada.
Assim que o juiz retornou à sala, os dois lados se calaram instantaneamente e deixaram que o juiz fizesse a leitura do caso. Seung Ja sentia o coração acelerado e as mãos suarem tamanha a ansiedade que a acometia. Tão logo o juiz fez as suas considerações, sentiu-se aliviada e até mesmo quis chorar. Finalmente a guarda de Joon Young era sua, finalmente poderia cuidar de sua filha como sempre quis. Mas claro, nem todos na mesa compartilhavam de sua felicidade. Logo que saiu do fórum, foi abordada por Kyung Joon, mas não permitiu que os comentários venenosos do homem deixassem seu dia mais sombrio.
– Deve estar feliz por finalmente conseguir o que queria, não é? – Cuspiu, tentando disfarçar a irritação.
– Eu? Não... – Foi irônica. – Na verdade, estou radiante.
– Deixar o Joon nas suas mãos foi a pior decisão que aquele juiz imbecil poderia ter escolhido. – Falou. – Você não vai torná-lo um homem de verdade.
– É porque a Joon não é um homem, pra começo de conversa. Ela se vê como uma mulher, então é assim que eu vou tratá-la. – Seung Ja retrucou, firme em suas convicções. – E não se coloque como um pai que se importa, porque você sempre escolheu suas amantes e deixou a sua família como segunda opção. Você sempre foi assim e não irá mudar.
O homem estalou a língua, rendido em suas argumentações.
– Eu irei recorrer contra a decisão. – Avisou em tom de ameaça.
– Que assim seja, então. Fique à vontade. – Respondeu com confiança.
A mulher apenas sorriu triunfante antes de lhe tocar o ombro como se dissesse adeus silenciosamente.
– Preciso ir cuidar da minha filha. – Seung Ja virou-se, caminhando elegantemente até seu carro onde o seu chofer já esperava com a porta aberta. – Até, Kyung Joon.
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Os pensamentos de Ga Yeong estavam abarrotados e a maioria deles envolvia Seung Ri. Desde a última vez que havia estado frente a frente com o homem, quando acabou ocorrendo uma grande discussão quando disse a verdade sobre si e seus motivos para ter mentido por tanto tempo, Ga Yeong havia esperado que o rapaz cancelasse o contrato de locação e a expulsasse de seu apartamento. Não que isso fosse do feitio do mesmo, mas seria algo compreensível se ele o fizesse. No entanto, não havia recebido qualquer notícias sobre o rapaz nas últimas semanas além do que lia nos jornais. Sequer visitar a oficina de seu pai, Seung Ri visitava. A única coisa que sabia era que a nova filial da IT Technology parecia se desenvolver bem e que, apesar da sede ter passado por algumas instabilidades no mercado de ações, continuava firme e forte.
Apesar de não ter visto sequer uma sombra do rapaz nos últimos dias, ainda assim tinha esperança de voltar a vê-lo. Depois de ter se demitido da agência de publicidade de Kyung Soo, Ga Yeong lamentava ter mais tempo livre. Por mais irônico que parecesse, ter mais horas livres de descanso em seu dia a fazia refletir mais sobre os recentes acontecimentos em sua vida. A morte de Ga In ainda a fazia se sentir quebrada por dentro, a descoberta sobre a sua paternidade apenas piorava a situação e a consciência sobre seus sentimentos sobre Seung Ri a atormentavam ainda mais. Queria reencontrá-lo, mesmo que ele não a perdoasse. Constantemente se via passeando pela quadra de basquete escondida entre os prédios da vizinhança, o refúgio que Seung Ri havia lhe mostrado uma vez, com a esperança de vê-lo por lá, como naquele momento.
– Você deveria se concentrar em arranjar um novo trabalho ou um novo apartamento ao invés de me ajudar a fazer velas. – So Ra resmungou do outro lado da linha.
– Assim até parece que você não gosta quando te ajudo. – Ga Yeong respondeu.
– Olha, eu até entendo sua boa intenção em querer me ajudar, mas... Amiga, você é péssima fazendo velas. – Confessou – E nem é algo tão complicado, mas você consegue queimar todas as ceras que tenta derreter.
Ga Yeong fez um bico, sentindo-se levemente ofendida.
– É porque eu não tenho prática ainda. – Rebateu.
– Na verdade, é porque você não tem talento mesmo. Sua habilidade é com divulgação. Você é um cérebro pensante, deixe o trabalho manual comigo. – Brincou, mas logo depois tomou uma postura mais séria. – Mas falando sério, Ga Yeong... Você deveria realmente procurar um lugar novo ou um emprego novo. Têm ótimas referências e logo estará formada, então deveria tentar.
– Eu... Ainda não posso... – Ga Yeong suspirou – Eu quero ajeitar as coisas antes de dar o próximo passo. Quero dizer ao Seung Ri como eu me sinto e... Como me arrependo.
– Ele não aparece aí há dias, acha mesmo que ele virá?
– Eu não sei... Eu só posso esperar que ele venha, já que eu, com certeza, seria barrada na empresa dele. – Confessou.
Ga Yeong ouviu um som metálico do outro lado da linha. Por um momento, apenas ouviu alguns resmungos e depois silêncio.
– Amiga, eu vou precisar desligar o telefone agora, acabei de fazer uma enorme bagunça aqui.
– Tudo bem, nos falamos mais tarde. – Foi compreensiva.
Desligou o celular, assistindo o sol se pôr por detrás da tabela de basquete. O céu tinha uma mistura de cores em tons de laranja, vermelho e roxo, que faziam uma bela composição. Se afundou em seus pensamentos até ver os últimos raios de sol desaparecerem e darem lugar a um céu noturno. Seul era poluída demais para que as estrelas pudessem ser contempladas, mas de Jeju a vista era realmente bonita. Ga In logo surgiu em seus pensamentos quando lembrou-se do céu de sua cidade natal. Sentia-se arrependida de não tê-la visto no feriado de ano novo ou em algum final de semana por conta de sua mudança de aparência. Se houvesse estado com sua família na semana do fatídico dia, será que as coisas poderiam ter acontecido de uma maneira diferente? Mesmo que sua madrinha houvesse lhe dito que isso estava fora de seu alcance, ainda queria poder mudar tudo o que aconteceu.
O último mês havia sido desafiador em muitos sentidos. Ainda tentava processar as perdas que havia sofrido, as verdades que havia descoberto e os sentimentos que tentava lidar. Volta e meia se pegava pensando em Kyung Soo e em sua relação com o mesmo. Ainda que tivessem cortado contato, de certa maneira, ela era sua irmã, certo? Era uma ideia estranha, ainda mais considerando que havia o visto como um interesse romântico por tanto tempo. Na realidade, se entender como a filha de Hwa Hae Myung era estranho, então, por mais que tivesse desejado por tanto tempo saber quem era o seu pai, a mágoa profunda que sentia a fazia pensar, e muito, sobre a relação que tinha com ele. Sua mãe havia sofrido muito para criá-la, até mesmo abrindo mão de ter sua filha mais nova por perto por causa disso.
Mesmo entendendo que a escolha de sua mãe que havia a colocado naquela situação, não conseguia vê-la apenas como uma pessoa conivente com os erros do amante, mas também como uma pessoa que tinha uma grande dependência emocional por um homem que não valia a pena. Um homem que havia colocado, por muitas vezes, a sua imagem e a sua reputação acima da sua família, não apenas com ela, com sua irmã, Ga In, e com sua mãe, mas também com Kyung Soo e com sua esposa, Hwa An Na Por mais que ele houvesse sempre a tratado como muito afeto, sentia que parte disso era por que ela era uma pessoa que se encaixava muito mais no modelo de filho perfeito que ele sempre havia desejado ter do que Kyung Soo. A outra parte, quando pensava com mais cuidado, talvez fosse porque ela tinha seu sangue e fosse fruto do amor que ele sentia pela mãe dela, ainda que esse amor fosse menos importante que seus próprios interesses. E era até mesmo por esse motivo que havia decidido não utilizar mais nenhum centavo da poupança que ele havia lhe deixado. Nenhum dinheiro seria o suficiente para compensar o sofrimento que sua mãe havia passado e a ausência que havia deixado em sua vida e na de Ga In.
Quando se deu conta do avanço do tempo, decidiu que talvez fosse o momento de ir para casa. Assim que se levantou, sentiu algo encostar em seus pés. Era uma bola de basquete que havia rolado em sua direção. Sentiu um aperto em seu peito, seus olhos se encontraram com os do dono do objeto. Ali estava a pessoa que havia desejado tanto reencontrar depois de um longo mês tortuoso. Seung Ri suspirou, frustrado. Era mais do que evidente o quanto queria evitar revê-la. Durante longas semanas, havia fugido de Se Young... de Ga Yeong... como o diabo fugia da cruz. Sabia que, se a visse novamente, poderia ficar ainda mais confuso sobre seus sentimentos. O conselho de Seung Ja havia lhe deixado pensativo durante muito tempo, mas não podia deixar de admitir que ainda estava profundamente ressentido e magoado, e de certa forma, evitá-la também era uma forma de tentar se proteger de uma nova decepção. Assim que se virou para sair da quadra, ouviu o seu nome ser chamado pela voz feminina.
– Seung Ri...
Seus pés pararam, mesmo que seu cérebro os ordenasse a continuar andando. Praguejou internamente. Era só ir embora, era tudo o que precisava fazer e poderia evitar que seus sentimentos fossem feridos novamente, mas... Porque não conseguia?
– Eu te decepcionei... – Ga Yeong olhou para suas mãos trêmulas, segurando-as enquanto tentava suprimir o bolo que se formava em sua garganta. – Eu menti sobre mim, sobre a minha identidade. E você está certo, eu agi de má fé com outra pessoa...
– Isso é algum tipo de pedido de desculpas? – Seung Ri a fitou, virando-se para a mesma.
– Eu acho que um pedido de desculpas seria algo muito raso perto do que eu fiz com você. – Foi sincera. – Mas... Eu estava tão... Ferida... Tão magoada. E eu estava com tanta raiva... Raiva por ter sido usada e descartada com tanta facilidade e magoada porque eu sabia que o Kyung Soo nunca me veria como uma mulher...
Encarar seus próprios demônios não era algo fácil, ainda mais os próprios demônios que provinham de feridas tão profundas e que sequer haviam cicatrizado.
– E todo esse ressentimento... Eu não pensei em como eu iria ferir outras pessoas no processo. Eu não pensei em como a noiva do Kyung Soo se sentiria... E eu não pensei em como a minha mentira iria machucar você. – Confessou.
– Eu tive centenas de encontros às cegas, encontros que eu nunca nem quis ir. – Seung Ri começou, havia uma pontada de mágoa em sua voz. – E não houve uma única pessoa que estivesse disposta a conhecer a mim, Lee Seung Ri, o cara que gosta de anime e basquete. Todas elas queriam conhecer Lee Seung Ri, o presidente da IT Technology. Todas usavam máscaras... E então eu conheci Cha Se Young – O nome de seu alter ego havia sido pronunciado com certo desprezo – e eu pensei: "É ela. Ela é diferente. Ela não usa máscaras"... – Sorriu com escárnio – E que grande piada... Você acabou sendo pior do que todas as outras.
– Eu não usei uma máscara com você... – Ga Yeong rebateu, um filete de voz.
– Você MENTIU pra mim!
– APENAS SOBRE O MEU NOME! – Sentiu o líquido quente escorrer por suas bochechas. Antes mesmo que pudesse se dar conta, estava chorando. – Em TODOS os momentos, TODAS as risadas, as conversas, as brincadeiras... Em TODOS esses momentos, eu fui a Ga Yeong... Eu fui EU! Todos os sonhos, todas as memórias, tudo isso era meu. Tudo isso foi real, tudo isso foi de verdade!
Deixou que seus pés a levassem até o homem que a encarava com uma expressão impassível.
– E em todos esses momentos eu estava me apaixonando por você sem perceber. – Seu coração acelerou quando proferiu aquelas palavras. – E foi por isso que eu não pude mais esconder nada de você.
Um lampejo de luz riscou o céu, um prenúncio de que um temporal logo viria. Nenhum dos dois pôde deixar de se lembrar do que havia acontecido na última noite chuvosa em que estiveram juntos. Ga Yeong viu dúvida nos olhos do rapaz. Ele estava balançado diante de sua confissão, mas ao mesmo tempo estava inseguro sobre a decisão que deveria tomar.
– Seung Ri...
– Não... – Balançou a cabeça – Não fala mais nada...
Ga Yeong mirou as costas largas de Seung Ri. O tempo parecia avançar em câmera lenta enquanto o rapaz se afastava. Sentiu a angústia esmagar seu peito.
– Uma cesta! – Proferiu. Seung Ri parou mais uma vez e a encarou. – Eu só preciso fazer uma cesta...
A garota apressou o passo e se abaixou para tomar a bola de basquete esquecida na quadra. Seung Ri suspirou, era uma ideia descabida pensar que aquele impasse seria resolvido em um jogo de basquete, ainda mais pensando na falta de habilidade que a mulher possuía. Ainda assim, ela parecia se agarrar a qualquer filete de esperança para que as coisas se acertassem. E, secretamente, ele também desejava que ela acertasse a bola no aro.
Ga Yeong segurou a bola com firmeza, respirando fundo. Suas mãos tremiam, mas depositava suas últimas esperanças naquela jogada. Era tudo ou nada e não haveria outra chance. Na realidade, até mesmo aquela jogada não garantiria nada, mas até mesmo aquela ideia boba parecia sua única alternativa. Posicionou-se, como via os jogadores de basquete na TV fazer. Era o mais próximo de referência que possuía. Sempre havia sido uma péssima jogadora em qualquer esporte que envolvesse algum esforço físico. Por um momento, havia se condenado por ter escolhido algo em que era tão ruim jogando, diminuindo ainda mais as suas chances.
– Por favor... – Sussurrou em uma súplica para qualquer deus que estivesse ouvindo. – Por favor, não erra...
Entretanto, antes mesmo que a bola abandonasse suas mãos, sentiu o peito quente contra suas costas, os dedos longos e ásperos sobre suas mãos. Seu coração parecia um intenso tambor, tocando uma batida ritmada e rápida. Sincronizou os seus movimentos aos dele, lançando a bola em direção ao alvo. O objeto circulou pelo aro e caiu para fora.
– Não entrou... – Constatou, desolada, seus olhos encontrando-se com os do homem. O rosto tão próximo ao seu que era possível sentir o hálito de chiclete de menta.
– Que se dane se não entrou... – Respondeu antes de tomá-la em um beijo ávido.
Sentiu os lábios sobre os seus, o gosto do chiclete, o calafrio na espinha, os pêlos de seus braços se arrepiando. O abraçou. Por mais próximos que estivessem, sentia a necessidade de tê-lo ainda mais perto de si. Temia que aquele momento fosse apenas um sonho, que logo ao abrir os olhos, não o encontraria mais ali. Mas os braços fortes ao seu redor, a mão áspera em seu rosto era uma prova de que aquilo era real. E não pôde deixar de ficar mais exultante por isso. À medida que o temporal começava a se formar, toda a nostalgia do primeiro beijo surgia ao sentir as gotas de chuva em meio ao selar dos lábios. Os sentimentos se tornando ainda mais fortes, os reveses deixados em segundo plano, as dúvidas sendo substituídas pelas certezas e pelo desejo de que continuassem juntos como dois amantes.
Juntos como um só.
Epílogo
O tilintar das taças e a conversa baixa dominavam o vasto salão onde ocorria a festa beneficente organizada pela IT Technology. Os convidados apreciavam a música ambiente, os empresários trocavam informações sobre as tendências no mercado de ações e os acompanhantes, alguns ignorantes sobre o mundo corporativo, conversavam sobre trivialidades. Seung Ri parecia atrair a atenção de todos, como um grande holofote. A maioria conversava com o mesmo como se fossem bons amigos de longa data. Para Ga Yeong, era incrível como o carisma do rapaz aproximava as pessoas. Não era atoa que ele era quem melhor representava a empresa.
– Você deveria estar ao lado do Seung Ri. – Ga Yeong olhou para a senhora que a acompanhava na mesa. Lee Doo Na tinha um olhar intimidador. Era uma sogra bastante exigente e se mantinha bastante crítica sobre como uma nora digna da família Lee deveria se portar. – Como sua acompanhante, deveria se apresentar aos convidados e recepcioná-los também.
Ga Yeong preparou um sorriso amarelo, prestes a responder cuidadosamente à idosa, mas Seung Ja logo a salvou de uma conversa constrangedora.
– Mãe, ela iria se sentir desconfortável. Seung Ri está conversando sobre a empresa com os convidados. – Ga Yeong sorriu timidamente em agradecimento.
Não era da natureza de Seung Ja lhe ajudar, já que desde a primeira vez que haviam se encontrado, nunca haviam se dado bem de fato. Para a mais velha, ainda se mantinha um pouco cética sobre a namorada de seu irmão. Não podia negar que havia um sentimento genuíno que nutriam um pelo o outro, mas ainda assim, ficava um pouco cuidadosa em relação à Ga Yeong, ainda mais depois de saber sobre como a mulher havia tentado se vingar de seu ex-namorado. Mesmo tendo sido a pessoa quem aconselhou seu irmão a se abrir para ouvir a garota à sua frente, também o aconselhava constantemente a ser tão cauteloso quanto ela sobre levar o relacionamento a outro nível. Entretanto, não a destratava ou a ignorava, apenas não se sentia confortável em ser mais do que a irmã do namorado dela.
– Ainda assim, ela deveria ficar ao lado dele. – A matriarca insistiu. – A sua companhia melhoraria a imagem dele.
– Acho que a senhora Lee está certa, eu deveria ajudar o Seung Ri. – Ga Yeong se levantou, ajeitando o longo vestido rosê que usava. – Então… Eu vou ajudar a recepcionar os convidados.
A mulher pareceu satisfeita ao ver a nora se afastando e procurando pelo parceiro até perceber o olhar repreendedor de sua filha.
– O que foi?
– A senhora não tem jeito mesmo… – Seung Ja suspirou, levantando-se da mesa.
Entretanto, para Ga Yeong, não havia sido tão constrangedor recepcionar os convidados. Na realidade, havia até mesmo encontrado acidentalmente alguns rostos conhecidos enquanto conversava com um convidado ou outro. Sua madrinha se destacava com o vestido simples e florido, que contrastava com os modelitos cheios de brilho e cores sóbrias das outras mulheres no salão. Não que houvesse lhe caído mal, pelo contrário, apenas valorizava a beleza madura da mais velha, mas ainda assim chamava a atenção por ser tão singular. Um rapaz jovem em torno dos dezoito anos a acompanhava. Ga Yeong se aproximou, abraçando apertado a madrinha.
– Madrinha! Que bom que está aqui! – Sorriu, segurando suas mãos.
– Eu não poderia faltar a um evento tão importante. – Ela respondeu com sinceridade. – A Ga In ficaria feliz se estivesse aqui agora…
As duas mulheres deram um sorriso melancólico ao lembrar da menina cheia de vida e o motivo de alegria de sua família. O rapaz ao seu lado se reiterou, um pouco desconfortável à menção de Ga In. So Ah pigarreou, mudando de assunto.
– Você se lembra do Oh Joon? – O rapaz pareceu um pouco deslocado frente à mulher. Alisou as madeixas com os dedos, aproximando-se.
Era impossível que Ga Yeong se esquecesse de Oh Joon, o rapaz que havia se acidentado junto com sua irmã. Havia o encontrado pouquíssimas vezes, apenas tendo sido apresentado como um colega de escola e amigo de Ga In por sua madrinha. Sentia-se agradecida ao rapaz por tentar salvar sua irmã, mas também lhe doía – ainda que a dor parecesse um pouco anestesiada – por se lembrar do quão jovem a menina havia partido sempre que o olhava.
Por sua vez, Oh Joon ainda se sentia culpado, mas tentava lidar com a culpa se tornando alguém mais digno da amizade de sua querida amiga, sendo uma pessoa mais honesta e autêntica a si mesmo. Tornou-se mais seleto com suas amizades e, apesar de nunca ter sido seu plano inicial, afastou-se do baseball para se recuperar totalmente do acidente que havia sofrido. Ainda assim, não tinha deixado de aproveitar o tempo livre. Com a melhora no relacionamento entre o rapaz e seus pais, havia os convencido a deixar que praticasse aulas de músicas, algo que sempre quis.
Entretanto, apesar de se sentir mais próximo de sua família, ainda não se sentia pronto para falar a verdade sobre a sua sexualidade com seus pais. Suas inseguranças ainda se mostravam muito presentes e, apesar do desejo de querer ser honesto com os mesmos, não tinha confiança o suficiente de que o aceitariam como realmente era. A única pessoa de confiança que tinha ao seu lado era Lysandre, seu melhor amigo e namorado, e inesperadamente, So Ah, a tia de Ga In, que havia, inclusive, ocultado de sua sobrinha os reais motivos que levaram a jovem estudante a perder a vida. Para So Ah, ainda não era tempo de dizer toda a verdade, já que tanto Ga Yeong quanto Oh Joon ainda sentiam muito a perda da menina, mesmo que já houvesse se passado um ano e sete meses desde o acidente.
– É claro, eu me lembro sim. – Respondeu. – Se não me engano, você deve estar no seu último ano na escola, certo?
O rapaz assentiu, um pouco sem jeito.
– Eu fiquei afastado alguns bimestres no último ano, então… Estou tendo que recuperar o tempo perdido. – Confessou.
– O Oh Joon conseguiu uma bolsa de estudos para uma universidade de música. – So Ah comentou, dando leves tapinhas nas costas do rapaz. – Ele é muito talentoso com aquele instrumento… Como se chama mesmo?
– Guitarra. – Oh Joon respondeu.
– Eu imagino. Gostaria muito de ouvi-lo tocar algum dia. – Ga Yeong sorriu com simpatia.
– Eu… Ficaria feliz em tocar para você. – O rapaz sorriu com timidez, algo bem inusitado para o garoto que costumava ser maroto e agitado perto dos amigos.
– De toda forma, fiquem à vontade. Preciso recepcionar os outros convidados.
Tão logo Ga Yeong se afastou, uma figura esbelta, trajada em um vestido preto e sensual, mas sem ser revelador, logo se aproximou. A beleza jovial de So Ra atraía os olhares de muitos homens e fazia incendiar a inveja de muitas mulheres.
– Ga Yeong! – A morena logo a abraçou assim que a viu.
– So Ra! Eu senti tanto a sua falta! – Havia alguns meses que não via a melhor amiga desde que havia conseguido uma bolsa de intercâmbio de seis meses na Grécia. – A vida não é a mesma sem você por perto pra me perturbar. Como foi a viagem?
– Incrível! As praias são maravilhosas por lá, mas senti tanta falta da comida coreana… E de você também, é claro. – Ressaltou depois de ver a amiga arquear a sobrancelha. – Posso dizer que nada se compara ao nosso lar.
– Você falou tão bem de lá nas nossas ligações que parecia que queria morar lá eternamente. – Comentou. – Fiquei com curiosidade de conhecer a Grécia.
– Porque não viaja para lá? – Sugeriu. – Leva o seu homem com você. – Se aproximou da amiga, brincando com malícia – Umas férias a dois em águas mediterrâneas talvez acendam ainda mais o fogo entre vocês.
– So Ra! – Ficou envergonhada com a insinuação, mas logo sorriu com cumplicidade. – Vou levar em consideração essa ideia.
– Que ideia? – Ga Yeong se encolheu pelo susto ao sentir as mãos quentes de Seung Ri envolver seus ombros. O rapaz lhe agraciou com um sorriso, fazendo com que a garota corasse.
– Ah… Bem… Nenhuma… – Desconversou. – Estávamos falando de bobagens.
Seung Ri arqueou uma sobrancelha, desconfiado, mas não insistiu em perguntar sobre o que estavam conversando anteriormente. Ele logo introduziu um homem que o acompanhava anteriormente.
– Ga Yeong, queria que você conhecesse meu grande amigo, Ji Se Ong. – O rapaz sorriu de forma marota, apertando a mão da garota. – Ele estava morando na Grécia, então não tive chance de apresentá-los formalmente.
– É um prazer conhecê-lo. – Ga Yeong sorriu com simpatia. – Já que estamos nos apresentando… Essa é a minha amiga, Lee So Ra. Ela também estava na Grécia e acabou de retornar de viagem.
Ga Yeong aguardou que os dois se cumprimentassem, mas ao contrário do que esperava, ambos apontaram um para o outro com uma expressão de pura surpresa.
– O playboy mimado! – So Ra o chamou pelo apelido que havia escolhido “carinhosamente” para o rapaz.
– A fugitiva do 501! – Se Ong falou quase ao mesmo tempo que a mulher. – Espera, mimado? Eu?
– Vocês se conhecem? – Seung Ri perguntou, curioso. Ga Yeong parecia tão intrigada quanto o namorado.
– É uma longa história. – Os dois falaram em uníssono, logo se encarando.
– Oh, céus! E eu achando que nada poderia estragar a minha noite. – So Ra suspirou, frustrada.
– Isso era algo que eu deveria estar falando já que foi você que fugiu nadando do meu iate com as minhas roupas! – Se Ong retrucou, se esquecendo por um instante de que não estava à sós com a mulher.
– A-a-acho melhor a gente deixá-los sozinhos. – Ga Yeong corou, sua imaginando trabalhando a mil enquanto pensava sobre o que havia ouvido.
– O que? Porque? – Seung Ri parecia entretido, como uma das senhorinhas que vivem fofocando na rua. Ga Yeong, no entanto, o empurrava com delicadeza para longe dos amigos. – Eu quero ouvir o que aconteceu.
– Não é da nossa conta! – Apesar de repreender o namorado, a garota esboçava um sorriso com humor e parecia tão curiosa quanto.
– Mas… – O rapaz interrompeu os passos ao sentir algo bater contra suas pernas.
O choro da pequena criança que aparentava não mais do que um ano de idade tomou a atenção dos convidados mais próximos. A menina havia se chocado contra o rapaz e caído no chão, sentada. Não parecia machucada, mas o incidente parecia tê-la assustado. Ga Yeong e Seung Ri não demoraram a se abaixar para acudir a criança.
– Coitadinha… Está tudo bem, viu? Não tem dodói. – A mulher usou uma voz suave com a menina, tentando acalmá-la. – Onde está sua mamãe? Vamos procurá-la?
– Ji Hyo! – Uma mulher com longas madeixas se aproximou, agachando-se na altura da criança. – Eu fiquei tão preocupada…
– Ela está bem, só se assustou um pou… – Assim que os olhos da mulher e de Ga Yeong se encontraram, as duas se entreolharam com espanto.
– Cha Se Young…
Os três se colocaram de pé assim que a mulher tomou a criança no colo.
– Na realidade, é Park Ga Yeong, senhora Miller… – Corrigiu-a, um misto de constrangimento e nervosismo.
– Hwa… – A corrigiu, sendo enfática em cada palavra – É Hwa Han Na.
A tensão que se formara era tão densa que quase podia ser palpável. Amber queria ter evitado por mais tempo esbarrar com o antigo affair de seu marido, mas sabia que era impossível, ainda por aquele evento ter sido organizado pela empresa do atual companheiro da mulher. Quando há alguns meses atrás viu o artigo sobre o romance do presidente da IT Technology com uma mulher de origem simples nos tablóides de fofoca, não ficou exatamente surpresa. Era bastante esperta para saber que o rapaz já tinha interesse há tempos em sua atual namorada e a antiga estagiária sempre pareceu próxima do mesmo, apesar de, na época, estar convencida de que a mulher queria se aproximar de seu marido, Kyung Soo. Ainda assim, se sentia desconfortável por todas as situações conflituosas e pela maneira em que se encontravam atualmente.
– É claro… – Ga Yeong deu um sorriso amarelo.
Sabia bem que Amber havia se casado com Kyung Soo. O casamento e a vinda da primeira filha do casal havia sido estampado na capa de várias revistas de fofoca nacionais e internacionais. Não havia se sentido chateada por isso, na realidade, sentia-se até aliviada, de certa maneira. Algo que sempre pesou em sua consciência foi a possibilidade de arruinar o relacionamento de outra pessoa com suas ações. Um silêncio constrangedor se instalou entre os três.
– Espero que esteja aproveitando a festa. – Seung Ri falou, tentando tornar o clima um pouco mais ameno.
– Bom, nós estamos. – Uma voz masculina respondeu, tomando o lado da mulher.
Hwa Kyung Soo não havia mudado desde a última vez em que havia o visto. Os cabelos continuavam no mesmo corte levemente despenteado e o charme de homem sacana o acompanhava, sendo ainda mais reforçado pelo meio sorriso que o rapaz carregava em seu rosto.
– Tenho que admitir, os Lee sabem como realizar um bom evento. – Comentou, um ar levemente presunçoso.
– É um dos talentos da família. – O outro rebateu com um falso sorriso amigável.
Quem quer que os observassem, não imaginariam que os dois homens estavam em um conflito silencioso, como se medissem forças. Seung Ri já não tinha tido uma das melhores primeiras impressões quando conheceu Kyung Soo há alguns anos atrás, mas sabia que o rapaz era bom no seu trabalho. Havia pesquisado com muito afinco sobre muitas agências de propagandas na época em que quis fazer o comercial do produto criado por seu pai e a CS Publicity era a melhor em comparação a muitas outras. Entretanto, a opinião que tinha sobre o homem apenas se reforçou quando ouviu sobre o passado conflituoso entre ele e sua companheira.
Para Ga Yeong, apenas pôde se sentir desconfortável entre a pequena tensão que se desenvolvia entre seu namorado e seu… Bom, não sabia nomear o que Kyung Soo era para si. Sabia bem que Seung Ri deveria estar irritado por ver a sua antiga paixonite em sua festa, mas por outro lado, não estava infeliz por revê-lo. Parte de si, depois de um longo tempo em que pode refletir sobre o que de fato havia ocorrido em sua vida, ainda queria conversar sobre sua relação enquanto possíveis irmãos. Ao invés de nutrir qualquer tipo de ódio pelo rapaz, apenas sentia que ele havia sido tão prejudicada quanto ela, senão até mais, pelo homem que havia lhe renegado como filha.
– Olha a hora! Acho que deveríamos começar com a apresentação. – Ga Yeong mudou de assunto tentando arranjar uma desculpa para encerrar a conversa. – Onde será que está a Seung Ja?
Ga Yeong não demorou a achar o assistente da mulher conversando com alguns convidados. Chamou-o discretamente e pediu para que a avisasse, usando a deixa para se despedir do casal e arrastar Seung Ri consigo.
Seung Ja, por outro lado, estava no hall de entrada do hotel onde ocorria o evento. O local estava mais quieto e com pouco movimento, o que lhe oferecia uma boa privacidade. A mulher sorria com animação ao conversar por vídeo-chamada com um rapaz do outro lado do telefone.
– Parece que se adaptou bem à vida na América, até chegou aos meus ouvidos que gostaram do seu trabalho por aí. – Seung Ja comentou.
– Bom, não foi o fim do mundo como achei que seria. – O rapaz respondeu. – Nossa adaptação foi bem mais suave do que o esperado e a Mi Nah já aprendeu bastante o idioma daqui.
– E como vai a relação de vocês? – Perguntou, curiosa.
Era a primeira vez em muito tempo em que se falavam e a última vez em que se viram, o casamento de seu antigo assistente, Ji Soo, passava por um momento conturbado, tendo sido até mesmo um dos motivos pelo qual o rapaz havia aceitado a oferta de trabalhar no exterior.
– Estamos… Melhor do que ontem, mas não estamos igual à antigamente. – Confessou. – E você?
– Bom… Eu e Joon estamos bem, estamos muito mais unidas. – Seung Ja não pôde deixar de sorrir – Ela escolheu o nome Jin Joo, mas continua usando o apelido Joon. Conversamos muito sobre ela fazer tratamento hormonal para ficar um pouco mais feminina, mas ela não quer fazer cirurgia de redesignação sexual, disse que está bem do jeito que está.
– Isso é meio confuso. – Ji Soo falou. – Achei que Joon se via como uma mulher.
– Bom, ela não precisa fazer a cirurgia para ser uma mulher. – Ressaltou. – Mas confesso, é um pouco confuso não relacionar genital com gênero.
– Entendi… – O rapaz assentiu com a cabeça. – Mas… Quando eu perguntei sobre você, não era bem sobre Joon que estava falando.
Seung Ja logo entendeu qual era a curiosidade de seu amigo.
– Eu estou aproveitando minha própria companhia, mas não exatamente sozinha, se é o que quer saber. – A resposta sugestiva fez com que o rapaz desse uma risada. Não podia deixar de confessar que havia ficado curioso sobre quem poderia ser o novo affair de sua ex-amante.
Seung Ja se despediu apressadamente quando seu assistente a encontrou, guardando seu telefone em sua clutch.
– Estão a chamando para a apresentação. – O rapaz avisou.
– Já? A hora passou correndo… – Comentou, se aproximando do rapaz que, discretamente, envolvia sua cintura com intimidade.
– Quanto mais rápido a hora passar, mais cedo eu posso aproveitar a sua companhia com exclusividade. – Evidenciou. – Só vejo vantagens, Seunggye.
– É Seung Ja. – Ressaltou, tirando as mãos do rapaz de sua cintura. – Somos amantes, Nam Hae Kook, não namorados. Não temos esse tipo de intimidade.
– Por enquanto… – Rebateu em um murmúrio enquanto observava a mulher caminhando com elegância pelo corredor que levava de volta ao salão, o rebolado suave levando sua imaginação a funcionar em velocidade máxima.
O salão ficou silencioso quando a Seung Ja subiu ao palco, discursando sobre a pauta principal da noite. Nos últimos meses, os irmãos Lee haviam dividido os holofotes igualmente nos eventos, mostrando que a CEO da IT Technology possuía tanto carisma e sociabilidade quanto o presidente da empresa. Havia perdido a conta de quantas vezes havia sido elogiada por ser uma boa anfitriã, o que era engraçado, pensando em como era considerada uma pessoa fechada e temperamental há um ano atrás. Entretanto, podia dizer que a mudança em sua maneira de se relacionar com as pessoas havia sido por ter se aberto com seu antigo assistente. Tê-lo como um confidente a possibilitou a encarar seus próprios traumas, suas angústias e se tornar mais confiante, além de amar mais a si mesma.
– Entendemos que nós, enquanto uma empresa de tecnologia, também temos nossa responsabilidade no progresso para um país com mais igualdade. Sempre foi uma parte fundamental dos nossos valores a generosidade e o altruísmo, ajudando aqueles que são invisibilizados, trazendo mudanças positivas para a nossa sociedade e mostrando que aqui existe lugar para todos. – Os ouvidos atentos sobre a mulher estavam entretidos com suas palavras. – Por isso, estamos profundamente felizes em apoiar uma causa tão nobre que proporcionará a oportunidade de inclusão às pessoas que precisam e que são capazes de viver uma vida digna e produtiva. Com isso, gostaria de chamar a senhorita Park Ga Yeong para o palco.
Seung Ja abriu espaço para que a mulher se aproximasse, as palmas ecoando por todo o salão. Assim que Ga Yeong se viu em frente de tantas pessoas, apenas pôde procurar o rosto de Seung Ri entre os convidados. O rapaz sorria para ela, incentivando-a silenciosamente.
– Gostaria de agradecer a todos pela presença e dizer o quanto essa noite está sendo importante para mim. – Confessou. – Há um ano e meio eu perdi uma pessoa muito querida na minha vida, a minha irmã, Park Ga In. Devido à sua condição, nós vivemos separadas por muitos anos. Minha irmã era autista, mas posso dizer que isso não a definia. Ela era, antes de tudo, uma menina doce, inteligente e muito amorosa. Ela tinha algumas manias, mas quem não tem? Eu mesma não entro com comida dentro do banheiro.
Os convidados riram com a piada, deixando Ga Yeong mais à vontade para falar sobre a história de vida de sua irmã.
– Mas, devido à sua condição, ela vivia isolada de muitas maneiras. As pessoas não compreendiam as suas peculiaridades, os professores preferiam não integrá-la com seus colegas e a excluíam de atividades grupais. Era mais fácil para eles, mas não era o melhor para ela. É muito comum que aconteçam situações como essa na vida de pessoas autistas, sejam nas ruas, nas escolas, nas empresas onde trabalham, em seus núcleos familiares ou com suas amizades. Essa exclusão prejudica milhares de autistas todos os dias, não só na esfera social, mas também no seu desenvolvimento psicológico.
Suspirou, lembrando-se de alguns momentos difíceis que havia passado com Ga In.
– A necessidade de criar essa causa surgiu ao pensar no futuro que minha irmã poderia enfrentar se ainda estivesse aqui, nas situações que essas pessoas enfrentam em seu dia a dia. Eu queria que outras pessoas que são autistas, assim como a minha irmã, pudessem ter o apoio que elas precisam para se tornarem adultos independentes e que possam ter uma boa qualidade de vida. Por isso, eu fico feliz em anunciar a inauguração da ONG Park Ga In para pessoas no espectro autista.
O telão atrás de si exibia o logotipo da organização ao lado de uma menina com um pequeno sorriso tímido carregando um vaso cheio de flores rosas. Ga Yeong não pôde deixar de se emocionar com a imagem de Ga In.
– E também gostaria de anunciar a primeira doação para a ONG no valor de um milhão e quinhentos mil euros feita por mim. – Um rapaz a entregou um cheque simbólico, do tamanho de um cartaz. – Essa quantia foi dada à minha irmã e à mim para que pudéssemos ter acesso a uma boa educação e uma boa qualidade de vida, mas eu nunca me senti realmente dona desse dinheiro. Poder usá-lo para uma causa nobre faz muito mais sentido do que usá-lo para outros fins. – Ga Yeong foi sincera.
Nunca se sentiu à vontade com o dinheiro deixado por seu progenitor, recusando-se a usá-lo mais do que já havia usado quando não sabia a sua origem. Poder investir aquele valor em algo que realmente valia a pena a deixava aliviada.
– Esse é o primeiro passo para que a ONG possa reunir profissionais competentes para ajudar os mais necessitados e eu conto com a generosidade de vocês para que a nossa causa possa alcançar ainda mais pessoas. Obrigada…
O público rompeu em aplausos diante do discurso da mulher. Tão logo abandonou o palco, as pessoas se adiantaram para falar com a mesma, maravilhados pela sua presença e pelo seu empenho com as causas sociais que apoiava. Demorou algum tempo até que conseguisse escapar dos convidados e reencontrar-se com Seung Ri. O casal rumou para o jardim do hotel que se encontrava muito mais silencioso e confortável.
– Você foi impressionante no palco. – Seung Ri elogiou. – Acho que conseguiu deixar todo mundo emocionado. É um dom seu.
– Eu só falei o que realmente sentia. – Ga Yeong confessou. – Eu sempre senti que falhei como irmã mais velha, que eu deveria estar mais presente depois que a minha mãe se foi e que eu deveria ter ido para Jeju ao invés de continuar em Seul… Sinto que compensei alguns dos meus erros com essa ONG…
– Você fez o que estava ao seu alcance. – Seung Ri a tranquilizou. – Você precisou amadurecer mais cedo que as outras pessoas. E mesmo que tenha tropeçado em alguns cascalhos, você fez um bom trabalho. Fez as melhores escolhas, mesmo que elas viessem com alguns sacrifícios, então não se martirize por isso, tenho certeza que sua irmã entenderia.
Ga Yeong esboçou um sorriso sutil fazendo com que o rapaz sorrisse também. Os dois continuaram caminhando pelo jardim que tinha leve iluminação colorida. As flores ordenavam o caminho de pedra que levava à ponte sobre um pequeno lago e a música suave que tocava no salão chegava até o local em que estavam em um volume baixo.
– Eu tenho que te agradecer por ter tornado esse projeto possível. – Salientou. – Se não fosse por você e pela sua família, eu nunca conseguiria fazer tudo isso. Você está sempre do meu lado me dando apoio… E eu não fui exatamente uma boa pessoa quando nos conhecemos.
– Eu diria que oferecer um café de graça é um ato de extrema bondade. – O rapaz brincou.
– Eu te ofereci depois de te acertar com a porta giratória.
– Detalhes… – Deu de ombros, arrancando uma risada da garota. – Mas foi por conta daquele café que eu me interessei por você.
Ga Yeong o encarou, o rapaz caminhava de costas, o olhar fixo nos seus.
– Na verdade, foi por um conjunto de muitas coisas… Pela sua inteligência, pela sua sensibilidade e pela sua gentileza.
Recostaram-se na mureta de proteção que rodeava a ponte. Os patos nadavam tranquilamente pelo lago.
– Quando eu a conheci, eu pensei em como eu tinha encontrado a mulher ideal que eu sempre sonhei em conhecer. Alguém que não fosse superficial, alguém que quisesse conhecer o Seung Ri real. – Confessou. – E, por mais que nós tenhamos tido alguns conflitos, você acabou sendo uma pessoa ainda melhor do que eu esperava que fosse. Você não é a minha mulher ideal, você é a única pessoa que eu preciso. A única que eu amo.
O rapaz retirou uma caixinha de seu blazer, abrindo-a. A mulher fitou a aliança dourada e delicada, um diamante rosa enfeitava a parte sobressalente do anel.
– Seung Ri… Isso… – Não conseguiu falar mais do que apenas algumas palavras.
– Esses quinhentos e cinquenta dias ao seu lado foram os melhores dias da minha vida e eu queria que pudéssemos ter muito outros mais quinhentos dias juntos… – O rapaz tomou a mão da garota entre as suas, olhando em seus olhos. – Então, Park Ga Yeong… Você quer se casar comigo?
A resposta veio em um beijo repleto de sentimentos profundos.
– É claro que eu quero… – Ga Yeong sorriu, transbordando de felicidade. – Eu te amo, Lee Seung Ri… Eu te amo hoje, te amarei amanhã e para sempre…
Última modificação feita por SaaChan (08-01-2022, às 00h45)